Impertinência

Impertinência

A primeira impressão

Eduarda Teixeira.

Há quase duas semanas em São Paulo e não tive tempo de vir aqui, parada na porta do prédio eu ainda suspiro por achar que é a cara dele, meu precioso melhor amigo, Alexandre Montserrat, presidente das industrias Zaellis. São 4h42, quase a hora de sair e pretendo arrastar o Alex para jantar e beber pelos velhos tempos. Na verdade, em duas semanas tudo o que eu consegui foi trabalhar como uma louca, então eu preciso de tequila e uma boa companhia. Com a música do Bon Jovi gritando alto nos meus fones de ouvido, eu quase danço quando o refrão de Have a nice day  começa a tocar, então eu resolvo que devo subir logo e acabar com isso, mesmo sabendo que um sermão viria do homem que vou encontrar por não ter avisado que estava aqui.

Eu costumava vir aqui com frequência, por isso todos me conhecem, e eu modestamente não sou uma pessoa que consegue passar despercebida. Estou usando uma saia de couro sintético marrom caramelo que deixa minhas coxas a mostra e minha tatuagem de dragão que vai do meu tornozelo até dois dedos abaixo do meu seio esquerdo, foi a minha primeira tatuagem e o meu orgulho, 14 horas de trabalho e lá estava. Essa era eu tentando tirar de dentro a garotinha do interior de minas que habitava em mim. Claro, meus pais odiaram, mas por ser sempre a boa filha, eles fizeram um esforço para entender o que eu queria viver. Uma blusa de cashmere com gola rolê preta e botas de cowboy e para completar eu estava segurando uma jaqueta de couro preta, estilo motoqueira que herdei do Alex, e é como se fosse para mim uma farda. Um look que eu adorava, era sexy, selvagem e jovem. Como eu me sinto desde que terminei um longo relacionamento que acabaria em um casamento inconveniente se eu deixasse. Vocês já ouviram falar de casamento por conveniência, eu sei, mas casamento por inconveniência?

Retiro os fones de ouvido quando Bia abre um sorriso bonito e me cumprimenta. — Boa tarde, senhorita Teixeira — Por favor, Bia, só Eduarda. ok? — A garota sorriu novamente. Eu sei que não é normal para as pessoas ricas gostarem de ser chamadas por seus primeiros nomes, mas eu não sou uma das pessoas ricas, apesar de vir aqui sempre como “amiga do senhor Alexandre Montserrat” e já ter ouvido os rumores de que somos amantes por aí, eu não gosto de ser tratada como tal.

— Bia, boa tarde, eu vou subir, tudo bem? É uma surpresa, então não avisa! — Mando uma piscada de olho para ela e ela retribui em cumplicidade. Sigo para o elevador privativo do Alex e ninguém me interrompe, todos ali sabem que eu posso até xingar o homem que todos temem, e ainda assim eu não vou ser repreendida. “56 andares, quem é o megalomaníaco aqui?“ pensei encarando o painel depois de apertar o andar do presidente.

Celi, a secretária no gabinete na frente do escritório, sorri para mim — Olá, Celi! Ele está ocupado? Pergunto, apesar de saber que posso entrar ainda que esteja ocupado, mas prefiro esperar fora se for o caso. — Não, ele acabou de sair de uma ligação com a recepção, e não tem outro compromisso esperando. — Celi, você consegue algo muito gelado para beber? Perguntei com uma voz infantil para a senhora de quase 50 anos na minha frente que me conhece desde que o senhor Alencastro ocupava a sala e eu vinha aqui com o Alex.

— Claro que sim, sempre tem um suco fresco para você, querida. Você entra e eu já trago algo para vocês! — Suspirei em agradecimento, e rumei para a porta grande de madeira que é tão imponente quanto o resto do prédio. — Será que o senhor presidente tem tempo para uma visita? Ele solta o telefone e sorri para mim, aquele sorriso que já sou imune, mas que não ligo de admirar sempre.

Alex rapidamente se levanta e vem em minha direção por que há uma coisa que faço de lei, como uma criança eu pulo nos braços dele, com minhas pernas em volta da sua cintura, fazendo ele me segurar com ambas as mãos e enfio no seu pescoço o meu nariz — Você ainda tem o melhor cheiro do mundo, sabia disso? — Ele não pode evitar que eu faça isso, desde que ele ficou tão grande quanto uma porta, eu me jogo nele, claramente sabemos que não há componentes sexuais, e não nos importávamos com quem pensava diferente.

