— Tudo bem, Saulo. — O médico era extremamente calmo e
concentrado naquela situação. — Caique, sua recuperação e sua reabilitação
não será apenas física. Será neurológica também. Haverá fases e fases, por
isso eu disse que tudo depende do seu esforço e força de vontade. Em
minha profissão vi alguns desistirem quando tinham chances até melhores
que você de recuperação. Entendo sua raiva, seu desespero, mas como
médico, tenho o dever de ser bem franco: não há a possibilidade de voltar a
andar mas há muitas chances de melhorar sua qualidade de vida, de não
depender de ninguém, apenas de você mesmo. Não condicione sua vida à
cadeira de rodas, mas aos seus braços, sua mente e seu coração que por
alguma razão continua batendo. Você verá as fotos de onde foi tirado
naquele acidente, ninguém acreditava na sua sobrevivência. — Caique não
tirava os olhos do doutor.
— Tudo que eu preciso tem aqui?
— Sim, o hospital é completo para sua reabilitação. Mas se quiser
tentar outros métodos, dou todo o encaminhamento.
— Vou sentir dores?
— Sim. Quando os espasmos começarem, e você forçar seu corpo, elas
virão também. Você fará uso de medicamentos que te auxiliarão nesta parte.
Nossa nutricionista já está trabalhando em sua alimentação, até ela será
muito importante em tudo que você fará. Daqui a algum tempo, começará
sua fisioterapia e poderá fazer exercícios físicos e fortalecer seus músculos
dos braços. Um psicólogo será de suma importância para você e aqui no
hospital já tem um à sua disposição. Oferecemos tudo, Caique. Só preciso
do seu querer. Mas por hora, descanse, assimile tudo que falei. Você
acordou de um coma e só autorizei que tudo fosse dito a você por saber que
perceberia suas pernas. Jamais te deixaria sem respostas. Posso pedir sua
irmã para entrar?
— Apenas ela está aí?
— Que eu tenha visto, sim.
— Sua mãe e seu irmão estão vindo ainda — falei.
— Quero ficar um pouco com o Saulo, logo peço para ela entrar.
— Ok, com licença.
Observei o médico fechar a porta e olhei para Caique, que enxugava os
olhos e depois olhou para mim.
— Por que isso aconteceu comigo? Por que, Saulo?
— Não sei, meu amigo, mas o importante é que você está vivo!! E
acho que poderia ter sido até pior. Caique, você estava todo torto em meio a
ferros retorcidos, com várias fraturas e custaram a tirar você. Nunca
esquecerei aquela cena.
— Nunca mais vou ter ninguém — ele disse triste e com os olhos
cheios de lágrimas novamente.
— Não pense assim. Eu li muita coisa durante o tempo do seu coma.
Fui até em palestras, conversei com outros cadeirantes e meu amigo, sua
vida não acabou. Só precisamos que você queira lutar e com o tempo se
adaptar.
— Por que ele fez isso? Eu tinha me apaixonado, Saulo.
— Esse verme já pagou.
— O que aconteceu? O que você fez?
— Eu processei ele e a redação. Sei que ele perdeu o emprego. Mesmo
que existam pessoas que esperam motivos para humilhar os outros na
internet, você ganhou muito apoio quando eu trouxe à tona como sua
intimidade foi exposta. Muita gente apoiou você. E quanto ao vazamento de
que sua mãe tinha cogitado que você comprasse materiais de quinta para o
shopping, a convenci de dar uma declaração e invertemos tudo isso. A obra
segue a todo vapor conforme você idealizou. Aurélio assumiu a Presidência
até você voltar e é como se você estivesse ao lado dele. Os acionistas te
apoiaram também e sua mãe não conseguiu te tirar da Presidência.
— Mas ela tentou, não foi?
— Sim, mas perdeu por 13 votos a favor de sua permanência contra 4
e um dos votos era dela.
— Ela deve ter desejado a minha morte.
— Não diga isso, mas desisto de tentar entendê-la. Ela teve que assistir
boa parte da internet apoiando você, a sua orientação sexual e condenando a
forma que você foi arrancado do armário. Gente famosa nesse meio. O
preconceito dela desceu ardendo pela garganta, com certeza. — Um
pequeno sorriso se fez presente no rosto de Caique, mas logo sumiu.
— Estou com medo das pessoas, não consigo mais confiar.
— Nem pense nos outros agora, apenas em você.
— Eu tinha planos pra ele. E no fim descubro que só fui um furo de reportagem.
— Fiz o que estava em meu alcance, mas Deus viu tudo e o que é dele
está guardado.
— As famílias, tanto do Fábio, quanto do motorista do caminhão e da
van, receberam assistência?
— Do Fábio, sim, toda. Mas sua mãe não permitiu para os outros.
Principalmente para o do caminhão.
— Não acredito nisso.
— Ela disse que ele era culpado, mesmo eu mostrando que ele não
teve culpa. Foi um acidente, os freios falharam. Não me deixou de forma
alguma procurá-los para amparar. Desculpe.
— Não me peça desculpas, você não tem culpa.
— Você precisa de alguma coisa agora?
— Ficar sozinho.
— Por favor, Caique...
— Só me deixa ficar sozinho. Preciso apenas pensar e talvez dormir, estou grogue pelos remédios.
— E sua irmã? Ela te ama muito.
— Também a amo, mas agora não quero ver mais ninguém, nem ela e nem minha mãe e meu irmão.
— Tudo bem, meu amigo, descanse. Estarei sempre com você.
— Eu sei disso.
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Atualizado até capítulo 122
Comments
Celina Daltro
será que Saulo é apaixonado pelo Caíque??
2024-05-06
3
Anne Jay
autor ou autora eu acabei shippando o médico com o caíque o que eu faço??
2024-05-06
0