Sthefany scoobar
(1850 – 1894)
Tradução de autor anônimo do séc. XX
— Sim — disse o antiquário —, meus lucros são de várias espécies. Alguns fregueses são ignorantes; eu ganho com eles o que entendo no meu alto pensar. Alguns são desonestos — acrescentou, erguendo a vela que tinha na mão, de modo a iluminar a cara do visitante. — E, nesse caso, tenho de ganhar pela minha virtude.
Markheim tinha apenas deixado a claridade da rua e seus olhos ainda não se haviam familiarizado com a meia obscuridade da loja. Ouvindo as palavras do negociante, e antes que a luz lhe ferisse a face, esquivou-se, procurando olhar para o outro lado.
O negociante riu-se e disse:
—O senhor vem à minha casa no dia de Natal, quando sabe que estou só, já tendo fechado as portas e preferindo recusar negócios. Terá, pois, de pagar por isso. Terá de pagar minha perda de tempo, que deveria empregar na verificação dos meus livros. Terá de pagar, além disso, por umas maneiras que lhe estou a notar hoje, muito fortemente. Sou a essência da discrição. Não costumo fazer perguntas estúpidas. Mas, quando o freguês não pode encarar-me, tem de pagar por isso.
E riu-se ainda o logista. Em seguida, acrescentou, sempre no mesmo tom de ironia:
— Há de poder dar-me, decerto, como de costume, uma informação clara de como o objeto chegou às suas mãos. Trata-se ainda do gabinete de seu tio? É um notável colecionador?
O antiquário era um homem de pequena estatura e pálido. Ergueu-se na ponta dos pés. Olhou para Markheim por cima do aro de ouro dos óculos e abanou levemente a cabeça, com ar de absoluta descrença. O freguês retribuiu-lhe o olhar com outro de infinita piedade e parecendo alterado.
— Desta vez — disse ele —, o senhor está enganado. Não vim vender, mas sim comprar. Vim comprar um presente para uma senhora. Decerto, devo pedir-lhe desculpas, vindo incomodá-lo por uma coisa tão pequena. A verdade, porém, é que me esqueci disso ontem. Devo comparecer hoje ao jantar, para levar meus cumprimentos à pessoa em questão. E, como sabe, um casamento rico não é coisa para desprezar.
Seguiu-se uma pausa, durante a qual o antiquário parecia estar a sopesar sua incredulidade. O tique-taque de vários relógios, entre muitos objetos amontoados na loja, e o rodar abafado das carruagens fora quebravam o silêncio…
— Bem, senhor — disse o antiquário —, pois seja assim. Afinal, o senhor é um freguês antigo. E se, como diz, tem a probabilidade de fazer um bom casamento, longe de mim a ideia de lhe opor um obstáculo. Aqui está, pois, um belo objeto para uma dama: um espelho de cabo, obra do décimo quinto século. Foi, também, de uma bela coleção. Guardo o nome do colecionador, no interesse de um freguês que é, exatamente como o senhor, sobrinho e único herdeiro de um notável colecionador.
Enquanto assim falava, o lojista tinha tirado de uma prateleira o objeto em questão. Olhando-o fazer, Markheim sentiu um abalo nervoso, que o fez vibrar da cabeça aos pés e lhe transpareceu na face, de algum modo convulsionada por um tumulto de paixões. Mas aquilo foi rápido. Como veio, assim passou, ficando-lhe apenas um certo tremor na mão, com que agora recebia um espelho.
— Um espelho! — disse ele, com voz rouca; e, depois de uma pausa, repetiu mais claramente: — Um espelho! Para presente de Natal? Decerto que não serve.
— E por que não? — volveu o lojista. — Por que não serve um espelho?
Markheim olhava-o, com uma expressão indefinível.
— O senhor pergunta-me por que não? Pois bem, olhe isso! — disse, pondo o espelho diante da cara do antiquário. — Gosta de se ver? Não! Nem eu. Nem ninguém.
O homenzinho deu um salto para trás quando Markheim lhe pôs o espelho na cara. Mas, logo percebendo que não houvera nada de mal no seu gesto, disse, rindo-se:
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