— Porque você não me disse que estava vindo? Eu teria ido te pegar;  — Oh, eu estou na cidade há quase duas semanas, me desculpa, mas estive com tanto trabalho que não consegui te ligar. — Claro, isso é uma desculpa esfarrapada. Eu ainda estou nos braços dele com meu nariz enfiado naquela curva, onde o pescoço vira ombro e aproveitando o cheiro dele enquanto ele ri da minha mentirinha sobre não ter tempo quando ouvimos um pigarro forte.

E lá está ele: O homem que parece ter saído de um livro onde a secretária transa com um ceo na mesa dele e pela Deusa, queria ficar de quatro naquela mesa e obedecer a todas as ordens desse homem.  Ele possivelmente tem o dobro da minha idade, mas os olhos dele são de um azul intenso e arrebatador, sua barba bem feita e cabelos que estão grisalhos nas têmporas não afetam em nada a escuridão da cabeleira negra que cai pelas orelhas ao melhor estilo Paulo Ricardo.

 Meu foco se voltou completamente ao homem na sala, que esqueci que ainda estava agarrada como um coala em Alex, que parou de sorrir reagindo a mesma pessoa.

Valério Fittipaldi

Estacionei meu carro no estacionamento subterrâneo quinze minutos antes do horário que combinamos. Eu queria comemorar com a minha garotinha, apesar de não estar plenamente feliz de ter minha filha trabalhando fora e para um empresa que não era a minha, a da nossa família, eu estava satisfeito com o que tinha ouvido durante essa sua primeira semana. Afinal não se pode esconder o orgulho de ter uma filha comparada ao pai. Mesmo acreditando que mulheres e homens têm papéis diferentes na sociedade, não posso fingir que não me sinto orgulhoso quando ouço alguém dizer

— A Virginia é implacável, ela se parece com você nos negócios. Sim, porque a beleza é toda da mãe, embora eu seja um homem que não se pode chamar de feio.

Uma prova disso é que a recepcionista sorriu ao me ver e cumprimentou com um olhar mais longo do que deveria, eu estou acostumado, olhares mais longos podem dizer algumas coisas diferentes. Mas vestindo um Giorgio Armani de três peças, eu sei que ela está admirando o porte e o homem, além é claro do bom gosto e do preço.

Essas mulheres mais novas só querem uma coisa de homens como eu, um casamento para desfrutar do glamour e do luxo que todo o meu dinheiro pode proporcionar, e depois de perder a minha esposa oito anos atrás, eu me limitei a mim mesmo e a Virginia.

Claro que trabalhando 12 horas por dia, 6 dias por semana, as coisas eram difíceis e solitárias, mas o simples pensamento de tocar em qualquer outra mulher que não fosse a minha, me deixava constrangido e um pouco abalado. — Eu sou Valério Fittipaldi  — Assim que ouviu o meu nome a mocinha voltou a si — A senhorita Virgínia está esperando pelo senhor no 56º andar — Eu apenas acenei com a cabeça, não é comum para mim sorrir, eu já não fazia muito, quando minha esposa estava viva, agora como o bom recluso que me dizem, eu não faço com frequência. Somente para Virginia.

Olhei as horas e passava um pouco das 4h40, então eu tinha tempo para ver o meu novo sócio — Senhorita, o seu presidente está disponível hoje? Eu gostaria de falar com ele por um minuto — Disse, ainda sério, a mulher que me encarava com olhos de quem obedeceria cada ordem minha.  Ela pegou o telefone ainda com o sorriso e dois minutos depois eu estava indo em direção ao elevador, Virginia e Alexandre tem passado muito tempo juntos, ela fala muito bem dele e gostaria que viesse jantar conosco.

Mas nada me preparou para o que eu veria, afinal eu estava prestes a elogiar a empresa, eram 56 andares, todos da Zaellis, esse era o corpo físico da indústria inteira. Até então Alencastro Montserrat era um homem admirável pelo feito, mas Alexandre Montserrat, seu neto, é quem está levando a empresa ao próximo nível, ao nível internacional. Mesmo sem uma secretária no birô para me anunciar a sua porta, eu fui entrando, já que a recepcionista avisou da minha chegada, imagino que não ache estranho que não vou ser anunciado.

