“Tem alguma ideia de pôr quantas vidas tivemos que passar até chagarmos a ter a primeira intuição de que há na vida algo mais do que comer, ou lutar, ou ter uma posição importante dentro do bando?” — Richard Bach.
O vento batia forte contra a janela. Era uma manhã nublada e o sereno chegava a se confundir com as nuvens, mas sabia que por volta das oito horas o clima esquentaria, o que tornava os dias mais agradáveis.
— Frio.
Levanto-me preguiçosamente e dirijo-me até o banheiro em volta de um fino lençol, ligo o chuveiro e uma sensação aconchegante envolve o meu corpo completamente despido.
O vapor começa a surgir da água quente que corria, jogo o lençol num canto e mergulho ao chuveiro. Não há nada melhor do que começar o dia com um banho, ainda mais depois de uma noite igual a de ontem.
Coloco uma calça jeans, blusa listrada qualquer, seguido de um colete jeans, cores básicas como branco e preto sempre me caiam bem. E claro, não esqueço de colocar o meu colar com uma pedra da lua que ganhei da minha mãe, ela está sempre ocupada por isso raramente passamos algum tempo juntas, mas sinto que usando isso ela estará mais perto de mim, é um colar de proteção. Bem típico, já que é um presente dela.
Primeiro dia de aula, segundo ano do colegial. Eu já deveria estar no último, entretanto consegui repetir um ano. Ainda estudo na mesma escola, tenho as mesmas amigas que agora por sorte estão na mesma sala que a minha.
Escovo os dentes, mantenho o meu cabelo solto, o cheiro de shampoo me fazia pensar que estava indo para uma festa, ou um lugar realmente legal. Entretanto, seria apenas a escola. Mesmo assim, aconselho não ir de qualquer jeito, principalmente se for uma escola igual à minha. Maquiagem bem de leve, só para mostrar uma autoestima.
Caminho lentamente para a cama, inclino sobre ela e sussurro ao ouvido do jovem loiro e dono de um sorriso perfeito.
— Lamento informar, mas você não pode mais ficar aqui — disse convencida acariciando o seu cabelo, ele então se vira ainda sonolento e toca delicadamente o meu rosto.
— Outra opção é você ficar aqui comigo.
— Me desculpa meu anjo. Não posso ficar – falei já me afastando da cama — E você não deveria estar indo para seu emprego dos sonhos?
— A essa hora? Não mesmo, essa é a vantagem de ser o melhor. — ele estica-se rolando o seu corpo para o outro lado da cama.
— Estou vendo, é melhor colocar algo ao sair, está um pouco frio hoje.
— Como consegue ter tanta energia depois de uma noite daquelas?
Ele debocha com um sorriso.
— Ora, eu sou uma colegial, se sobrevivo as longas e torturantes horas na escola, acordar cedo é o de menos.
— Eu de fato não nasci para acordar cedo! — ele resmunga.
— Ou talvez você esteja velho demais, loiro.
— É Luís.
— Me deseje sorte no primeiro dia de aula. Ah e tome cuidado ao sair, tem câmeras por toda parte e sensores de movimentos também, nada que te impeça de ir até a cozinha para comer algo, mas você sabe, não posso fazer nada se algum deles disparar!
É tudo o que digo piscando para ele e já saindo do quarto. Ele fala algo que não consigo entender, mas tanto faz. Desço as escadas, ando apressadamente até a casa da Jessie Willes para assim seguir o ritual da escola.
Como a minha casa ficava perto da dela íamos juntas no carro e o seu pai fazia questão de nos levar. A escola ficava a algumas quadras dali, e Jess já sabia dirigir, assim como eu, porém não tínhamos oficialmente habilitação.
— Qual é pai, só hoje, que mal pode acontecer? — Jess suplicava com as mãos juntas, mas sua expressão desolada entregava a resposta.
— Pode haver rondas no trânsito, e descobrir que alguém não tem habilitação, sabe a resposta Jessie.
— Não! — falamos juntas com a mesma expressão tediosa de todos os dias, ela abre a porta e senta no banco do carona, e eu me acomodo na parte de trás, sempre foi assim, já que os meus pais nunca fizeram questão de me levar, e ir com o ônibus escolar era suicídio.
O pai de Jess até me via como um membro da família. Colocamos o cinto de segurança e seguimos caminho.
— Mas acho que hoje ele quase cedeu. — exclamei ironicamente para provoca-la.
Como todo pai preocupado com sua filha, correção, sua única filha. Até que ele estava sendo bem liberal, deixava Jess sentar no banco da frente o que já era muito, sem falar no seu visual rebelde. Ela usava um boné para trás que se fazia uma marca registrada de sua personalidade. Assim como suas roupas estilo skatista, só que mais sexy, seu longo cabelo loiro ficava bagunçado na maior parte do tempo, mas segundo Jess, era estilo.
A jogada com Jessie Willes é que, primeiro, ela foi a primeira amiga que fiz nesta cidade, segundo, ela é tão imprevisível e louca quanto eu. Terceiro, ela realmente me entende, quando estou com ela os dias são melhores, parecendo um anjo perfeito demais para existir, ou como se existisse alguma ligação profunda entre nós, e quarto: ela tem os olhos verdes mais lindos que já vi na vida.
