Em todas as épocas festivas, sem excepção, a ladainha era a mesma. Aquele homem maldizia a esposa e o seu útero defeituoso, que o brindou com cinco filhas e, desajeitada, se esvaiu em sangue no último parto. Sem lamúrias; para ele, era menos uma imprestável. Nenhuma delas saberia cuidar da quinta da família. Faltava-lhes arcaboiço para cultivar as terras, vindimar e tratar do gado.
As quatro mais velhas debatiam-se para agradar o pai, que cego e vazio ignorava a mendigação. A mais nova era a única que não lamentava a ausência do colo paterno, nem se importava de não conhecer o cheiro a camomila do seu cabelo.
Exaustas de combater o desamor, uma a uma, soltaram as amarras que as ligavam ao pai, que agradeceu por nunca mais ali terem regressado. Apenas a benjamim permaneceu firme. Quando o pai acamou, preparou-lhe um quarto improvisado na sala. Era naquela divisão que ficavam as maiores janelas. Posicionou a cama articulada no melhor ângulo. Subiu a cabeceira. Arredou os cortinados. Lá fora, via-se toda a extensão da quinta.
Fixou o pai, que se contorcia. O rosto avermelhado daquele demónio relembrou-a de que estava na hora da partida. Saiu silenciosa, com os gritos como barulho de fundo. Trancou a porta e caminhou em direcção ao exterior da quinta, desviando-se dos animais espalhados pelo chão. As árvores eram agora cinzas. A terra banhada com ácido nunca mais seria fértil.
Quatro. Elas eram quatro. A quinta era a punição divina.
*Este texto foi redigido segundo o Acordo Ortográfico de 1945