A minha primeira visão são as pernas longas e grossas da mulher que tem uma tatuagem, que me parece ser um dragão, enroladas na cintura do homem que eu estava pensando em convidar para jantar. "Rum Rum" faço um barulho alto e Alexandre ainda segurando a moça pelas pernas para de sorrir imediatamente e a mulher que ele ainda segurava, mas quando seus olhos encaravam os meus que eu perdi um pouco o fôlego, segundo que pareciam uma eternidade analisando o rosto perfeito dela.

“Me põe no chão”  Ouvi a moça pedir com uma voz infantil e um sorriso encabulado, era linda de se ver, mas provavelmente não valia beleza que tem, afinal nenhuma mulher respeitável gostaria de ser pega daquela forma com um homem com o status que Alexandre Monteserrat tem. Como eu disse antes, mulheres como esta só querem uma coisa de homens como nós, e embora Alexandre seja mais novo do que eu, ele ainda é um dos maiores empresários do país, não entendo como pode se deixar levar por uma mulher como essa.

Penso mas não digo nada, afinal ele não é meu filho — Valério, eu estava esperando você — Alexandre disse se aproximando — É mesmo? Parece que você estava bem ocupado agora. A moça sorriu para mim e olhou para Alexandre com carinho, o que me fez levantar uma sobrancelha, porque até onde sei, ele não tem uma namorada ou Virginia teria me contado.

— Não, essa aqui não é uma visita de negócios. Eduarda, esse é o Valério Fittipaldi, meu futuro novo sócio. — Eu não entendi o que ele quis dizer com “visita de negócios", mas meus olhos desavisados correram para mulher que estendeu a mão para mim com um sorriso brilhante no rosto, e minha mente passeou com pensamentos que não tinha há muito tempo.

— É um prazer senhor Fittipaldi. — O tom de voz não era o mesmo que ela usou com o outro homem, o timbre era mais frio e formal, como se eu fosse um aluno, mas, eu estava tão hipnotizado que não consegui perceber quando apertei sua mão — Apenas Valério — O que eu disse não soava como eu mesmo, e quando voltei a mim, Alexandre estava me olhando com curiosidade. Então me apressei mesmo a contragosto a sair de lá, mesmo cheio de curiosidade sobre a mulher ao lado dele — Vim buscar a Virginia para jantar, mas passei aqui para saber se você gostaria de se juntar a nós.

 A medusa que estava em silêncio depois de me cumprimentar se jogou na frente dele segurando o pela gravata, de uma maneira que me fez odiá-lo e invejá-lo ao mesmo tempo — Oh, não não não, você é todo meu hoje à noite, certo? — Minhas entranhas se contorceram ao som manhoso e angelical da sua voz ao mesmo tempo em que eu me perguntava que tipo de bruxa era essa mulher.

— Desculpe, Valério, eu prometi minha noite a Eduarda e bom, acho que a Virgínia vai preferir jantar com você apenas.— Dei um sorriso amarelo por perceber o quanto eu estava curioso sobre o relacionamento deles, não querendo admitir de imediato, eu acenei o que me pareceu ser um “certo” para eles e me virei para ver a secretaria de Alexandre trazendo uma bandeja com suco de frutas e a mulher, Eduarda, correndo até ela — Você é mesmo um anjo não é? Acerola? — O sorriso da secretária me fez pensar que isso acontecia com frequência.

— Vou até Virginia, conversamos depois, ok?

Sai de lá seguindo a secretária que me mostrava o caminho a pedido de Alexandre, tentando arrumar um jeito de perguntar quem era a mulher no escritório dele. — Parece que a namorada do chefe vem sempre aqui — Perguntei sem jeito mesmo, quando percebi que estávamos na porta da sala da minha filha — Oh, a Eduarda vem aqui desde que o seu Alencastro era o presidente. — Essa resposta não me ajudava, mas tive a impressão de que são namorados desde a adolescência.

De alguma forma isso me deixou um pouco chateado, mas não tinha motivos para tal, nenhuma mulher poderia ocupar o lugar que foi de Amélia, minha esposa foi e ainda é a única mulher capaz de ser minha esposa. E mesmo quando vi o sorriso de Virginia eu me recriminei por apenas comparar aquela mulher com a minha esposa, uma era uma qualquer que não se dá o devido respeito enquanto a minha perfeita e amada esposa, era a mulher mais respeitável que eu já conheci depois da minha própria mãe.

Com esse pensamento eu me forcei a esquecer aquelas pernas, aquele sorriso e até mesmo aqueles olhos. Ela não merecia o meu tempo.

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