IV

No hospital tenho a impressão que o conheço pois Celina e Ully me descreveram o prédio com tantos detalhes que sei exatamente por onde ir para chegar ao vestiário dos funcionários da emergência, na noite anterior Celina trouxe meu crachá e a chave do meu armário, Ully me presenteou com um Estetoscópio Littmann Classic III 3M Black Edition, é um dos melhores estetoscópio e eu amei o carinho, hoje, toda orgulhosa, coloco-o em meu pescoço e sigo para a emergência.

Faltam 20 minutos para iniciar o meu turno, o posto de enfermagem está agitado como todo final de plantão, técnicos evoluindo os prontuários e um rapaz um pouco mais agitado que pela roupa que uso deduzo ser o enfermeiro.

— Olá, sou Kemily Santoro - cumprimento-os já me apresentando.

— Boa noite querida, eu já falo contigo, sim? - me diz o moço agitado.

Vindo pelo corredor vejo uma linda moça caminhando vagarosamente.

— Nossa com apenas dois meses de gestação se arrasta imagina quando estiver  perto de parir – fala uma técnica de enfermagem revirando os olhos.

— Maggie, pare agora – repreende o enfermeiro.

— Olá acho que você é Kemily? Eu sou Pâmella a enfermeira da noite, mas somente por mais alguns dias. Seja bem-vinda a nossa agitada emergência.

— Venham moças deixem eu fazer a passagem do plantão.

Para mim tudo está sendo muito emocionante esse primeiro contato com a emergência hospitalar, li muito sobre passagem de plantão, atendimento de pacientes em entrada na emergência, fiz inclusive cursos sobre esse tema, mas viver isso na prática é muito diferente.

O pessoal do dia se despede e ficamos eu, Pam e a equipe de técnicos de enfermagem do turno da noite. Pâm me apresenta a todos inclusive tem uma técnica nova e seu rosto não me é estranho, sim é a moça que me examinou minunciosamente no dia anterior na sala de espera para a entrevista e é da mesma maneira que me olha novamente.

A moça se chama Maya e acho que está na profissão errada, seu rosto tem um quilo de maquiagem, seus cílios parecem um espanador de tão exagerados que são, inclusive usa perfume forte e brincos argola, sem contar o cordão no pescoço e unhas gigantes.

Já que ela foi tão gentil em me examinar por duas vezes continuo minha análise, blusa, jaleco e calças justos demais, tenho a impressão que se ela espirrar vai abrir as costuras e pelo amor de Jesus Cristo ela usa salto, agora tenho certeza que ela não leu o regulamento do hospital.

— Bom pessoal a partir de agora eu estarei aqui apenas para suporte de Kemily, ela gerenciará todo o resto, então tudo o que vocês passariam para mim será a ela, certo?

Eles concordam, vejo que Pam já tinha preparado-os para a sua saída pois sou muito bem acolhida por todos.

— Vamos aproveitar que ainda está calmo e conversar com Maya? Annie segura as pontas para nós.

Consinto com um leve balançar de cabeça, inspiro até sentir como se meus pulmões fossem explodir de tanto ar e depois expiro como se me esvaziasse por completo, pois no meu primeiro dia já terei que lidar com uma adorável dissidência.

Vamos para um consultório e Pam sinaliza com a cabeça me dando indicação que podia começar a conversa.

— Maya acredito que você tenha recebido o regulamento do hospital – ela faz um leve meneio de cabeça e continua a me olhar como se eu estivesse falando bobagem — E leu?

— Você pode ir direto ao ponto? Que está te incomodando em mim?

— Apenas o não cumprimento do regulamento e estes foram feitos para segurança sua e a dos pacientes.

— Pode ser mais clara, qual é o problema enfermeira? Se nos der ordens na emergência dessa maneira todos ficarão confusos já que não sabe o que quer dizer.

— Então serei bem clara, hoje você está sendo dispensada do trabalho e quando voltar para o próximo plantão suas roupas deverão estar nas medidas certas, sem cordão no pescoço, unhas grandes, maquiagem forte ou perfume. E caso tenha alguma dúvida leia o regulamento na página 12 onde diz exatamente como deve se vestir no local de trabalho e dê uma olhada na página 3 e 4 onde fala sobre as atribuições de cada pessoa neste setor.

— Você sabe quem é o meu dindo, enfermeira?

— Não sei Maya, mas te garanto que nem ele poderá mudar o regulamento para se adequar sua vontade. Agora bata o ponto e vá para casa.

Ela me fuzila com o olhar, mas eu também sei sustentar o meu, já passei por coisas piores e me moldou a ser quem sou, então não será um olhar de raiva que me fará recuar.

— Uau garota, Celine me falou que era boa mas ela errou você é ótima. Agora vamos cuidar de nossos pacientes. Vou te acompanhar no máximo que posso mas minha gestação é de risco então ficarei mais no posto de enfermagem e te auxiliarei dali, certo?

— Está tranquilo, o importante é que saberei onde te achar quando eu encontrar algum problema.

— Isso mesmo.

Annie, uma das técnicas, se prontifica para me acompanhar na checagem dos pacientes, ela já está no hospital a 7 anos, destes 4 anos na emergência e posso ver o quanto ela é dedicada ao trabalho e trata a todos com muito carinho e respeito, até mesmo aqueles que são extremamente arrogantes.

Quando volto ao posto de enfermagem entra alguns policiais com dois presos, um deles sangra muito no rosto, indico os leitos que devem usar e vou auxiliar o médico atender o homem que está sangrando.

Designo dois técnicos para concluir os cuidados com o paciente assim que o médico termina seu atendimento e o acompanho até a outra maca, o paciente desta maca é mais novo e não aparenta estar machucado, fazemos o exame de corpo de delito, ao me girar para sair numa agilidade enorme o rapaz me puxa, eu caio sobre ele lhe dando a chance de colocar o braço em volta do meu pescoço, na mão tem a caneta do médico e com ela pressiona minha jugular.

Eu não escuto o que falam, sei que falam algo, mas mantenho minha mente trabalhando para me manter calma e não surtar, eu olho pra frente e vejo quatro policiais com as armas em punho, falando e suas expressões são muito sérias.

Lentamente um deles se aproxima de mim e tenho certeza que já o vi, não tenho certeza de onde mas já o vi, antes o policial se movia muito devagar mas, de repente ele age tão rápido me toma em seus braços e me leva para a ponta do leito e sou amparada por Annie que me leva para o posto de enfermagem.

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