A Imagem No Espelho

...Sophie Histon...

Com os dias passando em um ritmo quase cruel, a data do casamento se aproxima como uma batida constante no peito. O som não vem de fora — vem de dentro. É o compasso do medo, da expectativa e do amor, todos caminhando juntos, apertando minha respiração sempre que penso no altar.

Victoria, como era de se esperar, tomou as rédeas de tudo. Ser madrinha não basta para ela — precisa ser protagonista da festa também. E, honestamente, eu agradeço. Sem sua energia incansável, eu não teria forças nem para escolher o tipo de flor.

Só deixei claro uma coisa: não quero luxo. Nem vestidos bufantes, nem festas que pareçam espetáculo. Quero algo íntimo. Algo que tenha cheiro de floresta e gosto de verdade. Uma cerimônia na reserva. Nós, os mais próximos, e a natureza como testemunha.

Mas Victoria tem outras ideias. Claro que tem.

— Sophie, você precisa de um vestido que diga ao mundo: “sou a mulher do alfa”.

Eu ri, cansada.

— Eu só quero parecer... eu mesma.

E é com esse conflito que acabamos em uma boutique elegante de Valle Hills, onde os vestidos de noiva parecem ter saído direto de sonhos que nunca me pertencem. Os provadores são grandes demais, os espelhos — cruéis demais.

O primeiro vestido me sufoca. Rendas demais, brilhos demais, cintura marcada como se meu corpo ainda fosse o mesmo de antes.

— Este é perfeito, Sophie? — Victoria pergunta animada, mas ao me ver no espelho, só sinto o oposto.

— Não gostei — murmuro, puxando a saia desconfortável — muita renda, detalhes demais na cintura. Me sinto como uma princesa infantil... ridícula.

Victoria se posiciona atrás de mim e ajeita meus cabelos com doçura.

— Nada disso. Você está linda.

Linda.

Olho para mim de novo.

A pele pálida denuncia noites mal dormidas. As olheiras escuras não desaparecem nem com maquiagem. Meu corpo está mais magro, mesmo com a barriga levemente saliente. Os seios pesam e doem, e nada me parece harmonioso.

— Você teria algo mais liso? — Victoria pergunta à atendente — Talvez com um leve decote?

— Claro. Vou procurar.

— Decote? — arregalo os olhos — Você viu como meus seios estão enormes?

Ela ri, como se não fosse nada.

— Relaxa. Eu sei o que estou fazendo, Sophie. Confia em mim.

Minutos depois, a vendedora retorna com um modelo completamente diferente. E, ao vê-lo, algo em mim se silencia.

O vestido é liso, de um tecido acetinado que parece se fundir à luz. Possui um decote em coração que abraça com leveza o busto sem vulgaridade, com alças largas de renda delicada que sobem pelos ombros como se fossem tecidas à mão por fadas. As costas nuas expõem minha pele com uma elegância sutil. A cintura desce em um caimento fluido até os quadris, onde o tecido se acomoda como se me conhecesse.

Vesti-lo foi como respirar depois de dias sob a água.

Me vi diante do espelho, e por um segundo, quase não me reconheci.

Não pela beleza.

Mas pela paz.

— É esse, Victoria — minha voz saiu mais suave do que eu esperava — É este.

Ela sorriu com um brilho orgulhoso nos olhos.

— Você está maravilhosa, prima. Trevor vai ficar de queixo caído.

Olhei meu reflexo uma última vez. Ainda havia olheiras. A magreza. O cansaço. Mas havia também algo novo.

Algo que crescia em mim.

Uma mulher. Uma mãe.

E agora...

Uma noiva.

— Não sei se ele vai gostar tanto assim... mas disfarça um pouco minha barriga — Victoria sorriu, tentando soar casual.

— Você não tem que se preocupar com isso — murmurou, tocando de leve minha barriga. — O que importa é como você se sente. O que você quer.

Ela segurou meu olhar por alguns segundos antes de desviar, os olhos marejando.

— Eu sempre quis ser mãe... e agora isso é impossível, Sophie.

O nó na minha garganta me impediu de responder de imediato.

— E é tudo culpa minha — minha voz saiu baixa, embargada. — Me perdoa, Victoria.

