2
PrisioneiraFicamos rodando de carro por um bom tempo. Eu
não tinha ideia de que horas eram, mas aquilo me parecia interminável. Saímos
de Sirte e avançamos pelo deserto. Eu só olhava para frente e não ousava fazer
perguntas. Então, chegamos a Sdadah, em uma espécie de acampamento. Havia
muitas tendas, outras caminhonetes e um imenso trailer, extremamente luxuoso.
Mabruka foi em direção ao veículo, fazendo sinal para que eu a seguisse, e
acreditei ter visto, em um carro parado com o motor ligado, uma das alunas que,
como eu, haviam sido escolhidas na véspera para receber o Guia. Isso me deu
certa segurança. No entanto, ao entrar no trailer, fui tomada por uma angústia
indescritível. Era como se todo o meu ser recusasse aquela situação. Como se
intuitivamente eu soubesse que algo muito ruim estava sendo tramado.
Muamar Kadafi estava ali dentro, sentado em uma poltrona de
massagem vermelha, com o controle remoto na mão. Imperial. Eu me adiantei para
beijar-lhe a mão, que ele estendeu debilmente, olhando ao longe.
– Onde estão Faíza e Salma? – perguntou a Mabruka
com avoz irritada.
– Já estão chegando.
Eu estava estupefata. Nem o menor olhar na minha direção.
Eu não existia. Muitos minutos se passaram. Eu não sabia onde me enfiar. Ele
acabou se levantando e me perguntou:
– De onde é sua família?
– De Zliten.
Sua fisionomia continuou impassível.
– Preparem-na! – ordenou, deixando o local.
Mabruka fez sinal para que eu me sentasse em uma banqueta
num canto da sala. As outras duas mulheres entraram, à vontade, como se ali
fosse a casa delas. Faíza sorriu para mim, se aproximou e me tocou com certa
intimidade no queixo.
– Não se preocupe, pequena Soraya! – e tornou a
sair, rindo.
Mabruka estava ao telefone. Ela dava instruções e fornecia
detalhes práticos para alguém que estava chegando, talvez uma garota como eu,
já que pude ouvir:
– Tragam-na aqui.
Ela desligou e se voltou para mim.
– Venha. Vamos tirar suas medidas para lhe
encomendar algumas roupas. Qual o tamanho do seu sutiã?
Fiquei atônita.
– Eu... eu não sei. É mamãe quem sempre compra
minhasroupas.
Ela parecia irritada e chamou Fathia, uma figura, pois
tinha voz e porte de homem, mas seios imponentes de mulher. Ela me avaliou,
depois me cumprimentou de maneira informal e piscou para mim.
– Então, é a novata? E de onde vem esta?
Passou a fita métrica em torno da minha cintura e dos meus
seios, encostando os dela nos meus. Depois anotou as medidas e saiu do trailer.
Fiquei ali sozinha, e não ousava chamar alguém nem me mexer. Caía a noite. E eu
não estava entendendo nada. O que mamãe pensaria? Ela seria avisada do atraso?
O que aconteceria ali? E como eu voltaria?
Passou-se um bom tempo e Mabruka reapareceu. Fiquei
aliviada ao vê-la. Ela me tomou pelo braço, sem dizer nada, e me conduziu a uma
espécie de laboratório, onde uma enfermeira loura colheu um pouco do meu
sangue. Depois Fathia me fez entrar num banheiro.
– Tire a roupa. Você está poluída. É preciso tirar
tudo!
Ela espalhou creme depilatório nos meus braços e pernas,
depois passou o barbeador e comentou:
– Os pelos do sexo nós deixamos.
Fiquei pasma e muito incomodada, mas era preciso encontrar
um sentido para tudo aquilo, e eu dizia a mim mesma que só podia ser uma medida
sanitária para todos aqueles que se aproximavam do Guia. Vestiram-me com um
penhoar e eu voltei para a sala. Mabruka e Salma, esta sempre com o revólver na
cintura, se sentaram perto de mim.
– Vamos vesti-la apropriadamente e maquiá-la para
que vocêpossa ver papai Muamar.
– Tudo isso para saudar papai Muamar? Mas quando
voltopara a casa dos meus pais?
– Depois! Primeiro é preciso saudar seu mestre.
Deram-me uma calcinha fio dental – eu jamais vira tal coisa
– e um vestido branco acetinado, com fendas dos lados e decotado na frente e
nas costas. Meus cabelos soltos caíam até as nádegas. Fathia me maquiou, me
perfumou e passou um pouco de gloss nos meus lábios, o que mamãe jamais
permitira. Mabruka inspecionou o conjunto, com a fisionomia bastante séria.
