Yara
Quando entrei na tenda da minha família, já estavam todos prontos para comer. Me sentei no chão em silêncio, minha mãe, Ibotira, nos serviu como de costume.
Capotyra, minha irmã do meio, me olhava com malícia, e minha avó com aquele olhar desconfiado.
Meu pai quebra o silêncio constrangedor.
— Como está o forasteiro?
— Melhor... — respondi.
— Amanhã irei à cidade e vou avisar a polícia sobre ele. Saberão o que fazer.
Meu coração gelou no peito, eu não queria que Essoby fosse embora sem saber quem era.
— Vamos cuidar dele, papai... se a polícia o levar, pode piorar a mente dele e acabar o deixando mais confuso... eu posso cuidar dele e ajudá-lo a recuperar a memória.
Ignorei os olhos arregalados e surpresos, e continuei a encarar meu pai.
— Desde quando se tornou médica?— perguntou desconfiado.
— É uma oportunidade da vovó e do Magé me ensinarem como ser uma curandeira, entender o corpo humano e dessa vez até a mente humana...
Nunca fui tão feliz por sempre dizer a minha família que gostaria de aprender sobre as ervas, chás medicinais, óleos essenciais e me tornar uma curandeira.
Minha avó arqueou a sobrancelha, minha mãe sorriu e meu pai, como o homem de bom coração que sempre atende meus desejos, consentiu.
— Está bem. Vou deixar nas mãos do Magé essa decisão.
— Obrigada, pai!
Me aproximei dele e deixei um beijo estalado em sua bochecha.
Eu ainda quero muito ser uma curandeira, mas a verdade é que tem algo nesse homem que me atraiu, não sei explicar o quê, nunca senti antes. Mas é um desejo profundo de conhecê-lo, de conversar com ele, de cuidar dele. Os olhos dele pareciam tão vazios e tristes, um homem tão lindo, mas parecia tão infeliz.
Eu quero mostrar a vida para ele, quero que sinta a natureza, que ame a vida. Eu não sei o que o trouxe a esse canto do Brasil, mas algo me diz que coisa boa não foi, mas não por culpa dele. Alguém pode ter achado que o tinha matado e o jogou numa floresta, achando que nunca seria encontrado...
"Talvez seja um passageiro do avião que caiu. Mas foi tão longe daqui..."
Não ouso falar meus pensamentos, mesmo que descubram quem ele é, se ele não lembrar por ele mesmo, nada vai adiantar...
"Será que estou preocupada com ele, ou é só um egoísmo da minha parte?"
— Está tudo bem, Yara? Mal tocou na sua comida...
Capotyra me tirou dos meus devaneios.
— Estou sem fome...— respondi.
— Mas você não almoçou, filha.— Meu pai diz preocupado.
Para não contrariá-lo, comecei a comer a mandioca com a carne de alguma caça.
Ajudei minha mãe com as louças e fui tomar um banho na tina.
Enquanto me deliciava na água, sentindo o cheiro das ervas que coloquei, minha irmã atrevida entrou. Como a moleca de 15 anos que é, jogou água na minha cara.
— Está apaixonada pelo homem, não é?
Devolvi água na cara dela.
— O que sabe sobre estar apaixonada?— questionei.
— Sei que não está apaixonada por Iberê, porque nunca vejo você suspirar por ele, como as outras meninas.
— É claro que não estou apaixonada por Iberê...— murmurei.
Ela me olhou confusa, enquanto brincava na água da tina, com as mãos.
— Então, por que aceita sair com ele e os presentes?
Baixei meus olhos e encabulada, respondo:
— Eu só queria ser gentil...
— Yara! Eu sou mais nova que você, mas tenho certeza de que está criando expectativas no filho do cacique! Já estão dizendo que namoram e logo vão se casar...
— Quem disse isso?— perguntei com os olhos arregalados.
— Tá na boca das fofoqueiras...
— É que o papai ficou tão feliz com a aproximação de Iberê, que eu fiquei sem graça de acabar com as esperanças dele...
Capotyra revira os olhos.
— Para agradar aos outros, vai namorar alguém de quem não gosta?
— Não é "outros" Capotyra! É o papai, a mamãe e a vovó.