Ela apenas sorriu e sacudiu minhas mãos com ternura.

— Eu estou bem, Sophie. Feliz. Com o homem que amo... E, além disso, serei jovem eternamente — tentou brincar.

— Sua boba — ri com um aperto no peito. — Só não quero que se sinta excluída. Essa criança vai te amar. Vai te querer por perto em todos os momentos. Você será parte disso, sempre.

Victoria me puxou para um abraço apertado.

— Você sabe que é como uma irmã para mim, não sabe?

— Eu também te amo, Victoria. Para sempre.

Depois que compramos o vestido, voltamos para MistFalls. Ela me deixou em casa e seguiu para a casa dos Barton.

— Mãe? — chamei ao abrir a porta. — Voltei.

— Espera um pouco, Sophie. Fique onde está! — sua voz soou apressada.

— Hein? — franzi a testa. — O que está acontecendo?

— Só mais um instante, querida... Sarah, isso é aqui, garota! — as duas riram.

— Sarah? O que vocês estão aprontando aí?

— Pode vir, meu bem!

Entrei na sala... e perdi o fôlego.

No centro, havia um mini berço de madeira clara. Oval. Cada detalhe entalhado à mão — passarinhos esculpidos nas grades e um mobile de tecido com pássaros coloridos balançando levemente. Meu coração se apertou, e as lágrimas vieram antes mesmo de eu conseguir dizer qualquer coisa.

— É lindo, mãe...

Ela me abraçou com ternura.

— Ele era seu, filha. Sarah teve a ideia de restaurá-lo.

— Mas... você tinha se desfeito de tudo quando nos mudamos daqui...

— A mãe dela guardou — explicou Sarah com um sorriso leve. — Estava no sótão. Quando comentei, sua mãe quis vê-lo, e eu sugeri reformar.

Acariciei os detalhes da madeira como quem toca uma lembrança viva.

— Está perfeito. Obrigada. De verdade.

As abracei, uma de cada vez, o coração transbordando.

— Agora queremos ver o vestido! — Sarah sorriu, animada.

— Assim não vale — ri. — Quero que todos vejam juntos.

— Sophie, é só um vestido!

— Pra mim não é só isso. Agora vou subir, tomar uma ducha e descansar um pouco.

— Inacreditável! Vai nos deixar na curiosidade?

— Já deixei! — brinquei, subindo as escadas com um sorriso nos lábios.

...✧...

Entrei no quarto ainda com o riso preso no rosto. Guardei o vestido no closet com um cuidado quase sagrado. Meus dedos passaram pelo tecido como quem acaricia um futuro. Suspirei e fechei os olhos. Bastou um segundo, e o nome dele surgiu em minha mente como um sussurro inevitável: Trevor.

Revivi mentalmente cada momento. Os toques. As palavras sussurradas. O calor. O conflito. A entrega.

Fui até o banheiro e liguei a banheira. Enquanto a água enchia, tirei lentamente a roupa, como se cada peça carregasse um peso. Entrei na água morna com um arrepio involuntário, permitindo que o calor me envolvesse. A espuma se espalhou, e eu mexia levemente os dedos, manipulando a água para que massageasse meu corpo cansado.

— Isso... isso é bom demais — murmurei, deixando os olhos se fecharem.

Mas... algo mudou. Senti primeiro uma resistência. Depois, a água simplesmente parou de responder ao meu comando. Olhei minhas mãos, estendi os dedos, tentei de novo. Nada. A água permaneceu imóvel.

Um arrepio frio percorreu minha espinha.

— O que está acontecendo comigo?

Meus poderes estavam falhando. E não era a primeira vez.

Fechei os punhos, frustrada, respirei fundo. Empurrei o medo para longe e apenas tentei relaxar. Apoiei a cabeça na borda da banheira, permiti que o silêncio me abraçasse... por alguns minutos.

Quando abri os olhos de novo, quase não reconheci o cenário.

A água... havia mudado de cor.

Um vermelho vivo e intenso preenchia a banheira como se o próprio sangue tivesse tomado conta do meu corpo.

— Meu Deus...

O pânico me paralisou por um segundo. O sangue escorria pelas minhas pernas, tingindo a espuma com violência.

