A água estendia-se até aos limites da visão, envolta por árvores que a escondiam do mundo. Ali, a floresta parecia mover-se com espírito e as ondas sussurravam no encontro com a praia de seixo basáltico.
Leonel sentia que o seu estômago tinha dado um nó sobre si mesmo, levando o conteúdo à boca. As poucas palavras que pronunciara tinham saído azedas. Diria dever-se aos movimentos engulhosos do barco sobre os abalos famintos da água, mas eram apenas condição agravante. Demorar-se ali encurtaria a vida de Ícaro. Olhou para o relógio antigo que trazia no pulso desde menino: oito e vinte e dois — continuava parado desde manhã.
Sorriu para o filho, sentado hirto à sua frente, e remou mais rápido. Quando chegou ao centro da baía, pousou os remos e olhou para o céu. Respirou fundo.
— É melhor não os fazeres esperar, pai — afirmou Ícaro.
— Tens razão. — Leonel tirou o relógio e estendeu-o ao filho, que o guardou no bolso dos calções.
Abrindo a mochila que trazia aos pés, Leonel retirou uma adaga que refletiu a luz e quase encandeou Ícaro. Este cerrou os olhos na proximidade do sol. O barco baloiçou com maior amplitude, a água em seu torno agredindo-o com impaciência.
Leonel debruçou-se sobre a alheta. Ao olhar para fora da embarcação, pensou ver-se a si mesmo perdido no vazio. Pensou ver o futuro. Mas o outro Leonel sorriu-lhe, e o reflexo tinha fome.
Levou a lâmina à garganta e degolou-a. O sangue jorrou e misturou-se com a água da baía, que respondeu ao elevar os seus sussurros a gritos. O corpo de Leonel ficou pendurado no barco, a testa mergulhada na água, as pernas sacudindo os últimos impulsos elétricos para fora das células.
Ícaro aproveitou um pontapear do pai e impulsionou-o com as duas mãos, fazendo o corpo tombar para dentro de água. Agarrou-se às bordas do barco e esperou que o tumulto passasse. Quando a baía deixou de borbulhar, e os gritos retornaram a sussurros, o rapaz procurou o relógio dentro do bolso.
Oito e vinte e dois. Tique-taque-tique-taque.
Agora, só tinha de remar de volta à margem.