4. A morte de Moacir.

Voltando ao presente...

Era o segundo dia naquele navio e Ruama aproveitou o momento para se concentrar o máximo que pudesse, dentro de si os sentimentos se misturavam, não sabia o que iria enfrentar quando chegassem na Alemanha, e estar lá lhe traziam muitas lembranças boas e também ruins, como o dia em que seu pai morreu...

Na noite em que Moacir morreu, estava muito frio, todas as noites eram frias, mas aquele dia estava de tremer os ossos, Ruama foi para cama mais cedo contra sua vontade, estava profundamente angustiada e teve dificuldades para dormi. Mariana havia feito um jantar delicioso, era a comida predileta do seu pai, isso é, se podia chamá-lo de pai, ele era a figura mais distante de um pai, era como um estranho para ela, mas aquela garotinha se esforçava muito para amá-lo, sem resultados, mas ela tentava. Quando aquela doce senhora bateu na velha porta de madeira, Ruama correu para atendê-la, o jantar daquela noite vinha numa panela de barro em volta de um pano sujo, mas o cheiro era contagiante e ela sabia que Mariana fazia de tudo para Moacir se unir a filha, sem resultados, mas ela tentava. Depois que aquela garota colocou a comida nos pratos, foi chamar seu pai no outro cômodo da casa, só haviam três cômodos naquele barraco e onde Moacir ficava sua filha estava terminantemente proibida de entrar, mas, mesmo assim foi até ele, as pernas tremiam e a sua voz pareceu sumir, ela sempre ficava assim quando se aproximava dele, infelizmente naquela noite seu pai foi mais amargo que a morte. Quando a menina bateu suavemente na porta, ela se abriu imediatamente e a garota paralisou, ele a olhou sério, segurou na cabeça dela com aquela mão pesada e a jogou violentamente contra a parede, ela bateu com a cabeça tão forte que viu vaga-lumes, sentiu sua respiração apertar a garganta, como se estivesse sufocada e uma nuvem negra cobriu os seus olhos, desmaiada naquele chão ela ficou por quase um minuto, mas para ela pareceu uma eternidade onde era transportada para o lugar que sua mãe estava. Quando finalmente despertou, ainda era noite, naquele pequeno corredor frio e escuro ela estava, sentou-se no chão desolada e as lágrimas vieram nos seus olhos, mas ela as deteve, as segurou para que não caíssem, queria que seu pai lhe amasse ao menos por um momento. Voltou à sala como se nada tivesse acontecido, Moacir estava sentado à mesa, comia em silêncio, Mariana estava em pé ao lado dele também em silêncio, Ruama se aproximou bem devagar, as pernas ainda tremiam, mas ela arranjou coragem não sei de onde e conseguiu dizer algumas palavras:

- Posso... sentar pai? Aquele homem parou de comer imediatamente e sua voz soou como um trovão em tempestade.

- Garota estúpida, não me chame de pai novamente, coma ou vá para cama e não dê uma só palavra. As lágrimas voltaram a encher seus olhos, quando ela percebeu que iam transbordar, pressionou seus dentes um no outro fortemente fazendo aquele mar secar, baixou a cabeça e sentou à mesa, trouxe o prato para mais perto de si e comeu, era um guisado delicioso, ela saboreou por algum tempo mastigando devagar. Mariana era sempre doce e agradável, ela olhou para a garota sorrindo e perguntou com carinho:

- Sabe que dia é hoje Ruama? A menina olhou para ela tentando retribuir o carinho, balançou a cabeça e sorriu sem ousar dizer alguma palavra. Mas, Mariana continuou agora olhando para seu pai. Moacir, talvez você tenha esquecido, mas hoje sua filha completa 10 anos, olhe para ela, não vê como está crescendo, logo se tornará uma mulher. Ele levantou os olhos.

- Dará uma boa prostituta.

- Não diga isso, ela é sua filha. Ele levantou furioso, bateu na mesa fazendo todo o barraco estremecer.