Depois me pegou pela mão, me conduzindo pelo corredor. Parou diante de uma
porta, a abriu e me empurrou para dentro.
Kadafi estava nu sobre a cama. Que pavor! Tapei os olhos e
fui recuando, atordoada. Pensei: É um erro terrível! Não é o momento! Ah, meu
Deus! Virei-me e Mabruka estava ali, na soleira da porta, com uma expressão
dura.
– Ele não está vestido – murmurei, completamente
apavorada, pensando que ela não tivesse se dado conta disso.
– Entre! – disse ela, me empurrando.
Então ele me agarrou pela mão e me fez sentar a seu lado na
cama. Eu não ousava lhe dirigir o olhar.
– Vira pra cá, puta!
Essa palavra. Eu não sabia bem o que significava, mas
presumia ser um termo horrível, vulgar, para designar uma mulher desprezível.
Não me movi. Ele tentou me virar em sua direção. Resisti. Ele me puxou pelo
braço, pelo ombro. Todo o meu corpo se enrijeceu. Então ele me forçou a virar a
cabeça, puxando meus cabelos.
– Não tenha medo. Sou seu papai, é assim que você
me chama, não? Mas também sou seu irmão e, além disso, seu amante. Vou ser tudo
isso pra você. Porque você vai viver comigo pra sempre.
Seu rosto se aproximou do meu, senti sua respiração. Ele
começou a beijar meu pescoço, minhas bochechas. Fiquei dura como um pedaço de
pau. Ele quis me abraçar, eu me afastei. Ele me puxou. Virei a cabeça e comecei
a chorar. Ele quis pegar minha cabeça. Eu me levantei de repente, ele me puxou
pelo braço e, como eu resisti, ficou nervoso, queria me deitar à força, e nós
lutamos. Ele rugia.
Mabruka apareceu.
– Olha pra mim, sua puta! – ele gritou. – Ela se
recusa a fazero que quero! Levem-na! Eduquem-na! E então a tragam de volta!
Ele se dirigiu a um pequeno banheiro dentro do quarto,
enquanto Mabruka me conduzia ao laboratório. Ela estava branca de raiva.
– Como é que você pode se comportar dessa maneira
com seumestre? Seu papel aqui é obedecer.
– Quero voltar pra casa.
– Daqui você não sai! Seu lugar é aqui.
– Devolva minhas coisas, quero ver minha mãe.
O tapa que logo veio me fez cambalear.
– Obedeça!
Senão papai Muamar vai fazer você pagar muitocaro. – Com a mão no rosto, que
ardia, eu a olhei, estupefata. – Você se faz de menininha, sua hipócrita,
sabendo perfeitamente do que se trata! Agora você vai nos escutar, a papai
Muamar e a mim. E vai obedecer às nossas ordens. Sem discutir! Ouviu bem?
Então ela desapareceu, me deixando sozinha, com aquele
vestido indecente, a maquiagem borrada e os cabelos sobre o rosto. Chorei por
horas, andando em círculos pela sala. Não entendia nada, nada. Nada se
encaixava. O que eu estava fazendo ali? O que queriam de mim? Minha mãe
certamente estava morrendo de preocupação, já devia ter telefonado ao meu pai
em Trípoli, e talvez ele até tivesse voltado a Sirte. Já devia tê-la culpado de
todas as maneiras por ter me deixado partir, ele, que não tolerava que eu
saísse de casa. Mas como eu poderia lhes contar aquela cena atroz com papai
Muamar? Meu pai ficaria louco. Eu ainda soluçava quando a enfermeira loura, da
qual jamais me esquecerei, sentou perto de mim e me acariciou ternamente.
– O
que foi que aconteceu? Me conte.
Ela tinha sotaque estrangeiro, e mais tarde vim a saber que
era uma ucraniana a serviço do Guia e se chamava Galina. Não consegui dizer uma
única palavra, mas ela adivinhou, e percebi que estava furiosa.
– Como
podem fazer isso com uma menina? Como ousam? –repetia, tocando-me suavemente o
rosto.
Acabei adormecendo, e foi Mabruka quem me acordou na manhã
seguinte, lá pelas nove horas. Estendeu-me um conjunto de calça e agasalho
esportivo, e eu me enchi de esperança.
– Então,
vou pra casa agora?
– Já
disse que não! Você é surda? Eu já te expliquei muitobem que sua vida de antes
acabou pra sempre. Já avisamos seus pais, que entenderam muito bem!
– Você
telefonou para os meus pais?
