Eu não sei por que ela me trouxe aqui. Ela diz que eu tenho problemas, que eu não sou normal, que eu preciso de ajuda. Mas eu não vejo nada de errado comigo. Eu só gosto de brincar com os meus amigos, os meus amigos invisíveis.
Eles são muito legais, eles me entendem, eles me fazem rir. Eles têm nomes divertidos, como Zeca, Lila, Beto e Nina. Eles me contam histórias, me ensinam coisas, me mostram lugares. Eles são os melhores amigos que alguém pode ter.
Mas ela não gosta deles. Ela diz que eles não existem, que são fruto da minha imaginação, que eu tenho que parar de falar com eles. Ela diz que eu sou diferente dos outros meninos da minha idade, que eu deveria fazer amigos de verdade, que eu deveria ir à escola, que eu deveria ser mais sociável.
Ela não entende nada. Ela não sabe como é se sentir sozinho, como é ser rejeitado, como é ser diferente. Ela não sabe como é ter medo do mundo, como é querer fugir da realidade, como é precisar de um refúgio. Ela não sabe como é ser eu.
Por isso ela me trouxe aqui, para esse lugar estranho, cheio de gente estranha. Ela diz que é um psiquiatra, que ele vai me ajudar, que ele vai me curar. Mas eu não quero ser curado, eu não quero mudar, eu não quero perder os meus amigos.
Ele me chama para entrar na sua sala. Ele tem um jaleco branco, um óculos redondo, um cabelo grisalho. Ele tem um sorriso falso, uma voz suave, um olhar penetrante. Ele me assusta.
Ele me pede para sentar no sofá. Ele se senta na poltrona em frente a mim. Ele pega um bloco de notas e uma caneta. Ele começa a fazer perguntas.
- Como você se chama?
- Pedro.
- Quantos anos você tem?
- Nove.
- O que você gosta de fazer?
- Brincar com os meus amigos.
- Quem são os seus amigos?
- Zeca, Lila, Beto e Nina.
- Eles estão aqui com você?
- Sim.
- Onde eles estão?
- Ali, ali, ali e ali.
Eu aponto para os cantos da sala. Ele olha para onde eu aponto e franze a testa. Ele anota alguma coisa no bloco.
- Você sabe que eles são invisíveis?
- Sim.
- Você sabe que eles são imaginários?
- Não.
- Como assim não?
- Eles são reais para mim.
- Mas eles não são reais para os outros.
- Eu não me importo com os outros.
- Por que não?
- Porque eles não gostam de mim.
- Quem não gosta de você?
- Todo mundo.
Ele suspira e balança a cabeça. Ele anota mais alguma coisa no bloco.
- Você tem algum amigo que não seja invisível?
- Não.
- Você vai à escola?
- Não.
- Por que não?
- Porque eu não gosto.
- O que você não gosta na escola?
- Tudo.
- Você pode ser mais específico?
- Não.
Ele parece impaciente e irritado. Ele anota mais alguma coisa no bloco.
- Você sabe por que você está aqui?
- Porque ela me trouxe.
- Quem é ela?
- A mulher.
- Que mulher?
- A mulher que mora comigo.
- Ela é a sua mãe?
- Não.
- Quem é ela então?
- Eu não sei.
Ele arregala os olhos e abre a boca. Ele anota mais alguma coisa no bloco.