Capítulo 4

Kevin e eu chegamos ao meu apartamento entre risadas. Eu tinha contado a ele o que aconteceu no parque, mas omiti certas informações sobre as sensações que aquele encontro fortuito havia despertado em mim. Enquanto eu me dirigia para tomar um banho, Kevin se comunicava com Marie para preparar um almoço em casa, já que fazia muito tempo que não conseguíamos ter um sábado completamente livre os três. Enquanto eu tomava banho e limpava meus arranhões, minha mente só pensava naquele olhar, tão profundo, tão lindo. Era como se cada detalhe daqueles olhos tivesse sido gravado na minha mente. Reprimi a mim mesma mentalmente, o que diabos estava acontecendo comigo? Era um completo desconhecido, cujo nome eu nem sabia e que nunca mais veria. Talvez eu esteja há muito tempo sem sair em um encontro com algum homem, por isso minha reação foi tão exagerada para um encontro quase sem importância. Sim, provavelmente era isso, e amanhã eu nem me lembraria mais dele. Tinha coisas mais importantes em que pensar do que em algum homem qualquer que passeava seu cachorro sem coleira, como se ele fosse se lembrar de mim. Fui para o meu armário e escolhi uma calça jeans desgastada, uma camiseta branca de mangas curtas e tênis da mesma cor. Fiz um rabo de cavalo alto no meu cabelo e fui para a cozinha, onde deixei Kevin preparando tudo para adiantar o almoço. Ao chegar à cozinha, encontrei Kevin bebendo uma cerveja e rindo com Marie, como eu já imaginava, pois Kevin a havia colocado a par de tudo o que aconteceu pela manhã.

— Mal passam das 11 da manhã e já estão bebendo cerveja? — comentei apoiada na moldura da cozinha, tentando parecer acusadora.

—Ah, não! E não! Não venha me dar lições de bons costumes! É sábado, droga! E além disso... eu precisava, a história do livro da manhã está muito interessante — comentou Marie com um sorriso radiante em seu rosto e muito entusiasmada, diria até demais.

Estreitei os olhos, olhando para Kevin e negando com a cabeça, e disse:

—Você sabe? Você é o pior dos fofoqueiros! Não tem algum juramento para cumprir ou algo assim? — perguntei enquanto me aproximava de Marie para abraçá-la e sentar ao seu lado no balcão.

— Chama-se juramento hipocrático, e só devo isso aos meus pacientes — respondeu Kevin encolhendo os ombros e dando um gole em sua cerveja.

— Vai lá, solta, me diz se ele era atraente, qual é o nome dele, e qual a idade dele? — perguntou Marie, atropelando suas palavras, com um olhar inquisitivo e ansioso.

— Marie, respira um pouco, eu não estou no banco dos réus, lembra? Foi apenas um acidente no parque, eu nem sei quem ele é... — respondi tentando minimizar a importância e mostrando indiferença.

— Desculpa, mas no momento em que cheguei, você estava olhando para ele como se fosse a última Coca-Cola no deserto, amiga — respondeu Kevin com um sorriso irônico.

— Ah, pelo amor de Deus, Kev! Sério?! Eu só estava sendo gentil com ele, ele se sentiu culpado e foi apenas um acidente! — defendi-me, sem mais.

— Ah, sim, gentil você, com um desconhecido, e tentando fazê-lo se sentir melhor? E quer que acreditemos nessa história? Por favor, Anna, somos seus amigos e sabemos como você reage a qualquer aproximação do sexo oposto — disse Marie com total convicção.

Era verdade, meu único e último namorado foi o Matt, e isso foi na universidade. Não foi uma boa experiência, aliás, é algo que tento esquecer diariamente, e jamais dei detalhes do meu relacionamento para ninguém, nem mesmo para meus amigos. Eles souberam abruptamente que nós terminamos, naquele momento eles viram minha atitude fria e fechada e decidiram respeitar meu silêncio até eu estar pronta para falar sobre isso. Desde então, não apenas não confiava nos homens, como também me afastava assim que se aproximavam, exceto hoje...

— Estou sendo honesta, pessoal. Ele me transmitiu confiança, talvez por isso eu tenha agido daquela maneira. Ele foi muito educado e nunca cruzou qualquer linha, só se preocupou em me deixar bem — tentei ser o mais honesta possível, e na verdade, o que acabei de dizer não era totalmente mentira, talvez apenas uma pequena mentira por omissão.

— E o fato de o homem ser atraente não influenciou em nada? — soltou Kev sem nenhum tipo de reparo.

Ah não, não, não!!! além disso, ele era atraente?? por favor, me diz que você pegou o número dele, o nome, algo?? - gritou Marie levantando as mãos no ar de forma exagerada.

— Marie, por favor! Não batemos nos veículos e eu pedi os dados do seguro dele, mulher!! Eu só caí porque o cachorro dele me empurrou, é só isso — expliquei pacientemente.

— Você não achou nada atraente de verdade? nada chamou sua atenção? — perguntou Kevin cruzando os braços sobre o peito...

— Nada - respondi tentando parecer segura. — Ele só parecia alguém confiável, e não dediquei mais que 10 minutos da minha vida a ele - disse levantando para cortar legumes e começar o almoço.

— Uhummm — responderam os dois em coro e então todos explodimos em risadas.

— Aliás, hoje é o aniversário do Theo, e é claro que vocês estão convidados, então, já que todos nós temos o fim de semana livre, podemos ir atrás de comida e bebida de graça — disse sorrindo e olhando de soslaio para eles, sobre um dos meus ombros.

— Você vai a uma festa do seu irmão??!! — perguntou Kev com os olhos arregalados e o rosto totalmente surpreso — O apocalipse chegou e você não nos avisou nada?! - brincou Kevin.

— Finalmente!!!! — Exclamou Marie animada — A que santo devo acender uma vela como agradecimento!! Não quero ouvir os detalhes do porquê estamos indo, pelo menos não hoje, caso você se arrependa, mas sua decisão me deixa muito feliz — disse Marie assentindo com a cabeça e levantando sua cerveja em sinal de brinde.

— Sua empolgação é porque eu vou a uma festa, ou melhor dizendo, vamos, ou porque você verá Theo? — perguntei com um olhar cúmplice e zombador.

— Ambas!!! — gritou Kevin, enquanto se dirigia ao banheiro, rindo da situação.

Marie revirou os olhos em sinal de frustração, ficou ao meu lado para terminarmos de cozinhar juntas, deu-me um leve empurrão com o ombro e sorriu docemente para mim.

— Não sei a que se devem as mudanças, Anna, e não vou te pressionar para me contar, mas eu gosto delas — piscou para mim e continuou preparando a salada.