Eu ainda estava meio sonolenta. Tomei chá com biscoitos. E
olhei ao redor. Havia muitas garotas de uniforme militar, entrando e saindo.
Elas me olhavam de canto de olho, curiosas –
“É essa aí, a novata?” –, e faziam
referência ao Guia, aparentemente ocupado em uma das tendas. Salma se aproximou
de mim.
– Vou
lhe explicar tudo muito claramente: Muamar vai sedeitar com você. Vai abrir você.
E você vai passar a ser uma coisa dele e não o deixará mais. Por isso, deixe de
ser teimosa. A resistência e os caprichos não funcionam com a gente!
Fathia, a imponente, chegou, ligou a tevê e
aconselhou:
– O
negócio é deixar, vai ser mais fácil. Se você aceitar, tudovai funcionar bem
para você. O negócio é simplesmente obedecer, sem questionar.
Eu chorei e fiquei ali, prostrada. Então eu era uma
prisioneira. O que eu tinha feito de errado?
Por volta de uma da tarde, Fathia veio me arrumar com um
vestido azul de cetim, muito curto. Na verdade, ele mais despia que vestia. No
banheiro, ela molhou meus cabelos e passou musse. Mabruka deu uma olhada no meu
visual, me tomou pela mão e me levou novamente ao quarto de Kadafi.
– Dessa
vez, você vai satisfazer os desejos do seu mestre, ou eute mato!
Ela abriu a porta e me empurrou para dentro. O Guia estava
lá, sentado na cama, de calça esportiva e camiseta. Fumava um cigarro e soprava
lentamente a fumaça, me olhando com frieza.
– Você
é uma puta – disse ele. – Sua mãe é tunisiana, e porisso você é uma puta.
Ele não tinha pressa, olhava-me demoradamente da cabeça aos
pés e dos pés à cabeça, lançando a fumaça em minha direção.
– Senta
perto de mim – ele indicou um lugar na cama. – Vocêvai fazer tudo que eu
mandar. Vou lhe dar joias e uma bela casa, vou ensinar você a dirigir e te dar
um carro. E um dia vai poder estudar em outro país se quiser, eu mesmo te
levarei aonde desejar. Você está entendendo? Seus desejos serão ordens! – Quero
voltar para minha mãe.
Ele congelou, apagou o cigarro e elevou o
tom de voz.
– Escuta
bem! Acabou, entendeu? Acabou essa história de voltar pra casa! Agora você está
comigo. E pode esquecer todo o resto!
Eu não podia acreditar no que ele estava dizendo. Estava
completamente além da minha compreensão. Ele me puxou para a cama e mordeu a
parte de cima do meu braço. Doeu. Depois tentou me despir. Eu já me sentia nua
naquele minivestido azul, era horrível, eu não podia deixá-lo fazer aquilo.
Resisti, mas ele agarrou as alças do vestido.
– Tira
isso, sua puta! – e afastou meus braços. Eu me levantei,ele me puxou e me
atirou novamente na cama, eu me debati.
Então ele se levantou, cheio de raiva, e entrou no
banheiro. Mabruka logo apareceu (só mais tarde entendi que ele tinha uma sineta
perto da cama para chamá-la).
– É a
primeira vez que uma garota me desafia desse jeito! Aculpa é sua! Eu mandei
ensiná-la. Agora dê um jeito, senão quem vai pagar é você.
– Meu
mestre, deixe essa garota pra lá. É uma mula. Podemoslevá-la de volta e trazer
outras.
– Prepare
essa. Eu quero essa!
Levaram-me ao laboratório, e eu fiquei ali, no escuro.
Galina apareceu de mansinho e me deu um cobertor, com um sorriso de piedade.
Mas como eu poderia dormir? Eu não conseguia esquecer aquela cena e não
encontrava a menor explicação para o que estava acontecendo. O que teriam dito
a meus pais? Certamente não a verdade, não era possível. Mas então o quê? Papai
não queria nem que eu fosse à casa dos vizinhos, e eu sempre tinha de voltar
para casa logo que escurecesse. Então, o que ele ia pensar? O que ia imaginar?
Será que algum dia acreditariam em mim? Que explicação teriam dado na escola
para justificar minha ausência? Não consegui pregar o olho a noite toda. Ao
amanhecer, quando eu estava começando a apagar, Mabruka chegou.
– Vamos,
de pé! Coloque esse uniforme. Vamos pra Sirte.
Que alívio!
– Então
eu vou pra casa?
– Não!
Vamos pra outro lugar.
