Katare abriu os olhos lentamente. Um zumbido agudo ecoava em seus ouvidos, como se o próprio ar vibrasse com frequência estranha. O céu acima dela era de um roxo profundo e mutante, onde constelações dançavam em padrões que pareciam vivos. Ela não reconhecia aquele lugar. Havia algo de inquietante naquela beleza etérea. O solo sob seus pés — translúcido como cristal âmbar — pulsava com energia a cada passo que ela dava.
“Eu fui lançada... para outra dimensão?”, sussurrou para si mesma. Sua mente girava com lembranças fragmentadas. Lucas. Sua dor. A magia negra. A explosão. E, por fim, o vazio.
Tentou se recompor, inspirando fundo. Ao seu redor, montanhas flutuavam lentamente no céu, como ilhas à deriva em um mar de estrelas. Aquilo definitivamente não era um sonho. Era real — real demais.
E então, como se respondesse ao seu pensamento, uma figura apareceu à sua frente. Não viera de lugar algum; simplesmente estava ali. Alto, sereno, com longos cabelos brancos que caíam sobre um manto azul adornado por símbolos prateados. Seus olhos, dourados como âmbar sob a luz, analisavam-na com uma calma inquietante.
“Você é Katare?”, ele perguntou.
Ela deu um passo para trás, defensiva. “Sou. Quem é você?”
“Caelion. Sou o Guardião deste Fragmento.”
“Fragmento?” A palavra ressoou em sua mente. “Do quê?”
“Do Multiverso”, respondeu com a mesma calma. “Este é o Fragmento 11. Um pedaço isolado do que já foi um mundo inteiro. Aqui, as leis da realidade são maleáveis. Tempo, espaço, até a própria identidade… tudo é instável.”
Katare franziu a testa. “Por que estou aqui?”
Caelion se aproximou lentamente. “Porque algo em você... atraiu o desequilíbrio. A magia que o outro lançou sobre você, aliada à sua própria energia psíquica, abriu uma fissura. E este fragmento te puxou.”
“Lucas…”, ela sussurrou, sentindo o peso da culpa. “Ele precisa de mim. Está lutando contra algo sombrio, algo que talvez eu tenha causado. Preciso voltar.”
“O tempo aqui corre em ciclos próprios”, explicou Caelion. “Mas para retornar, você precisa restaurar a harmonia deste lugar. Sua presença despertou uma sombra.”
“Sombra?”, perguntou, desconfiada.
“Uma manifestação de seus próprios medos, suas dores, suas falhas. Este mundo transforma ecos da alma em realidade tangível. E sua alma… está gritando.”
De repente, uma ventania varreu o campo. A luz dos cristais ao redor oscilou. Um frio cortante atravessou o ar. E então, do meio da neblina cintilante, surgiu uma figura. Era ela — ou melhor, uma versão distorcida de si mesma. Os olhos, completamente negros. Os cabelos emaranhados, e um sorriso cruel cortava seu rosto.
Katare sentiu o coração acelerar.
“Essa é... a minha sombra?”, murmurou.
“Sim”, respondeu Caelion, recuando levemente. “Ela representa o que você teme em si mesma. Seu fracasso, sua raiva, sua dúvida.”
A cópia sombria deu um passo à frente, e sua voz ecoou como um trovão abafado. “Você me trancou no fundo da sua mente. Mas eu sempre estive aqui. E agora… eu sou mais forte.”
Katare firmou os pés no chão, o corpo em posição de combate, mas hesitou. Ela podia sentir — aquela sombra não era apenas um inimigo qualquer. Era uma parte dela. E lutá-la significava se confrontar profundamente.
“Você precisa enfrentá-la”, disse Caelion. “Não apenas lutar. Entender. Superar.”
“E se eu falhar?”, perguntou, olhando de relance para o guardião.
“Então este fragmento cairá em colapso. E você ficará presa aqui… para sempre.”