- Essa garota estúpida nunca será minha filha, o meu filho foi o que morreu ela nunca deveria ter vivido. Ruama não teve coragem de olhar para nenhum dos dois, sentiu uma profunda vontade de correr dali e fugir para a floresta, mas paralisou, nem seus lábios resistiram ao terror daquelas amargas palavras, eles tremiam incessantemente e ela não conseguia controlar, mesmo fazendo um enorme esforço, mas, suas forças se esgotaram e ela desmanchou em choro, chorou alto, soluçou, queria parar, mas era algo muito mais forte do que ela. No entanto, quando seu pai viu que ela não parava de chorar ele gritou:

- Cale-se. Aborrecer aquele homem era algo que nunca passou pela sua cabeça, ela tinha medo dele, pavor quando se aproximava demais, aquele desespero dentro dela era incontrolável, tentou parar por vezes, mas tudo aquilo eram lágrimas guardadas a anos, a chuva se transformou em tempestade. Naquele momento ele veio na direção dela furioso e a arrancou violentamente da cadeira sacudindo-a por diversas vezes gritando para que ela se calasse. Mariana naquela noite também não resistiu, e veio ao encontro dos dois, segurou em um dos braços daquela pobre menina, que sucumbia a cada solavanco que recebia. Moacir era um homem não muito alto, com pele avermelhada, cabelos escorridos, um índio natural de uns 39 anos, tinham olhos negros, profundos como a escuridão e amargos como a morte. Quando Mariana conseguiu alcançar um dos braços da menina fazendo-o parar, ele voltou para ela dando-lhe um soco, mas bateu com seus ossos contra a parede, seus olhos fervilhavam de ódio, naquele momento de desespero, ela ainda tentou correr segurando a menina pelo braço, mas ele alcançou os cabelos de Mariana fazendo ela estremecer, Ruama correu, não para deixá-la morrer, mas para pedir ajuda, saiu cambaleando e empurrou a porta, lá fora estava João, aquele homem branco e corpulento vinha em direção a sua casa, entrou no barraco e se deparou com a cena que aquela garota não queria ver. Moacir segurava Mariana pelo pescoço tentando sufocá-la, João olhou ao seu redor e arrebentou a panela de barro na cabeça dele, Mariana caiu no chão sem fôlego, tentando tossir devagar e Moacir ficou estirado no assoalho sujo, desmaiado. No momento em que se viu lá fora Ruama sentiu vontade de correr para a floresta até o Alejandro, mas não teve forças, suas pernas não paravam de tremer e sua cabeça ainda girava, com aquele garoto ela se sentia segura, sim, ao lado dele ela podia sorrir sem medo, ele transmitia esperança e dava forças para ela continuar. Quando João e Mariana saíram do barraco eles gritaram por Ruama, mas ela estava ali, sentada no chão a alguns metros da casa, João a pegou no colo, beijou rosto molhado de lágrimas e disse baixinho para ela:

- Você ficará conosco essa noite. E Mariana completou.

- E eu fiz um bolo de aniversário para você. Ruama ouvia aquelas palavras, mas não conseguia transmitir qualquer sentimento, todos os seus pensamentos estavam inertes. Depois que entraram no casebre João a colocou sentada num banco velho, era um lugar grande com várias mesas e bancos compridos, podia se dizer uma pousada na beira da estrada. Um homem magro chamado Germano Santarém estava do outro lado fumando um cigarro e segurava um copo de pinga, era temido pelo número de mortes que carregava nas costas, outro homem apareceu e sentou-se próximo a Ruama pedindo comida, os dois homens naquela sala eram extremamente desagradáveis, um deles aproximou-se da menina e olhou-a por alguns segundos depois sorriu, tinham dentes que reluziam em seus olhos.

- É essa a garota? O outro homem com o cigarro na boca também sorriu, ele tinha dentes amarelados e um cheiro repugnante.

- Ela é muito bonita, o chefe vai adorar.

- Deve valer uns bons trocados.

- Sim, muitos trocados.

- Quanto tempo falta?