Pelo menos sairíamos daquele lugar horroroso no meio do
nada e nos aproximaríamos da minha casa. Fui às pressas me lavar, vesti
novamente o uniforme cáqui semelhante ao das guarda-costas de Kadafi e me
dirigi à sala, onde cinco outras garotas, também de uniforme, assistiam à
televisão distraidamente. Elas tinham celulares, e eu quis muito pedir para
telefonar para mamãe, no entanto Mabruka supervisionava tudo, e o clima ali era
mordaz. O trailer partiu e eu me deixei levar; já fazia tempo que eu não controlava
mais nada.
Depois de mais ou menos uma hora de viagem, o veículo
parou. Fizeram-nos descer e nos dividiram em carros diferentes, quatro por
automóvel. Foi nesse momento que percebi que formávamos um imenso comboio e que
havia muitas mulheressoldado. Bem, quando falo isso, quero dizer que elas
tinham certo ar de soldado. A maioria não dispunha de distintivos nem de armas.
Era bem possível que não fossem mais militares que eu. Em todo caso, eu era a
mais nova, e isso fazia sorrir algumas que se viravam para me observar. Eu
acabara de completar quinze anos, e não demoraria a cruzar com garotas que não
deviam ter mais que doze.
Em Sirte, o comboio entrou na katiba Al-Saadi, o quartel
que levava o nome de um dos filhos de Kadafi. Logo fomos separadas em quartos,
e entendi que dividiria o meu com Farida, uma das guarda-costas, que devia ter
vinte e três ou vinte e quatro anos. Salma deixou uma maleta sobre a minha
cama.
– Anda
logo, vai tomar banho! – ordenou ela, batendo as mãos. – E coloque a camisola
azul.
Quando ela virou as costas, olhei para
Farida.
– O
que significa esse circo? Você pode me dizer o que estoufazendo aqui?
– Não
posso te dizer nada. Sou um soldado. Cumpro ordens.Faça o mesmo.
A conversa se deu por encerrada. Ela organizava
meticulosamente suas coisas, e eu me vi incapaz de fazer o mesmo. E ainda mais
de vestir as roupas que estavam na mala, uma montoeira de calcinhas fio dental,
sutiãs e baby-dolls, além de um penhoar. Mas Salma voltou.
– Eu te disse pra ficar pronta. Seu mestre está
esperando!
Ela permaneceu ali até que eu vestisse a camisola azul para
subir com ela ao outro andar, então me fez esperar num corredor. Mabruka chegou
com cara de poucos amigos e me empurrou brutalmente para dentro de um quarto,
fechando a porta atrás de mim.
Ele estava nu. Deitado em uma cama imensa com lençóis bege,
em um quarto também em tons de bege sem janelas, parecia que ele estava enfiado
na areia. O azul da minha camisola contrastava com o conjunto.
– Vem aqui, minha puta! – disse ele, abrindo os
braços. –Vem, não precisa ter medo!
Medo? Eu estava muito além do medo. Sentia-me num
abatedouro. Pensei em tentar escapar, mas sabia que Mabruka estava de tocaia
atrás da porta. Fiquei imóvel, enquanto ele se levantou subitamente e, com uma
força que me surpreendeu, me pegou pelo braço e me jogou na cama antes de se
deitar sobre mim. Tentei afastá-lo, mas ele era pesado e eu não consegui. Ele
me mordia no pescoço, no rosto, nos seios. Eu gritava e me debatia.
– Não se mexa, sua puta imunda!
Ele me deu uns safanões, apertou meus seios, depois
levantou minha camisola e imobilizou meus braços, penetrando-me violentamente.
Eu jamais vou esquecer. Ele profanava meu corpo, mas era
minha alma que transpassava com um golpe de punhal. A lâmina jamais saiu.
Eu estava aniquilada, não tinha mais forças, já não me
mexia, eu chorava. Ele se ajeitou na cama de modo a pegar uma toalha vermelha
que estava a seu alcance, passou-a por entre minhas coxas e se dirigiu ao
banheiro. Mais tarde vim a saber que esse sangue lhe era precioso para um
ritual de magia negra.
Sangrei durante três dias. Galina vinha ao pé da minha cama
me dispensar cuidados. Ela acariciava minha testa, dizendo-me que eu estava
ferida por dentro. Eu não me queixava. Não perguntava mais nada.
– Como
é que vocês podem fazer isso com uma criança? Éterrível! – a enfermeira disse a
Mabruka quando me levou até ela. Mas Mabruka não deu a mínima. Eu mal tocava na
comida que me traziam no quarto. Era uma morta-viva. Farida me ignorava.