A sombra avançou. Katare reagiu, bloqueando um golpe psíquico com uma barreira mental. O impacto sacudiu o campo ao redor, rachando o solo cristalino. A batalha havia começado — mas era mais do que uma luta física. Era um duelo de almas.
Enquanto a sombra atacava com fúria, lembranças começaram a invadir a mente de Katare: o dia em que descobriu seus poderes, a vez em que falhou em salvar alguém, as palavras de Lucas acusando-a… “Você me transformou nisso.” A culpa, o medo, a raiva. Tudo transbordava.
Mas então, ela se lembrou da promessa que havia feito: proteger os outros, salvar Lucas, manter sua humanidade. “Eu não sou apenas isso”, murmurou entre os ataques. “Eu sou mais do que meus erros.”
Com um grito de determinação, Katare concentrou toda sua energia em um único raio de luz psíquica. A sombra hesitou por um instante. Ela também sentia — dúvida.
A explosão de energia iluminou o fragmento inteiro.
E, quando a luz baixou, a sombra estava de joelhos, enfraquecida. Mas não destruída.
Caelion se aproximou, observando atentamente. “Você começou a vencê-la. Mas ela ainda é parte de você. E até aceitá-la, nunca estará completa.”
Katare caiu de joelhos, ofegante. Olhou para sua sombra, que agora tinha olhos tristes.
Talvez, ela não devesse destruí-la… mas compreendê-la.
E assim, a verdadeira jornada começava — não apenas para restaurar o fragmento, mas para curar o próprio coração.
A sombra cambaleou, tentando se erguer, e Katare se aproximou com cautela. Pela primeira vez, em meio ao caos, ela enxergou algo familiar naquele reflexo distorcido: dor. Uma dor que ela mesma conhecia bem — a de falhar, de perder, de carregar um fardo sozinha.
“Você… não é só raiva, é?”, murmurou.
A sombra ergueu os olhos escuros. Sua voz, agora mais baixa, soou quase humana. “Sou tudo o que você esconde. Tudo o que você se recusa a sentir. Medo. Culpa. Frustração. Sou o que você jogou nas sombras para parecer forte.”
Katare abaixou as mãos. A energia ao redor diminuiu. Pela primeira vez, ela não sentia a cópia como um inimigo, mas como uma ferida aberta — uma parte esquecida de si mesma.
“Se você me aceitar,” continuou a sombra, “não significa fraqueza. Significa que você entende quem realmente é. E só assim poderá ser inteira.”
Caelion, que observava à distância, assentiu em silêncio. “A escolha é sua, Katare. Lutar até o fim… ou integrar o que precisa para seguir.”
Ela respirou fundo. Estendeu a mão à sua sombra.
Num gesto silencioso, a cópia também ergueu a mão, hesitante. Quando seus dedos se tocaram, uma luz branca envolveu ambas, e por um instante, todas as memórias, emoções e fragmentos partidos se fundiram. Não havia mais duas. Havia uma.
Katare caiu de joelhos novamente, mas dessa vez não de exaustão — e sim de paz. O campo ao redor brilhou intensamente, como se o próprio fragmento celebrasse o equilíbrio restaurado.
Caelion se aproximou, com um leve sorriso nos lábios. “Muito poucos conseguem fazer o que você fez. E por isso, a trilha para o próximo portal se abriu.”
“Próximo?”, Katare perguntou, confusa.
“Sim. Este fragmento é apenas o começo. O multiverso está se quebrando. E você… foi escolhida.”
"Ela fez uma expressão confusa, ainda tentando entender tudo."
“Descanso será breve, Katare. A escuridão que tomou Lucas está se espalhando. E você terá que ir até onde nem os deuses se atrevem. Mas agora… agora você está pronta para dar o próximo passo.”
Katare se ergueu, com uma nova luz nos olhos. Ela não era apenas uma sobrevivente. Era uma guerreira da alma.
E a verdadeira jornada estava apenas começando.
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Atualizado até capítulo 21
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