Seu pai surtava quando o assunto era “manter Jess a salva” Ele é um tipo de psicólogo encanado, então é extremamente preocupado e cauteloso, a via como uma criança que não pode nem atravessar uma rua sozinha.
Mal ele sabia que aos sábados quando aparentemente íamos para casa de Taylor, corríamos feito cães selvagens em rachas de motocross, sim motocross, um esporte secreto que todas nós adorávamos.
— Isis, como está se saindo morando sozinha? Não deixou nada ligado, não é?! Sabe que essa é a regra número um — seu pai me pergunta alegremente, me olhando pelo retrovisor.
— Ah, muito bem, fico assistindo TV até tarde e tal. Mas não se preocupe, eu acho que dou conta.
— Sabe que se precisar, é só chamar. Adoramos quando você passa um tempo conosco, não é Jessie?!
Jess acena com a cabeça, ela não gostava que as pessoas a chamassem de Jessie, só seus pais tinham permissão para tal, para os outros era Jessie Willes ou somente Jess como eu a chamava.
— Eu sei seu David! E também adoro ficar com vocês, me faz bem.
Ele sorri e logo volta a se focar no volante, olho para Jess que também mostrava algum sorriso, um sorriso cheio de malícia que eu entendia muito bem. Afinal, ela me conhecia melhor do que eu mesma.
— Chegamos! Boa aula meninas, venho pegar vocês mais tarde.
— Até mais pai.
— Até mais Seu David.
Nos despedimos, e caminhamos rumo a entrada da escola.
— Assistindo TV até tarde? Você é uma completa mentirosa — disse Jess envolvendo seus braços em volta do meu pescoço e dando gargalhadas.
— Bom, alguém tem que manter a pose de boa garota — pisquei para ela que riu de minha provocação.
— Você? Boa garota, qual é? – ela aperta minhas bochechas com um tom irônico, e então continua, — Sorte isso sim! Eu queria que meus pais fossem tirar férias por um mês e me deixassem sozinha em casa.
— Seus pais trabalham, você fica cerca de duas horas por dia sozinha, não reclame.
— Isis, Isis, o que é duas horas comparado a um mês? É inútil relevar isso!
Ela encostou ainda mais o braço em volta do meu pescoço, eu conseguia sentir perfeitamente o calor vindo de seu corpo. Em momentos assim meu rosto sempre corava, mas eu não ligava pois já tinha me acostumado com esse jeito estabanado dela de ser, apenas aproveitava envolvendo minhas mãos em sua cintura. E o lado bom é que conseguia sentir perfeitamente seu perfume suave.
— E a propósito o que houve com o cara dos cabelos dourados? Hm... William?
— Luís! — a corrigi. — A essa altura? Deve estar voltando para Phoenix.
— Ah, eu não acredito! E você nem pegou um número eu suponho? — ela diz aos gritos, agitando os braços para o ar.
— Calma jovem! – falei — Se minhas teorias estiverem corretas ele deixará o número do telefone anotado, em cima da escrivaninha para ser mais precisa, com os dizeres: Adorei te conhecer a noite foi incrível me liga. E consequentemente esquecerá das virgulas, pois ele não me parecia ser o tipo de cara que...
— Aah Isis! – ela explode em um grito — Você me enlouquece sabia? Esquece essas teorias malucas, você não quer achar o cara ideal e que tudo sempre saia de acordo com o que você espera, não é?
— Minhas teorias nunca...
— Mentem — ela completa.
— Porque parece irritada Jess?
— Isis, você não pode controlar tudo!
— Mais aí que está, eu não quero controlar nada, eu apenas suponho, não é culpa minha se acerto sempre!
— Que convencida! — Jess diz impaciente, apertando com força minhas bochechas como punição. — Francamente, já é loucura deixar um estranho passar a noite com você sozinha naquela casa, e é ainda mais louco não pegar algum contato, aposto que William era um nome falso.
— Luís! — a corrijo novamente.
— Ah tanto faz, você não vai ligar mesmo.
— Jess, Relaxe! Se quiser te passo o número dele, ele vai deixar em cima da escrivaninha, tão bobo. Mas é um cara legal!
— Haha. Até parece que você não conhece meus pais, e outra, eu jamais ficaria com um ex seu, mesmo sendo por uma noite.
— Que fofa Jess! Esqueci que você é uma santinha — falei com uma voz engraçada apertando suas bochechas igual ela fazia comigo.
— Não sou santinha, sou apenas uma amiga de verdade.
— Jess, se anime! Agora eu sou livre, não quero começar um relacionamento, e sim aproveitar ao máximo. Minha vida não vai mudar só porque dormi com um cara que nem conheço e que provavelmente nunca mais voltarei a ver — falei ajeitando minha roupa e apressando meus passos para a entrada da escola. — Vamos Jess, o sinal soará em um minuto.
— Ah, Claro! Senhorita-controlo-tudo-em-minha-volta — retruca Jess.
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Atualizado até capítulo 64
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