Capítulo 3 Termina mais um plantão

Durante a noite, fiz algumas anotações, observações a respeito da evolução do quadro virótico. Pude constatar que, a maioria das crianças estavam na faixa etária entre quatro a sete anos, alguns casos isolados de crianças com três anos. Seus hábitos e costumes, bem como suas rotinas, eram diferentes excetuando a escola, os casos isolados de três anos tinham irmãos na escola. Portanto, tínhamos aqui um denominador comum, a escola. Porém, algumas estudavam em escolas particulares e outras em escolas públicas, o que abria o leque de interrogações. Transporte, como essas crianças iam para a escola? Verificando cheguei ao denominador, algumas iam com os pais, outras de transporte público e a maioria em transporte escolar, ou seja, uma criança contaminada, passava o vírus para seus colegas do ônibus que, por sua vez passava para os colegas da classe e poderia se contaminar toda uma escola. Se tornaria um círculo vicioso, poderíamos ter uma endemia, e se providências não fossem tomadas, uma pandemia. O meu relatório, vou entregar diretamente na administração e pedir para ser enviado à Secretaria de Saúde e pedir urgência aos laboratórios, para a descoberta do agente causador da virose.

Faço a minha ronda, as crianças estão se estabilizando. Passo no quarto do Miguel e o meu anjinho parece sentir a minha presença, dou um leve beijo na sua testa e ele volta a dormir. O seu pai está a dormir, agora assim adormecido, posso vê-lo melhor... é um homem muito bonito, tem os traços perfeitos, de uma beleza incomum. A sua boca parece que foi desenhada a mão, e cada pincelada do artista, foi de uma inspiração divina.

Ele se mexe, saio logo do meu momento de loucura, o que penso que estou a fazer, olhando para um homem adormecido e admirando a sua beleza? Eu não posso dar-me o luxo de sonhar, não sou uma mulher por inteiro, eu fui marcada na alma.

Alejandro

Já faz um tempo que, estou acordado, eu observei o carinho da doutora com o meu filho, a sua contemplação e o beijo carinhoso na sua testa. Quando ela olhou-me, eu fiz que continuava a dormir porém, mesmo de olhos fechados… eu podia sentir o seu olhar percorrer o meu rosto. Ficou a estudar o meu rosto, como quem estuda uma obra de arte, , o meu coração disparou quando eu senti o seu olhar percorrer cada traço da minha boca. Acabei me mexendo ou não responderia por mim…

Ela pareceu acordar de um sonho, direto para um pesadelo, os seus olhos ficaram de um verde mais profundo, no rosto a marca de uma dor que, parecia corroer a alma. Então ela foi-se apressada.

Que pensamentos sombrios, teriam passado pela sua mente, quais segredos guardaram aqueles olhos de feiticeira. Uma mulher encantadora com as crianças, no entanto, parecia fechada para a vida.

Carmem

Tive novos pacientes, na mesma faixa etária, dois com os mesmos sintomas, um com pneumonia e dois bebês com apenas um aninho, esses com sintomas leves de refluxo e poderiam tomar a medicação em casa.

Era bom ver pais comprometidos com a saúde dos seus filhos, o que me dava maior prazer, era atender criança que, logo nos primeiros sintomas, os pais procuravam por ajuda de um médico. Nada pior do que a automedicação, só faz o organismo criar resistência a certas substâncias e no momento mais necessário, estes já não alcançam o resultado esperado.

Apesar de toda a movimentação no plantão, não podia faltar com a minha promessa. Sempre dava uma passada no quarto de Miguel, houve um momento em que coincidiu com a hora da medicação, e ele acordou.

Miguel Você veio tia, prometeu e cumpriu, eu estou muito feliz.

Carmem Que bom! Meu anjo e como está se sentindo?

Miguel Um pouco melhor, até a minha garganta já deixou-me tomar um pouco de água, sem doer.

Carmem Isso é muito bom, se continuar assim, sem febre e a garganta melhorando, antes de terminar o meu plantão, eu passo aqui e deixo a receita com o seu pai, então deixo que volte para casa.

Miguel Amanhã a Tina está em casa, ela cuida de mim, ela faz comida gostosa.

