O príncipe do Rio

Enzo desembarca no Rio e é recebido por Cauê, amigo de escola que entrou para o tráfico com ele em sua última estadia na cidade.

—Fala Enzo! Como você está?

—Melhor do que nunca!Com o transtorno controlado, me sinto quase um cara normal.

—Mas você é!

–As vezes...- ele olha pela janela - Toca aí para o Leblon, estou louco pra dormir um pouco!

—Não vai para a serra?

—Só no final de semana para passar o meu aniversário com a minha família. Meu pai também não me quer por lá muito tempo.

—Você o tio Rafael nunca se acertam!

—Já melhoramos muito o nosso relacionamento. Mas hoje temos um ponto fraco em comum...

Cauê é um rapaz de vinte e cinco anos, estatura mediana, negro, cabelos curtos à máquina. Formado em economia, é responsável pelas finanças da quadrilha,agora, liderada por Enzo. Seu pai é um ex policial militar vereador na cidade do Rio, sua família tem ligação com os Paolli há mais de 15 anos.

Ao chegarem no apartamento Enzo abre as janelas para arejar o lugar entra no escritório onde teve uma discussão muito feia com o pai. Aquele dia ainda doía, embora ele tenha o perdoado.

—Cauê, você conhece alguém que possa vir fazer uma limpeza na casa de vez em quando e cozinhar para mim? Vou ficar aqui sozinho, sem ninguém e eu não tenho muito talento com essas coisas de casa.

—Posso ver, tem muita mulher de comunidade que está precisando de emprego, senhora de idade, mãe solo de família ... com certeza alguma delas toparia, ainda mais para ganhar bem e trabalhar meio período.

— É, eu não quero ninguém aqui o dia todo, é só para chegar arrumar a casa ,lavar roupa e deixar alguma comida pronta.

—Deve ser bom morar sozinho ,né? Um apartamento desses só para você, sem ninguém pra te perturbar, sem mulher pra mandar...

—Eu posso ficar mais à vontade, mas não vou trazer a mulher da rua para cá, aqui ninguém entra! Só uma mulher, se ela quiser... mas acho muito difícil.

— Quem é essa mulher que você tanto fala que é o amor da tua vida ,mas ela é impossível para você?

— Segredo... mas quanto mais eu falo nela, mais eu me machuco. Vamos mudar de assunto? Como que estão as paradas aqui?

— Fluindo, tá tudo tranquilo! A gente poderia marcar para ir em alguma boate ou bar do teu pai. São bons para caraca! Vivem bombando!

— Vou deixar para amanhã, hoje eu tô afim de dormir e descansar. Amanhã botamos esse Rio de Janeiro abaixo!

Assim que Cauê se retira ,Enzo liga para o pai avisando da sua chegada.

—Tua benedizione babbo ! Cheguei!

—Dio vi benedica figlio mio! Está no Leblon?

—Sim, vou descansar por hoje e amanhã começo a articular!

— Enzo ,ainda dá tempo de você desistir disso tudo .Gostaria que você administrasse as minhas fazendas no interior de Mato Grosso do Sul.

— Até pensei nisso babbo, mas não dá para mim. Minha vida é essa, é o crime, é a Camorra! Foi para isso que eu me preparei a vida toda, não é?

—É o maior arrependimento da minha vida! Ter iniciado você no Camorra...- Rafael respira fundo- se eu pudesse voltar no tempo, faria tudo diferente!

—O senhor viveu a mesma vida por mais de 40 anos, agora que parou.

—Porque eu conheci a sua madrasta, porque nós tivemos filhos e eu não queria errar com eles como eu errei com você.

Pai e filho permanecem em silêncio refletindo na conversa que estavam travando.

— Mas já que você está tão decidido, eu não tenho o que fazer. É um homem adulto, vai fazer 25 anos, não tenho mais como controlar as suas atitudes.

— Na sexta-feira no final da tarde, eu vou subir a serra para passar meu aniversário com vocês. Está tudo bem?

—Claro que está! Nós somos a sua família ! Só... você sabe ,né? Deixa a minha mulher em paz!

—Eu vou deixar babbo.Prometi e vou cumprir,boa noite!

—Boa noite, figlio mio!

Enzo vai até a varanda e olha para o calçadão lotado. Praia cheia, verão, mas o sono e o cansaço falam mais alto. Ele sente culpa por amar a mulher do pai e a desejar todos os dias. Fez uma promessa de nunca mais importuná-la, mas se ela quiser...

—Eu não irei rejeitá-la!

No dia seguinte, Enzo vai cumprir os seus compromissos visitando galpões recebendo cargas e distribuindo, dando ordem e treinamento à novos soldados.

A noite cai e ele se prepara para sair com o Cauê e os soldados. Pediu permissão ao pai para ir a uma boate dele consumir tudo por conta.

— Está tudo liberado! O rei do Rio liberou o camarote para fazermos o que quisermos nessa boate hoje! Mas atenção ,seus filhos da puta! Nada de confusão! Meu pai já deixou isso bem claro e eu também não posso ficar me expondo muito. Ainda sou investigado por homicídio.

—Tudo tranquilo Enzo...- diz Douglas,filho de Soares, outro ex braço direito de Rafael.

—Ó moleque, você não é muito novo pra estar aqui? Começou ainda ontem na quadrilha!

—Acabei de fazer 18 anos, Enzo!

—Caralho, estou ficando velho mesmo! Lembro da sua mãe grávida...

