Escutei um tombo forte vindo da sala seguido dos gritos de Dona Maria. Sair desesperada da lavanderia temendo pelo pior. Atravessei o corredor e quando passei em frente ao seu quarto, ela estava deitada na cama.
Seus olhos cintilavam em minha direção, quase como se pudesse me ver por dentro. Aquele olhar sempre me intimidava.
Faziam mais ou menos um ano que eu estava trabalhando cuidando da faxina da casa. Apesar do aspecto sombrio e do clima pesado que pairava no ar, nunca passei por situações tão estranhas como nos últimos meses após a morte do senhor Gilberto, o marido dela.
Um dia cheguei e dona Sônia, amiga da família e quem havia me contratado, recebeu-me com a notícia do falecimento dele.
Não fiz muitas perguntas, mas achei estranho que justamente naquele dia, a moça que cuidava do casal de idosos havia se demitido. Talvez ela tenha ficado abalada com a morte senhor Gilberto. Nunca pensei que fossem tão próximos a esse ponto.
Ela havia sido contratada no mesmo dia que eu e posso dizer que tínhamos uma boa relação de trabalho e sempre conversávamos.
Pensei, porque ela não havia me dito que pretendia ir embora?
Até cheguei a comentar com a cozinheira, Dona Amélia, mas por trabalhar apenas três vezes na semana, ela sabia menos do que eu. Aliás ela parecia não dar a mínima importância para o assunto. Então resolvi esquecer.
Perguntei a dona Maria se ela estava bem, pois havia escutado o barulho de algo caindo. Mas ela não dizia nada, apenas me olhava.
Realmente parecia que sentia muita falta do marido e o pior de tudo que os filhos abandonaram ela de vez. Na realidade eu nunca conheci seus filhos, apenas escutava ela e seu marido falando sobre eles.
Fui até a sala verificar se estava tudo bem e estava tudo como eu havia deixado.
Passei novamente pelo corredor e olhei pra o quarto, só que dona Maria não estava. Entrei em desespero. Revirei tudo.
Aquilo era impossível!
Corri até a cozinha, vasculhei o banheiro, area de serviço e nada.
Eu estava na sala então ela não poderia ter passado por mim e muito menos teria subido as escadas, pois o acesso também é na sala.
Olhei pela janela da cozinha e não podia acreditar, Dona Maria estava lá fora.
Eu não conseguia administrar os pensamentos. A idosa não podia andar até aquele momento e agora estava fugindo de casa.
Corri até sua direção tentando conduzi-la para dentro. Nunca havia visto ela daquele jeito. Dona Maria se debatia, chegou até a ferir meu rosto com suas unhas.
- Eu não aguento mais. Preciso sair daqui - Ela gritava aos prantos.
Eu acho que não escutava a voz dela a semanas.
- Tudo bem, vamos entrar que está frio aqui fora - Tentei acalma-la e consegui trazer ela de volta para dentro.
Coloquei ela na cama só que suas mãos estavam agarradas em meu uniforme. Parecia desesperada.
- Não me deixe aqui sozinha. Peça ajuda para alguém.
- Dona Maria, calma, está tudo bem.
- Não, está tudo mal. Você tem que me ajudar.
Eu a acomodei na cama, ajeitando tudo, pois já estava terminando meu horário de trabalho.
- Não se preocupe, amanhã cedo estou de volta.
Eu não me sentia confortável em deixar a velha sozinha, mas eu já estava acumulando muito trabalho. Só faltava ter que passar a noite com ela.
- Só que amanhã pode ser tarde demais - sussurrou ela - já terão conseguido me matar.
Aquelas palavras soaram estranhas, mesmo com toda situação e achando que ela já tinha começado a delirar. Sua feição, suas palavras... Não pareciam delírios.
- Dona Ana, já terminou seu horário. sabe que não pagamos hora extra! - disse Dona Sônia nos interrompendo de maneira ríspida .
- Desculpe, mas tivemos um problema - respondi e ela fez um sinal para sair do quarto.
- Olha, não estou reclamando, mas não posso levar isso a diante. Estou acumulando muito trabalho. Hoje por exemplo, dona Maria quase...
- Não se preocupe - Me interrompeu novamente - amanhã chegará a nova cuidadora. Parece ser uma menina mais responsável do que a anterior, que nos deixou nessa situação.
Reparei que ela falava ao mesmo tempo que se aproximava de mim e estava muito perto. Levantou seu dedo e passou sobre o meu rosto.
Eu fiquei paralisada, já preparando um discurso que não gostava desse tipo de coisa.
Só que aconteceu algo muito pior.
Quando ela tirou a mão do meu rosto estava suja de sangue.
Em algum momento, tentando acalmar a idosa, Dona Maria havia me ferido.
Dona Sônia ficou ali parada, como uma louca, olhando para as mãos sujas de sangue.
Eu pedi licença e fui até o banheiro. Graças a Deus não foi tão ruim como eu esperava, ela havia me ferido entre o queixo o pescoço. Nada grave.