Carmem Mas isso é ótimo, é bom ter uma comida gostosa, feita na hora e com carinho, vai fazer com que se recupere rápido.

Miguel Mas eu não vou mais ver você, tia. O seu olhar ficou triste.

Carmem Quem disse que não irá ver-me? Quero ver você daqui a dois dias, o seu pai pode escolher, traz você aqui no hospital ou marca com a minha secretária no consultório. Tudo bem assim, senhor Alejandro?

Alejandro Tudo bem, vou marcar com a secretária filho, assim ficamos a conhecer o consultório da doutora.

Carmem

Porque eu senti uma pontinha de medo, já estava apaixonada pelo Miguel, mas as vezes esqueço-me do pai dele. Esse homem causa-me sensações que, eu desconhecia, e o desconhecido, causa-me medo. Um misto de pânico com curiosidade, uma ansiedade sem explicação, mas acima de tudo... Atração?

Tive medo de ter pensado alto, ao ver aqueles olhos fitarem-me, como se pudessem ler a minha alma e desnudar os meus pensamentos.

Alejandro

Ah! Esses olhos verdes que, parecem dizer muita coisa, que se passa dentro dessa linda cabeça, mas que, ao mesmo tempo, no fundo de um mar imenso que, não sei definir direito, se de dor ou melancolia. Algo parece cortar-lhe as entranhas, e marcar a alma a ferro e brasa.

A minha esperança se ilumina quando, ela diz ao Miguel que se verão novamente, assusta-me o salto que, o meu coração dá no peito...dois dias, ela disse dois dias. Quando se dirige a mim e pergunta se no hospital ou no seu consultório, nem paro para pensar. É claro que no consultório, assim como o meu filho, também quero muito vê-la novamente.

Carmem

Como o prometido, logo que amanheceu, fui fazer visita aos meus pequenos anjos, liberei a maioria, passei as recomendações aos pais, dos cuidados a serem tomados em casa, fiz um relatório recomendando o afastamento das escolas por cinco dias, passei receitas dos medicamentos e despedi de cada um deles, com muito carinho.

Deixei o Miguel por último, o anjo que roubou o meu coração, os seus olhos brilharam de alegria, por voltar para casa e confessou que, só não estava mais feliz, porque iria sentir saudades de mim.

Carmem Estou feliz em mandá-lo para casa, vai ficar aos cuidados da Tina, não é mesmo?

Miguel Vou sim tia, a Tina é uma vovó muito legal, faz tudo que eu peço.

Alejandro Ela mima e estraga você, isso sim. Comigo ela era mais durona, com você virou uma manteiga derretida.

Miguel O papai tem ciúme da Tina, fala que foi ela quem educou ele, mas comigo está sendo conden… Como é mesmo a palavra papai?

Alejandro Condescendente, mas é a pura verdade.

Carmem

Eu não resisti e acabei por rir dos dois, como Alejandro podia usar palavras tão difíceis, parece que os dois se entendem, porém o Miguel só tem quatro anos. No entanto, o que parecia é que, ele virava uma criança junto com o filho, chegando ao ponto de disputar os carinhos da mencionada Tina.

Alejandro

Vejo que algo que dissemos, fez com que ela achasse divertido, pois começou de repente a rir. Uma risada suave e contagiante, o seu rosto iluminou-se e... foi nesse exato instante que percebi, que inexplicavelmente, eu me estava perdido.

Carmem

Depois de muitas risadas e beijos no Miguel, entreguei o meu cartão juntamente com a receita para o Alejandro e assim os dois foram-se.

Fui até minha sala terminei de preencher os relatórios, olhei o céu pela janela e o sol lançava seus raios dourados, nas janelas do edifício vizinho ao hospital, chegava ao final de mais um plantão. Tomei minha bolsa e chaves do carro, saí do hospital rumo ao estacionamento e vou para casa. Chegando em casa, hoje não preciso da banheira, tomo uma ducha e minha cama me acolhe... adormeço...

***Esta obra está sob contrato com a NovelToon, e a pirataria, como a reimpressão sem permissão, é estritamente proibida.***

***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***