Já fazia um mês que Coraline comia, bebia, encarava o teto e chorava.
Seu peito doía, ver sua família em seus sonhos se tornou doloroso, tanto que ela evitava dormir, mas pensava neles enquanto estava acordada e sonhava com eles quando dormia, não conseguia fugir de sua própria mente.
Tentava encontrar motivos toda vez que o sol despontava da janela para se levantar, mas só queria desaparecer, queria que aquela dor parasse.
Talvez fosse melhor se ela simplesmente sumisse.
Os soldados que estavam em volta de sua casa em cinzas as atacaram, Ceri e Riona conseguiram lutar para tira-la dali mas aquilo foi um aviso, ela era a próxima.
Valia alguma coisa fugir disso?
Ou só viveria se escondendo com medo, com dor.
Suportou a morte de sua mãe por causa de seu pai e suas irmãs, ela pôde se despedir e segurar a mão dela até o último segundo, doía, mas ela sabia o que vinha pela frente, e tinha que ser forte por Fiona e Elara.
Mas agora tudo foi de repente, arrancaram um pedaço dela de uma vez, doía mais do que conseguia aguentar, e quem restou para se apoiar?
Encarou o leque sobre a cômoda, a lâmina prateada era convidativa, sua visão estava turva quando se levantou cambaleando e abriu o leque.
Não sentia dor, sua mente não parecia estar em seu corpo, escutou um grito e tiraram o leque de suas mãos bruscamente e tacaram na parede com tanta força que a tintura rachou.
O que está fazendo?! - Cerise a segurou pelos ombros, parecia estar com raiva mas seus olhos estavam brilhantes e preocupados, sua boca tremia.
Cora não conseguiu responder, apenas começou a chorar e Cerise soltou seus ombros e pegou seu braço, limpou o corte e enfaixou.
Descupe ter gritado - Disse Cerise, com a voz rouca - Estou aqui se quiser conversar Cora... - Não havia o que dizer - Sabe - Cerise continuou quando Cora não respondeu - Quando perdi meu pai, eu tinha treze anos, e ele era minha única família, eu fiquei como você, sei que a dor deve ser mil vezes pior mas sei o que você está pensando.
Só quero que pare... - Perguntou Cora, parecia que tinha décadas que não ouvia sua própria voz.
Não para, quando você percebe que não estão mais aqui a dor sempre volta com força, mas vai ficando mais fácil com o tempo, e lembrar dos bons momentos, lembrar de quando você sorria com eles é sempre bom.
A culpa é minha... Se eu fosse executada não iriam atrás deles.
Não tem como saber, você não tem culpa em nada disso.
Cora voltou a chorar deitando no colo de Cerise e ela a abraçou apertado.
Eu sei que está doendo Cora, mas fique comigo, por favor...
*
Naquela noite Riona e Cerise ficaram com ela no quarto, em silêncio e segurando suas mãos, Ceri já estava acostumada a virar a noite mas Riona as vezes cochilava.
Pode ir dormir Riona - Disse Cora.
Não, tá tudo bem.
Não vou fazer aquilo de novo...
Não é por isso que estamos aqui, já te demos o espaço que você precisava para pensar, agora eu sei que não quer ficar sozinha, agora é a hora de se lembrar que não está sozinha.
Cora começou a chorar novamente e Riona a abraçou, Ceri apertou sua mão levemente.
Conseguiu dormir, ainda que pouco, não entendia como podia estar tão exausta se mal levantou-se da cama nas últimas semanas.
Nos dias que se seguiram as duas passavam mais tempo com Cora, que ainda não estava exatamente bem, mas gostava de ver as duas discutirem, jogarem cartas e discutir mais um pouco, era uma boa distração.
Vamos a cidade com Morgan comprar algumas coisas já que minha irmã fez o favor de dispensar os funcionários, quer vir conosco? - Perguntou Riona.
Acho que não, mas aproveitem.
Aproveitaremos só cinquenta por cento já que você não vai, se cuida tá, voltamos antes do almoço - Riona se levantou e deu um beijinho na testa de Cora.
Ceri estava parada na porta com uma expressão incomodada.