No dia seguinte fui apresentada a nova cuidadora. Uma garota bem inteligente, porém inexperiente, era o seu primeiro trabalho.
Logo que chegou fizemos amizade e a ajudei inicialmente em seu trabalho. Como se orientar na casa e a rotina de Dona Maria.
Preferi não falar nada sobre as coisas estranhas que aconteciam na casa. Poderia ser algo somente da minha cabeça e eu não queria que a garota pensasse que eu era maluca.
Logo as duas já estavam amigas e Dona Maria sentia confiança suficiente para conversar com ela. E isso, ela não fazia nem com a outra cuidadora.
Agora que elas já estavam adaptadas eu poderia voltar ao meu trabalho habitual.
Um dia, lembro disso pois foi uma das coisas mais estranhas que passei naquela casa.
Aproveitei que garota havia levado dona Maria para tomar sol no jardim e fui limpar o quarto dela. Como a idosa passava todo dia deitada na cama, eu limpava rápido para não incomodar.
Troquei as roupas de cama e abrir um pouco as cortinas para iluminar o quarto. Estava tudo muito sujo, parecia que o quarto nunca tinha visto uma vassoura. E o mais estranho é que não fazia tanto tempo assim que eu tinha feito a última faxina, pelo que consigo lembrar.
Haviam tanta poeira e terra no chão que eu poderia apostar que mais alguém andava entrando no quarto.
Sabe como o chão empoeirado fica marcado com pesadas de sapato? Era assim que estava, marcas de pegadas por todo lado.
Passei e arrumei todas as suas roupas no armário. Até encontrei uma caixa feia, com vários símbolos desenhados ao redor, que estava esquecida no fundo do móvel e separei para jogar fora. Era algo que Dona Maria nem deveria lembrar que estava ali.
Pensei que poderia ser alguma relíquia de família, de péssimo gosto por sinal.
Passaram como dois ou três dias e a cozinheira, Dona Amélia, não apareceu para trabalhar.
De novo estava na mesma, acumulando trabalho, que não era minha obrigação. Isso estava me deixando farta. Pelo menos dessa vez tinha a cuidadora para revezamos e assim mantínhamos a rotina da casa.
Dona Maria estava dormindo e a cuidadora resolveu tomar um banho e organizar suas coisas, afinal a coitada estava sem folga ha dias e morria de saudades dos seus pais.
Separei algumas roupas para colocar no armário de Dona Maria e me surpreendi, pois lá estava a caixa horrorosa novamente. Eu jurava que tinha separado para jogar no lixo.
Escutei uma voz bem baixinha como um sussurro, atrás de mim e quando virei, dona Maria estava acordada me olhando fixamente com aquele mesmo olhar que me dava calafrios. Seus olhos eram como dois faróis de luz bem baixa no meio da penumbra do quarto. E para piorar, ainda sustentava um sorriso cínico na cara. Assustador.
Na hora pensei que a velha tinha ficado louca de vez, parecia que a relação com a nova cuidadora não tinha mudado nada no comportamento dela.
Coloquei a caixa e toda roupa no armário o mais rápido que pude e sair do quarto sem dizer uma palavra. Estava tremendo da cabeça aos pés.
No meu último dia naquela casa, sim eu fui embora e vou explicar o porquê.
Tive que ir ao mercado comprar alguns itens de limpeza. Ao chegar guardei alguns produtos no armário da lavanderia e os outros eu tive que guardar em um depósito de mantimentos, que na verdade era um quarto que pertencia a um dos filhos da idosa.
Ao entrar no quarto me deparei com um cheiro insuportável de carne podre. A primeira coisa que pensei é que dona Amélia, que saiu praticamente fugida da casa, pode ter se confundido e deixado comida ou até mesmo carne fora do freezer.
Busquei por todo lado e não encontrava a origem do mal cheiro. Só que quando puxei uma das caixas, encontrei toda as coisas e Dona Amélia. Uma bolsa com suas roupas, sapatos e até uma calcinha.
Será que ela saiu tão desesperada que não levou nem as mudas de roupas que deixava aqui no trabalho?
Revirando suas coisas, encontrei algo que me deixou em pânico.
Enrolado em um pano sujo de sangue, estavam seus documentos, dinheiro e umas anotações sobre o seu endereço.
Algo estava acontecendo e pensei no pior, alguma coisa havia acontecido com ela.
O que você pensaria? A mulher sumiu sem dar explicações, todos as coisas estavam escondidas em uma caixa. Será que mataram ela? Mas quem? Porque?
Poderia ser um delírio, mas alguma coisa não estava bem e eu não estava afim de descobrir.
Peguei todas as minhas coisas e fui embora. Apenas sinto que poderia ter alertado a cuidadora antes.
Espero que tenha ficado tudo bem com ela e com Dona Maria.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 61
Comments
laila.exe
amooooo
2022-04-24
0
Michele X Chiquinho Machado
conta mais pf
continua com a história
2022-03-18
0