O tal do Barsamian

Papai está com dengue, ele não consegue ficar nem de pé.

- Graça, me deixa ir trabalhar que o financiamento da casa e do carro não esperam.

Minha mãe força ele a ficar na cama.

- Se você morrer não consegue pagar nada!

Tiago chega em casa do trabalho e ele está animado.

- Hoje tem uma festa de apresentação dos novos contratados da agência, fui chamado em cima da hora, mas fui.

Minha mãe levanta da cama onde estava sentada e dá um gritinho.

- Que bom, meu filho!

Somos interrompidos pelo senhor Adalberto .

- Mais um motivo pra eu levantar dessa cama, o Tiago não pode perder essa festa, é importante pra ele. Não tem ninguém pra ir vender lá no baile.

Meu irmão fica murcho, ele havia esquecido disso.

Decido falar.

- Eu vou, pai, não se preocupa.

Ele me olha desconfiado.

- Você nunca vendeu sozinha, minha filha, muito menos em um lugar lotado desse.

Eu sei, mas não posso ficar assim sendo uma ameba enquanto todo mundo se esforça pra fazer as coisas. Não dá pra ser assim a vida toda.

- Eu consigo.

Minha mãe olha pra mim. Ela como educadora sempre incentivou as pessoas a se movimentaram e irem atrás do seus sonhos, e logicamente fez isso comigo a vida toda.

- Eu vou com ela, Beto.

Meu pai ainda tenta argumentar, ele sempre me viu como muito indefesa, tem medo de que algo me aconteça.

- Mas vocês nem sabem dirigir.

Tiago senta na cama perto dele.

- Eu levo o carro até lá, vou fazer uma média na festa pra não perder a chance sem antes de começar e volto o mais rápido que eu puder, pai. Eu juro.

Com muito custo nós fazemos ele aceitar.

*******

Tiago estaciona o carro no ponto que meu pai sempre fica. Eu estou meio nervosa, mas sei que vai dar certo.

Só preciso me concentrar e ler direitinho a boca das pessoas, nem ferrando eu vou ficar com esse aparelho ligado aqui, é bem capaz de eu ter um surto.

Meu irmão se depesde de mim e da minha mãe.

- Boas vendas pra vocês duas.

Beija cada uma de nós na testa e minha mãe aproveita pra benzer ele. Faz o sinal da cruz no seu peito e na sua cabeça.

- Que Deus te leve e te guarde, meu filho.

Eu desejo boa sorte pra ele e já me viro pra ligar a chama do molho.

Meu pai vende apenas cachorro quente, e ele tem sete opções no cardápio, com o mais caro a vinte e cinco reais. Mas é tipo assim, o mais bruto que ele vende.

Ligo a chapa onde a gente torra o bacon e o frango e aqueço o que eu trouxe pronto pra não fazer os clientes esperarem muito, enquanto eu vou passando mais.

Minha mãe vai ficar por conta do dinheiro e das bebidas. Ela coloca o banquinho na calçada.

Não demora e algumas pessoas vão chegando, eu respiro fundo e vou prestando atenção em cada pedido. Eu sou boa de memória, e não me atrapalho. Nem todo mundo que chega no carrinho quer comer, as vezes quer só beber ou então pegar uma bala das que meu pai também vende no pequeno baleiro.

Não demora e eu recebo a visita de Dani com duas amigas dela da época de escola. A Tati e a Clara.

- Oi, Mirela!

Ela me cumprimenta com falsidade, minha mãe está perto. Quando éramos mais novas vivia me chamando de retardada.

- Oi, dona Graça!

Minha mãe a cumprimenta, eu só fico no gesto de cabeça.

Dani é uma garota bonita, e muito, eu não sigo ela nas redes sociais porque não me agrada o seu conteúdo, mas sei que ela está caminhando pra ser uma blogueira. Meu irmão disse que ela tem um namorado rico que fica exibindo nas fotos do Instagram, mas eu nunca vi ele com ela aqui. O fato é que ela começou a se vestir bem melhor depois que começou a andar com ele. Usa coisas de marcas legítimas, e o cabelo loiro perolado sempre está impecável com luzes de salão caro. Aparentemente o namorado dela não liga de gastar.

- Eu quero seis Dog Monstrão. Quero um acréscimo de quatro sachês das duas maioneses pra cada, e dois refris de dois litros.

Ela estende um Lobo Guará pra minha mãe, que brinca:

- Achei que ia morrer sem ver uma nota dessa na vida.

Eu começo a montar os pedidos e escuto a convencida.

- Hahaha, eu já vi bastante, meu namorado sempre me dá. Aliás, essa foi ele quem me deu, eu disse que esse é o melhor lanche e ele quis provar.

Seguro a ânsia de vômito.

Aparecida do cacete!