No quarto dia, Salma veio me procurar: o mestre estava me
chamando. Mabruka me levou ao quarto dele. E ele recomeçou, com a mesma
violência e as mesmas palavras degradantes.
Sangrei muito, e Galina avisou a Mabruka:
– Não
toquem mais nela. Dessa vez pode ser perigoso.
No quinto dia, levaram-me ao quarto dele logo pela manhã.
Ele tomava o café: dentes de alho, suco de melancia, biscoitos embebidos em chá
com leite de camela. Ele colocou uma fita cassete num gravador velho, eram
canções tradicionais de beduínos, e ordenou:
– Vai,
puta, dança aí! Dança! – Eu hesitei. – Vai! Vai! – e batiapalmas.
Tentei esboçar um movimento e então continuei, timidamente.
O som era horrível, as músicas péssimas, e ele lançava sobre mim um olhar
lascivo. Mulheres entravam para tirar a mesa do café, indiferentes à minha
presença.
– Continua,
vadia! – ele dizia, sem tirar os olhos de mim.
Seu membro estava ereto; ele se levantou para me agarrar e
me deu tapas nas coxas.
– Que
vadia! – e depois se deitou sobre mim.
Naquela noite, ele me forçou a fumar. Disse que adorava ver
mulher tragando cigarro. Eu não queria. Ele acendeu um e colocou na minha boca.
– Aspira!
Agora solta a fumaça. Solta! – Eu tossia, e isso o faziarir. – Vai, outro.
No sexto dia, ele me recebeu com uísque.
– Está
na hora de você começar a beber, minha puta!
Era Black Label, a garrafa com rótulo preto que eu
reconheceria em qualquer lugar. Sempre ouvi que o Corão não permitia que se
bebesse álcool e que Kadafi era muito religioso. Na escola ou na TV, ele era tido como o maior
defensor do islã; ele próprio se referia ao Corão o tempo todo e conduzia
preces diante de multidões. Então, vê-lo bebendo uísque era inacreditável. Um
choque sem precedentes. Aquele que nos apresentavam como pai dos líbios, como
promotor do direito e da justiça e detentor da mais absoluta autoridade,
violava todas as regras que ele mesmo professava! Tudo era falso. Tudo aquilo
que meus professores ensinavam, tudo aquilo em que meus pais acreditavam. Ah,
eu pensava, se eles soubessem! Ele me deu um copo.
– Bebe,
vadia! – Meus lábios tremiam, senti o líquido descerqueimando e odiei o gosto.
– Vai, bebe! É como remédio.
Naquela mesma noite, partimos todos em comboio para
Trípoli. Uma dezena de carros, o grande trailer e uma caminhonete carregada de
material, a maior parte tendas. E mais uma vez todas as garotas de uniforme.
Elas pareciam contentes com a partida. Eu estava desesperada. Deixar Sirte
significava me afastar ainda mais dos meus pais, perder toda e qualquer chance
de voltar para casa. Eu tentava imaginar um modo de fugir, mas não fazia
sentido. Haveria ao menos um lugar na Líbia onde eu pudesse escapar de Kadafi?
Sua polícia, suas milícias, seus espiões estavam por toda parte. Vizinhos
espionavam vizinhos. Mesmo no seio das famílias podia haver denúncias. Eu era
sua prisioneira. Estava à mercê dele. A moça sentada ao meu lado no carro
percebeu que eu chorava.
– Ah,
minha querida. Fiquei sabendo que pegaram você naescola...
Não respondi. Pelo vidro, eu via Sirte ficando para trás e
não conseguia falar.
Ah,
tudo bem – exclamou a garota ao lado do motorista,virando-se para mim. –
Estamos todas no mesmo barco.
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Comments
Marli Guimaraes
Gente eu gosto de lê nesses aplicativos de leitura histórias de romances, fantasia de lobisomem, vampiros, bruxas e mafiosos.
Mas não vou conseguir lê esse livro sobre as atrocidades ocorridas no Oriente Médio. Não com uma história tão próxima a realidade e uma realidade muito cruel. Esse crápula do Muanar Kadaf ditador tirando, troturador, pedófilo eu me recuso, respeito a autora e gosto muito de seus livros, suas histórias. Mas esse em específico não posso continuar lendo, me faz muito mal e me causa uma revolta desmedida e essa pra mim não é a finalidade desses livros que tanto gosto. Autora Kis me desculpe, não fiquei desmotivada a escrever tá bom. um grande beijo 💋 💋 💋
2024-02-06
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Marcia Valéria
Me sentindo em um filme de terror
2023-08-08
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