Prometida Ao Mafioso

Prometida Ao Mafioso

capítulo 1

ELISA SANTIAGO

Tudo ficou escuro no momento em que saí da faculdade

debaixo da chuva. Corro pelas ruas, apressada, com medo de que

todos os meus livros fiquem completamente destruídos pela força da

água. Minha mãe não pode me dar novos, e me lembro de que

esses já custaram muito dinheiro.

Piso nas poças, tendo a sensação de que meus tênis estão

descolando. Como eu adivinharia que esta chuva iria cair

justamente hoje, quando o ônibus resolveu quebrar e minha mãe

saiu para trabalhar do outro lado da cidade? Até mesmo um

cachorro latiu feio para mim.

O destino está querendo me pregar uma peça por eu ter sido

desorganizada com minhas roupas no mês passado, deixando de

arrumar bem o guarda-roupa. Isso contribuiu para que as suas

portas ficassem difíceis de fechar, acabando com a chance de eu ter

um armário legal.

Minha mãe se esforça para me dar de tudo, e sempre foi

assim. Somos apenas nós duas, as melhores amigas. Ela é a

pessoa que mais amo nesta vida, a minha guerreira, meu maior

exemplo.

Vivemos no Morro do Alemão. Somos duas mulheres sozinhas

que moram em um barraco pequeno, com uma TV desmantelada e

um telhado pelo qual entra água quando chove. É um lugarzinho

simples, mas é o bastante para nos fazer felizes.

O meu pai abandonou a minha mãe no momento em que soube que ela esperava um filho seu, e minha avó a expulsou de

casa por puro preconceito.

Como uma mulher negra e batalhadora, sem o ensino médio completo, ela precisou largar os estudos para poder me criar, e por isso faz de tudo para que eu siga o meu caminho, para que eu brilhe

e consiga, um dia, chegar longe.

Por eu ser preta, favelada e pobre, o preconceito e a

discriminação sempre se fizeram presentes na minha vida, mas nem

por isso desistirei de todos os meus sonhos. Com meus 21 anos,

estou cursando o quarto ano da faculdade de Direito, na qual

ingressei por meio do ENEM. Em pouco menos de um ano estarei

formada, então poderei, finalmente, conseguir um emprego e

proporcionar uma vida melhor para a minha mãe.

Cogito esperar toda esta chuva passar, debaixo do viaduto

mais próximo, mas acabo desistindo da ideia. Continuo caminhando.

O meu celular se encontra molhado e tudo em mim está

encharcado.

Penso que na última vez em que isso me aconteceu, peguei

um resfriado e levei quase um mês para me recuperar. Não posso

ficar doente, tenho provas importantes para fazer na semana que

vem.

Não acho justo mamãe chegar cansada em casa todos os dias,

portanto, gostaria de poder ajudá-la trabalhando nos fins de

semana, mas ela não aceita a ideia. Por essa razão, faço dos meus

estudos a segunda coisa mais importante da minha vida, porque a

primeira sempre será ela.

Estou quase chegando à entrada do Morro, quando um carro

em alta velocidade passa por mim. Os pneus fazem levantar do chão, na minha direção, uma grande quantidade de água de uma poça bem próxima. Fecho os olhos para me proteger daquela água

suja das ruas. A minha sorte é que a chuva está começando a passar, e agradeço aos céus por isso.

Não vejo a hora de poder chegar em casa, trocar de roupas e ficar aquecida. Minhas mãos estão ficando congeladas. Nesta época do ano, no Rio de Janeiro costuma fazer menos calor, e quando chove, a sensação térmica chega aos 19 graus.

Já estou me afastando da “civilização”. Algumas pessoas

costumam dizer que nós, favelados, somos pessoas violentas e

terroristas. Ainda nos chamam de mais possíveis xingamentos

dessa categoria. “Quem vê cara, não vê coração”. Para nós, esse

ditado tem um significado diferente, pois as pessoas só notam o

nosso exterior e associam a nossa imagem a algo terrível, não

conseguindo enxergar o bem em nós.

Em cada viela pode-se encontrar pessoas boas e

trabalhadoras que lutam para ganhar o próprio pão. Muitos de nós

somos honestos e não estamos envolvidos com a parte criminosa

do local.

Quando eu, finalmente, tornar-me juíza, irei lutar pelos direitos

que nós, moradores de favelas, possuímos, mas muitas vezes são

retirados.

Acabo derrubando o meu celular no chão, então me abaixo

para o pegar, sentindo todo aquele cheirinho de asfalto molhado e

quente invadir minhas narinas. O sol começa a brilhar, mas, no céu,

predominam grandes nuvens escuras.

Através da poça de água, posso notar o reflexo de um homem

bem diante de mim. Encaro o sujeito que usa um sobretudo preto,

um relógio grande de pulso e sapatos também pretos. Seus cabelos

são da mesma cor, penteados e alinhados, com todos os fios

devidamente em seus lugares. Notando os muitos anéis de ouro que

ele possui, tenho a certeza de que ele não é morador da favela.

Também não se parece em nada com um bandido. A não ser que

esteja disfarçado.

Levanto-me rapidamente. Os óculos de sol no seu rosto não

me permitem ver a cor dos seus olhos, mas posso apostar que são

escuros. Digamos que sua aparência é assustadora. Não que ele

não tenha beleza alguma, pelo contrário, seus lábios vermelhos são

incrivelmente carnudos e os músculos em seu corpo parecem ser torneados. Suas mãos estão nos bolsos da calça e ele aparenta ser bem calmo.

Não entendo por que ele está me olhando de uma maneira

como se pudesse ver através da minha alma. Sinto um arrepio

percorrer todo o meu corpo e dou um passo para trás. Conforme o

vejo se aproximando de mim, o sol fica escuro, parecendo que ele

tem poder sobre o tempo.

Percebo que alguns homens de preto chegam perto de nós.

Acho que são seguranças particulares do homem que me olha de

forma intrigante.

Continuo caminhando para trás, agarrada à minha mochila,

parecendo uma coelhinha assustada.

Será que isto é alguma emboscada? Como eles podem, muito

bem, estar se confundindo, resolvo dizer algo ao sentir que estou

com as costas em alguém. Bastante assustada, noto que o tal cara

está mais próximo de mim do que eu imaginava. Ele me analisa com

muita atenção.

Um círculo de homens se forma ao meu redor e do senhor,

sem deixar espaço para que eu saia, então percebo que esta

situação é mais séria do que eu poderia imaginar.

— O que está acontecendo aqui?

— Finalmente será minha, bela morena — sua voz é tão rouca,

que me causa um grande arrepio por toda a espinha.

Ele parece um caçador em busca de sua presa fácil. No caso,eu mesma.

— Não sei o que está acontecendo aqui, mas, por favor, me

deixe sair. Não fiz nada.

— Você fez sim: insultou-me no momento em que meus olhos encontraram os seus e me fez querê-la tanto, que agora estou aqui para levá-la comigo.

— Levar? Mas para onde?

Não sobra tempo para que eu fale mais nada, pois, de repente,

sinto me pressionarem um lenço com alguma substância forte capaz

de me causar uma terrível dor de cabeça. O homem atrás de mim é

incrivelmente forte e logo estou perdendo todos os meus sentidos,

desmaiando em seus braços.

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