Cada Dog Monstrão vai com três salsichas. É o pão, o molho, queijo mussarela, purê de batata, mais um pouco de molho, frango desfiado, bacon, ovo de codorna, milho, batata palha, passas e vinagrete.

Enfio tudo numa sacola enquanto a minha mãe cobra e entrega a elas os dois refrigerantes grandes junto com o troco.

Assim que estão longe minha mãe comenta:

- É, e eu achei que essa aí ia ser p*ta burra, é p*ta esperta.

Olho bem pra ela.

- Mãe!

Ela dá de ombros enquanto bebe uma água.

- Quê que foi? Falei alguma mentira?

Balanço a cabeça, eu não gosto dela, mas não acho certo esse tipo de comentário em voz alta.

Atendo mais alguns clientes e começo a ficar feliz por perceber que dou conta disso aqui sim.

- Com licença.

Estou de costas quando escuto do meu lado dominante.

Me viro e meu bom humor cai por terra. É o cara do quase atropelamento.

Ele abre um sorriso.

- É Mirela, não é?

Minha mãe saiu pra ir ao banheiro em um bar, e eu tenho que atender ele sozinha.

- É sim.

Ele aumenta ainda mais o sorriso.

- Eu sou amigo da Dani, ela falou do seu cachorro quente e eu quis experimentar, é muito bom, tanto que vim aqui buscar outro.

Franzo a testa ouvindo isso.

- Namorado...

Ele franze de volta.

- Ela disse que você é o namorado.

Ele ri de canto pra mim.

- É o que ela quer, mas não é a realidade.

Hum, do jeito que aquela ali é, não duvido.

- O que o senhor deseja?

Estende a mão direita pra mim.

- Primeiro me apresentar, eu sou Bruno Barsamian Filho.

Encaro ele e depois olho sua mão estendida.

- Eu sou Mirela Souza.

Bruno percebe que não vou estender a minha mão, ele sorri amarelo agora e recolhe o cumprimento.

- Agora que já me apresentei, eu quero te pedir desculpas por aquele dia. Eu fui rude com você.

Nego com a cabeça.

 - Não precisa. O senhor vai querer outro Dog Monstrão?

Bruno cruza os braços e eu reparo nele. Tem um cabelo em um corte moderno, escuro, e os olhos cor de mel. Não tem barba no rosto, as feições são másculas e ele tem um semblante bravo, embora esteja sendo simpático.

- Não precisa do senhor, pode ser só Bruno ou Bruninho.

Faço um gesto de cabeça.

- Se esse for o nome do que a Dani levou, eu quero sim, e quero bastante daqueles molhos que foram em sachês.

Monto pra ele um, ele pega me entregando uma nota de cinquenta.

- Pode ficar com o troco.

Agradeço a ele e acaba que minha mãe chega.

- Oi, está gostando?

Bruno limpa a boca com um guardanapo de papel.

- Muito! Tanto que é o segundo que como.

Minha mãe franze a testa.

- Não te vi vindo buscar o outro. Não vai me dizer que comeu enquanto eu estava fora, porque se for, você tem o estômago de avestruz.

Arregalo meus olhos.

- Mãe!

Ele ri e ela também.

- Ele é o namorado da Dani.

Quando eu digo isso minha mãe levanta as sobrancelhas.

- Ah, tá explicado.

Ele se adianta.

- Namorado não, amigo.

Minha mãe não segura a língua.

- Ah, tá mais explicado ainda.

Mas que coisa! A velha hoje tá que tá!

Ele se apresenta pra ela.

- Que bom que gostou do nosso lanche, quando voltar pode comprar mais vezes. Meu marido que vem, hoje foi atípico.

Ele concorda com a cabeça.

- Pode deixar que eu compro sim. Obrigada e boas vendas pra vocês.

********

Tiago volta quando não tem mais nada pra vender, ele dirige pra gente voltar pra casa e eu espero nós dois ficando sozinhos.

- Escuta, preciso te contar uma coisa.

Ele presta atenção em mim.

- O namorado da Dani apareceu no baile hoje. Vai acreditar se eu disser que ele é o cara que quase me atropelou? Ela comprou cachorro quente e levou pra ele, ele gostou tanto que voltou e comprou mais. Se apresentou e me pediu desculpas por aquele dia.

Tiago abre a boca em incredulidade.

- Eu bem que achei ele parecido, mas nunca pensei que fosse ver ele cara a cara. Ele se chama Bruno Barsamian Filho, não é? Eu li que a família dele tem dinheiro saindo pelo ladrão.

Concordo com a cabeça.

- Isso mesmo, mas preciso te contar outra coisa... Ela chama ele de namorado, mas ele chama ela de amiga.

Tiago faz força pra segurar o riso, está de madrugada já, nós não podemos fazer barulho, se não mamãe mata a gente.

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