- Menos de dois anos. Enquanto os homens conversavam, Mariana trazia nas mãos dois pratos com comida colocou-os na mesa, depois olhou para a menina.

- Venha comigo Ruama.

- Então é você que cuida dela Mariana?

- Sobre o que estão falando? Essa garota é minha filha. Os homens soltaram uma gargalhada.

- Germano comprou essa garota na mão do Moacir e no próximo inverno ela vai com ele. Os homens riram alto, mas quando João apareceu no salão, eles se calaram.

- Mariana, leve Ruama para o quarto, porque eu preciso ter uma conversa com esses cavalheiros. Enquanto os homens conversavam, aquela doce mulher colocou a garota numa cama quente e confortável, beijou o rosto dela e sussurrou que voltaria logo, Ruama estava profundamente angustiada e não conseguia dormi, ficou virando na cama, seu corpo ainda estava dolorido com toda a ação daquela noite, de repente um clarão iluminou todo o quarto em que ela estava, ao se assustar levantou correndo até o corredor e lá estava sua casa completamente em chamas, enquanto o fogo devorava tudo rapidamente, aquela menina sentiu uma sensação estranha de felicidade desejando que seu pai estivesse lá dentro e o fogo o devorasse levando-o para bem longe onde ele não pudesse mas magoa-la, ela ficou ali durante poucos minutos vendo o fogo dançar em ritmo ágil sobre aquele barraco. Algumas pessoas gritavam em desespero depois que viram Moacir lá dentro gritando por socorro, mas ninguém teve atitude de tentar apagar o fogo ou de resgatá-lo, foi tudo muito rápido e de repente o barraco estava em cinzas, naquele mesmo instante que aquela garotinha viu seu desejo se realizar percebeu que tinha perdido a única coisa que achava que tinha, e se angustiou profundamente por ser uma garotinha tão má. De repente ela saiu correndo, tirando as pessoas do caminho e gritando:

- Papai! Ela gritava em desespero. Papai, papai! Num sonido alucinante ouviu a voz dele que gritava seu nome.

- Ruama, mim ajude, socorro!! O que ela sentiu naquele instante foi algo enlouquecedor, mas ela o amou por um momento e morreria para deixá-lo viver. A fumaça era intensa e fazia seus olhos lacrimejar, ainda tentou entrar no barraco, ouviu um ruído forte que estremeceu seu coração, o fogo ainda dançava sobre algumas madeiras, mas de repente ela sentiu alguém lhe segurar pela cintura e sair dali, ela apagou imediatamente. Quando despertou estava deitada em cima de uma tábua, ainda podia senti o seu corpo quente, Mariana aproximou-se dela e a levou aos seus braços, ela sentiu seu carinho, seu afeto, pôde sentir seu coração palpitando em ritmo ágil e de repente aquelas palavras saíram:

- Eu amo você Mariana. Seus olhos umedeceram.

- Eu também te amo minha filha. Mariana e João eram sua família agora e ela sentia que podia ser feliz, só lhe restava uma coisa a fazer e foi o que ela fez, levantou-se e quando ninguém estava olhando ela correu pela floresta gritando pelo Alejandro, sabia que não podia fazer isso, mas precisava. Quando estava quase sem fôlego parou descansando as mãos nos joelhos tremendo e de repente aquele garoto apareceu na sua frente, ela correu para ele e o abraçou, mas o abraçou tão forte que ele pediu um tempo para respirar.

- Eu vi sua casa em chamas, o que aconteceu?

- Meu pai morreu Alejandro, ele morreu. Ele a abraçou novamente, e aquele abraço lhe transmitia coragem e forças para prosseguir.

- Eu sinto pela sua perda, queria poder ficar mais tempo aqui com você, mas vamos partir amanhã cedo.

- O quê? Você vai me deixar, vai me abandonar? Ela sentiu seus olhos lacrimejarem, mas ele tocou no rosto dela com carinho.

- Você pode vim conosco, se quiser, meus pais gostam de você.

***Esta obra está sob contrato com a NovelToon, e a pirataria, como a reimpressão sem permissão, é estritamente proibida.***

***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***