— Os tempos mudaram, Yara. Não somos obrigadas a casar com quem nossos pais querem.
— Quem falou em casar? Não exagere!
Me levantei e Capotyra me estendeu a toalha.
—Só sei que quanto mais enrolar, pior vai ser...
Ela sai, me deixando pensativa. Ela está certa, não posso prolongar uma esperança falsa e nem mesmo enganar o coração de Iberê, ele não merece isso.
Coloquei uma roupa, um vestido típico da aldeia, e saí da parte privativa da tenda, e fui para fora.
Meu pai estava "lutando" com Poá, depois de duas mulheres, ele teve finalmente o filho que tanto queria.
Sorri para os dois e, levantando os olhos, observei a lua cheia, que iluminava a noite e um céu estrelado. É raro ver uma noite assim, sempre temos um tempo nublado ou com chuvas à noite.
Me afastei e, a passos rápidos, fui até a tenda de Magé, ver Essoby. No caminho, Iberê me encontrou e, com seu sorriso afável, se aproximou.
— Um passeio sob a noite de lua cheia?
Esbocei um sorriso tímido, sinceramente não tive coragem de contrariá-lo. E mesmo contra a minha vontade, aceitei o passeio, sentindo meu coração doer por não poder ir ver Essoby.
Foi como todas às vezes que andei com Iberê, ele é gentil, fala sobre suas caçadas e pescarias, quando vai a cidade...
Ele apanhou uma flor-de-maracujá, a famosa flor-do-Amor. Pensei que ele me entregaria a flor, como das outras vezes, mas ao invés disso, ele se aproximou e prendeu a flor na minha orelha.
Me encarou com seus olhos meigos e cheios de desejo. Senti sua mão acariciar meu rosto, estava prestes a me beijar.
"Como fui deixar chegar a esse ponto?"
Abaixei minha cabeça, pesarosa, ele tocou meu queixo, me obrigando a encará-lo.
— É a índia mais linda que conheci...
— Obrigada...
Minha voz saiu fraca, por um fio, enquanto eu pensava no que dizer ou fazer para me afastar dele, sem que o ofendesse.
Senti a respiração dele próxima do meu rosto, e antes que ele me beijasse, coloquei minha mão em seu peito, o interrompendo.
— Iberê...
Ele se afastou, decepcionado.
— Desculpe... eu pensei que quisesse também.
Suspirei profundamente, sou péssima em contrariar as pessoas.
— Eu não posso fazer isso com você... eu... não estou apaixonada... gosto de você, é gentil, lindo, mas...
— Já entendi... — ele me interrompe.
Frustrado, ele olha para o chão e depois volta a me encarar.
— Podemos continuar sendo amigos?
— Claro...— respondi sem graça.
Eu sei bem que esse negócio de ser amigos não dá certo, só vai criar expectativas que não posso suprir. Mas não vou contrariá-lo pela segunda vez.
"Quem sabe eu me apaixone no futuro?"
— Posso segurar a sua mão?
Assenti e deixei que ele segurasse a minha mão até a aldeia, mas próximo da tribo soltei sua mão, para evitar confusões e fofocas.
— Boa noite, Yara!
— Boa noite...
Entrei na tenda e me joguei no colchão de pena de ganso, sem olhar na cara de ninguém. "Como é difícil dizer não!"
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Atualizado até capítulo 89
Comments
Jucileide Gonçalves
Ela tem um coração muito bom é difícil dizer um não e não é só no amor em algumas coisas na vida também.
2024-04-22
3
Renascida das cinzas
coitada!... eu sei exatamente como é isso. Eu era assim. Os meninos chegavam, pediam pra ficar comigo(na minha cidade e época, ficar era só se beijar/"agarrar" escondidos), e eu não sabia dizer não. A única coisa a qual eu não permitia de jeito nenhum, era "mão boba". Meu marido, ainda hoje fala que eu era muito boba, que a a gente podia ter aproveitado muito mais. Aí falo pra ele que se eu ti esse cedido, ele não ia me querer tanto quanto ele quis/quer.😅🤭
2024-01-13
3
Renascida das cinzas
mulher, até eu, que não sou de tribo nenhuma, sei que aceitar cortejos quer dizer aceitar os sentimentos ou interesses do outro.
2024-01-13
1