Eles entram na boate e curtem a noite, com muita bebida, mulheres e drogas. Exceto Enzo, ele só bebe em festas de família e usa maconha eventualmente. Em público ele evita qualquer gatilho para não entrar em crise,desde que conseguiu controlar seu transtorno se sente melhor e menos melancólico. Pensa na filha, em poder ser um pai de verdade pra ela, coisa que não tem sido. Pensa também,em quem sabe,encontrar alguém para refazer a vida já que o seu casamento com Martina Romano foi anulado por ser apenas praticamente um contrato sem amor que gerou uma criança. E por mais que ele ame a madrasta e saiba que ela o deseja sexualmente, o coração dela tem dono,aliás donos,e a vida a dois que sonha com Serena nunca se realizará.

—Ei Douglas! Você não vai cheirar não! Muito novo, eu conto para o seu pai e você estará fora da minha quadrilha! - grita Enzo

—Qual é Enzo? Os caras estão cheirando e você não fala nada!

—Eles tem mais de trinta anos, todos cascudos...você é muito moleque ainda, nem eu cheiro! - ele lembra da primeira e última vez em que usou cocaína,teve uma crise e quase foi preso, se não fosse por Serena agir rápido.

—Posso beber pelo menos?

—Pouco! Não vim aqui pra ser babá de ninguém! Minha filha tem 2 anos e está em casa.

Enzo resolve ficar somente observando, os soldados estavam soltos demais, não queria perder o controle da situação.

—Aí seus filhos da puta! Já deu de drogas! - grita e eles obedecem - agora é só pegar a mulher que quiserem. A não ser que não gostem! - debocha

A madrugada avança e ele se interessa por uma moça na pista,desce e para flertar com ela.

—Morena bonita,sozinha?

—Com amigas, e você?

—Com amigos!

Eles conversam até um rapaz chegar por trás dele e lhe cutucar.

— Algum problema amigo?

—Sim, essa garota é minha!

Ele se vira para a moça

—Está com ele?

—Não, esse babaca está me enchendo o saco a noite toda, já disse que não quero nada com ele!

—Ouviu a moça, não é não! - diz Enzo se voltando pra ela

O cara insiste e toca em Enzo de novo.

—Qual foi caralho! Mete o pé porra! A garota não quer você!

O homem soca a cara de Enzo que cai no chão, os soldados partem pra cima dele junto com seguranças da boate.

—Você sabe em quem acabou de bater seu otário? - diz Cauê

—Em um viadinho qualquer!

Enzo se levanta num impulso e começa a espancar o sujeito ,que já estava com o rosto ensanguentado.

—Para Enzo! Seu pai não vai gostar de saber de confusão aqui!

—Além de viadinho é filhinho de papai! - o cara debocha jogado no chão.

—Sabe quem eu sou seu filho da puta? Enzo Paolli ,filho de Rafael Paolli! Agora você está fodido!

Os amigos do rapaz tentam levantá-lo, ao mesmo tempo que pedem perdão.

—Levem esses desgraçados lá pra fora e terminem o serviço!

Os soldados espancam os três amigos e Enzo chega para ameaçá-los.

—Se vocês pensarem em dar queixa na polícia ou mencionarem o meu nome, vocês estarão mortos até o final do dia e suas famílias não terão um corpo pra chorar!

Eles liberam os caras e Enzo vai pra casa.

Deita com um saco de gelo no olho, e recebe uma ligação do pai.

—Caralho já está sabendo! Ele vai foder meu juízo agora!

—Babbo...

—Se meteu em confusão ragazzo ,eu avisei..

—Fiquei na moral a noite toda, no final o cara me deu soco na cara porque estava afim da menina que eu iria pegar e ainda me chamou de viadinho!

—Ninguém chama um Paolli assim e passa impune! E fiquei sabendo que você manteve uma postura de capo a noite toda,controlando tudo...estou orgulhoso! Você está amadurecendo Enzo!

—Obrigado babbo! - o rapaz é surpreendido pelo elogio de Rafael e sorri. Tudo o que ele sempre buscou foi o reconhecimento do pai, e chegou de forma natural e inesperada.

—Agora você já pode assumir o meu título,mas eu ainda sou uma lenda - fala orgulhoso - por enquanto você é O Príncipe do Rio! Eu te amo Enzo, mesmo com esse problema entre nós!

—Eu também te amo babbo! Gostaria de não amar a sua mulher...mas um dia isso vai passar, eu vou encontrar alguém só pra mim!

—É o que mais desejo! Agora vá descansar, já está quase amanhecendo.

Enzo desliga feliz de vida, com mais ânimo de se manter controlado e buscar alguém para ser a sua primeira dama, ter filhos com ela ,formar uma família...

Ele liga para Pietro, já é manhã da Itália.O telefone toca insistentemente.

—Enzo?...aconteceu alguma coisa?

—Dormindo ainda Pietro? São dez da manhã aí!

—Dormi fora de casa...

—É o quê?!

—Comprei um apartamento pra Ava, arrumei um emprego pra ela. Até já saiu para trabalhar.

—Não estou acreditando nisso! Será que estamos com os corpos trocados? A falta de juízo passou pra você? O que você disse pra Ane?

— Que teria reuniões em outra cidade distante.

—Você vai atrapalhar os negócios da família!

—Não misturo as coisas!

—Vai pra sua casa, ficar com sua mulher. Levanta!

—Já vou, papai!