Sinistro

Quando saí de casa naquela noite para trabalhar, pensei que fosse só mais um plantão de madrugada no IML, como uma mera auxiliar de necrópsia acostumada a receber gente morta em tal turno, peguei minha caneca cheia de café amargo e fui conferir a sala de necrópsia enquanto não chegava nenhum cadáver.

Meu colega do turno da tarde se despediu de mim e fiquei a sós com os mortos nas geladeiras, tudo muito calmo até chegarem com um corpo de um homem jovem, ele cometeu suicídio e logo seria liberado pro funeral, seu corpo fora deixado na mesa enquanto fiquei de plantão até que meus colegas pudessem chegar mais tarde.

Como até então eu não podia fazer nada, resolvi ficar um pouco deitada num pequeno sofá em outra parte do IML, cobri o corpo do rapaz com um lençol branco e sai da sala, no pequeno sofá acabei cochilando um pouco, e nesse pouco tempo tive um pesadelo, era muito real, o rapaz morto da mesa se mexia e voltava a vida aos poucos, se levantando junto ao lençol branco em que o cobri, ele vinha até a mim e dizia "ABRA OS OLHOS, ABRA OS SEUS OLHOS...''

Após acordar assustada peguei um pouco de água enquanto um barulho estrondoso vinha da sala de necrópsia, fui as pressas pra ver se alguma geladeira havia queimado ou a mesa quebrado, mas não havia nada de anorm...espera! O lençol, que eu cobri o corpo, ele estava jogado no chão, mas seria impossível ele cair sozinho, pode ter sido alguma corrente de vento, pensei comigo mesma, quando me reaproximei do cadáver pra colocar novamente o lençol, percebi que os olhos do rapaz estavam abertos e completamente vidrados.

Com as mãos tremulas fechei lhe então seus olhos novamente conforme estavam quando ele chegou, botei novamente o lençol em seu corpo, e tirei do bolso de minha calça um pequeno terço, coloquei em cima do finado e fiz uma oração bem baixinha, voltei pro sofá da outra parte do lugar e mandei mensagem pra uma colega que viria mais tarde, contando o ocorrido, ela obviamente faltou pouco rir de mim por achar que depois de anos trabalhando ali eu estava com medo.

Novamente um barulho vinha da sala, eu jurava que eram passos,e também barulho de gavetas abrindo e se fechando rapidamente, só pode ter mais gente viva ali comigo, fui me aproximando da porta da sala e os barulhos eram muito fortes, e quando enfim abri a porta, me deparei com o braço direito do rapaz caído fora do lençol, no chão o terço que pus em cima dele caído e com seu cordão partido, eu não tinha medo dele, eu sabia que os mortos só poderiam se levantar nos filmes de terror, olhei novamente o rosto dele e novamente os olhos vidrados estavam abertos, saí dali sem entender, não havia mais ninguém comigo ali além dos mortos.

Passei horas sozinha no IML rezando, logo eu que nunca rezei por nenhum morto que havia passado ali, com todas as causas de mortes possíveis, enquanto rezava a frase ''ABRA SEUS OLHOS'' vinha em minha mente toda hora, eu não estava sismada, eu já vi várias circunstâncias acontecer ali, muitas até questões cientificas, após a madrugada de pesadelo, fiquei sabendo que o rapaz foi sepultado no mesmo dia.

Na tarde seguinte a mesma colega que mandei mensagem na madrugada me ligou, ela soube um pouco da história daquele rapaz, ela disse:

- Margareth, minha colega, soube que ele tinha alguns problemas muito além, um familiar dele me disse que ele dormia de olhos abertos e podia ver tudo que acontecia no quarto dele, e quando não queria ver nada, ele simplesmente fechava os olhos tudo em sã consciência e tudo dormindo, acredite, ele podia ver tudo que acontecia abrindo os olhos mesmo dormindo...

Desliguei a ligação, deitei-me em minha cama para dormir, enquanto vários pensamentos sinistros da noite anterior vinha por minha cabeça, em um deles eu me perguntava, será que mesmo depois de morto ele podia me ver quando abria seus olhos?