Quer um beijinho de despedida também Ceri? - Riona sorriu e ela estalou a língua e se afastou, mas então voltou.
Quero um de boas-vindas quando voltarmos - Disse baixinho olhando para o chão e Riona riu.
Cora soltou um sorriso e as duas saíram junto do cunhado de Riona.
Ela se levantou, tomou um longo banho e vestiu roupas confortáveis, desceu as escadas para o salão de entrada, a casa de Riona era enorme, e vazia, por conta da condição da irmã dela, não gostava de ter muitas pessoas por perto.
Cora na verdade até preferia assim.
Caminhou pelos jardins sentindo o sol da manhã em sua pele, era boa a sensação, respirou sentindo o ar puro daquele lugar longe de tudo, o som dos pássaros e o farfalhar das folhas das árvores formavam uma melodia calmante, se fechasse os olhos, parecia que estava em casa, e a qualquer momento Ophelia apareceria dizendo que o almoço estava pronto, ela entraria em casa, o cheiro maravilhoso da comida encheria o ambiente, seu pai sorriria com o jornal nas mãos, suas irmãs desceriam as escadas correndo e Ophelia as daria uma bronca.
Lágrimas tentaram despontar de seus olhos e ela baixou o rosto os esfregando, não sabia como seu corpo podia armazenar tantas lágrimas.
Entrou numa pequena estufa, cheia de flores e plantas exóticas, algumas Cora nunca tinha visto na vida, encarou uma que parecia ter dentes.
Essa aí vai arrancar seu dedo fora - Disse uma voz na porta e Cora recuou surpresa.
A irmã de Riona entrou girando as rodas da cadeira até uma mesa no canto da estufa.
Desculpe entrar assim - Disse e a mulher deu de ombros - Nós mal conversamos desde que cheguei aqui não é, perdão pela minha falta de modos.
Não pediria que passasse por cima do seu luto por educação, não sei o que Riona disse de mim para você, mas não sou nenhum monstro.
Ela não disse nada na verdade.
Que surpresa, ela gosta de fingir que eu não existo, mas que seja, eu também teria vergonha de mim.
Por quê? - Cora se aproximou abraçando os braços.
Você é do tipo que gosta de fingir que não tem nada errado? - Ela virou o rosto para Cora.
Não, é só que... Quando você vê pela primeira vez não tem como não ficar surpreso, na segunda tenta não encarar, na terceira você vê que não tem nada de mais.
Ela riu balançando a cabeça, Cora deu mais uma passeada pelo lugar e parou encarando algumas margaridas.
A minha mãe gostava de flores, ela cultivou todo nosso jardim, esse lugar é lindo, você fez tudo sozinha?
Tenho bastante tempo livre.
Você só está fazendo coisas comuns, como pessoas comuns, por quê você é comum.
A senhorita é muito bonita, não espero que entenda o que eu passo, duvido que já tenha visto expressões de nojo, medo, quando as pessoas olham para seu rosto.
Tem razão, não sei como reagiria se fosse comigo... Mas sabe, acho que reações são normais a primeira vista, mas quantas vezes você viu essas expressões em Riona, ou no seu marido, depois de um tempo?
Ela cortou os caules das flores distraidamente.
Neles, nunca, mas vejo em mim, todas as vezes que infelizmente acabo topando com meu reflexo.
É... Imagino que não deve ser fácil...
Não... - Ela colocou a flor de lado e passou para a próxima - Não é.
Alannis - Escutou alguém chamar e o homem alto e careca parou na porta da estufa - Senhorita Coraline, que surpresa boa vê-la de pé - Ele sorriu.
Vim tomar um pouco de sol, e parei para admirar o trabalho da senhorita Alannis.
É impressionante não é? Vim saber se estava com fome, as meninas vão começar a preparar o almoço ainda.
Estou bem, me chame quando estiver pronto - Disse Alannis sem olhar para ele.
E você? - Morgan se voltou para Cora.
Não estou com fome, e nem sei cozinhar, mas é engraçado ver as duas fazendo coisas juntas.
É um show de comédia, vamos entrar e assistir?
Claro - Cora sorriu e o acompanhou para dentro.
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Atualizado até capítulo 58
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