Saí da banheira em um salto, o chão ficando manchado à medida que meus pés o tocavam. O medo era visceral, quase físico. Peguei o celular com mãos trêmulas e disquei para Trevor.

— Atende... por favor...

Mas antes que a chamada completasse, uma dor rasgou meu abdômen. Fiquei de joelhos, sem ar, e o celular escorregou das minhas mãos. A dor era insuportável, como se algo dentro de mim estivesse sendo arrancado.

A última coisa que senti foi o chão frio e a sensação de que algo muito, muito errado havia começado.

Então tudo escureceu.

Despertei sob o aroma ácido e penetrante de iodo, que imediatamente invadiu minhas narinas como uma lembrança cruel de que algo estava errado.

Abri os olhos devagar, a claridade suave do cômodo me obrigando a piscar várias vezes. Estava deitada, coberta até a cintura por um lençol pálido. Meu abdômen latejava com uma dor surda, contínua… algo entre queimação e pressão.

— O que aconteceu...? — minha voz saiu baixa, rouca, como se tivesse sido sugada por um pesadelo interminável. — Onde... onde eu estou?

A resposta veio com a calma grave de Muron.

— Está em minha casa, Sophie. Fique tranquila, está segura.

Segura. Uma palavra que me pareceu irônica diante da dor que irradiava pelo meu corpo.

— Está doendo... — levei a mão até o ventre, tentando disfarçar o tremor dos dedos. — Como cheguei aqui...?

— Trevor te trouxe. Ele saiu com Iasmin para buscar algumas ervas que possam aliviar sua condição.

Ao ouvir o nome dele, meu peito se apertou. Senti uma vontade quase infantil de vê-lo, de ter sua mão entrelaçada na minha.

— O bebê... está tudo bem com o bebê?

Muron se aproximou, sua expressão era carregada de algo que não consegui decifrar de imediato.

— O que você se lembra?

Fechei os olhos por um instante, como se pudesse rebobinar a memória.

— Eu estava no banho... vi sangue. Muito sangue. Tentei me levantar pra ligar para o Trevor... mas a dor me derrubou. Depois disso, tudo ficou escuro.

— Sophie... — ele hesitou. — Não tenho boas notícias.

As palavras não precisaram vir completas. Um frio invadiu meu estômago, uma vertigem tomou conta dos meus pensamentos.

— O que está acontecendo comigo...? — perguntei com a voz trêmula, sentindo a pele arrepiar em resposta ao pânico que me dominava.

— Você vai precisar tomar uma decisão importante. Mas não quero falar sobre isso sem a presença de Trevor.

— Não me diga que... — minha voz falhou, os olhos arderam — ...que o bebê…

Ele ergueu a mão, interrompendo o desespero antes que transbordasse por completo.

— Não é um aborto, Sophie. É... algo pior. Algo extremamente raro — e perigoso.

Fiquei em silêncio. A dor física se tornava um sussurro ao lado da tempestade que começava a se formar dentro de mim.

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Comments

Virginia Conceicao Silva Brito Brito

Virginia Conceicao Silva Brito Brito

ela não pode perde o bebê e bem morrer

2024-01-23

0

Silvia Araújo

Silvia Araújo

ela não pode perder o bebê 😭😭😭😭

2022-11-08

2

Alexandre Silvino

Alexandre Silvino

não...🥺🥺🥺

2022-01-29

3

Ver todos
Capítulos
1 PRÓLOGO — A DAMA DA NOITE
2 A Imagem No Espelho
3 Minha Escolha
4 Primeiro Amor
5 Senhora Belmont
6 Lua De Mel Rumo Ao Declínio
7 Guardiões
8 Alto Sobrevivência
9 Anjos Não Mentem
10 Ecos No Silencio
11 Entre o Corpo e a Razão
12 Amor Onde Você Está
13 Cego Pela Irá
14 Silêncio do Lobo
15 É Apenas Um Pesadelo
16 O Vampiro Que Me têm
17 Dependência
18 Os Caçadores
19 Alfa indefeso
20 Eu, o Lago e a Luz do Luar
21 Vampiro Digno
22 De Frente Com O Inimigo
23 Hannah
24 Meus Olhos E Tudo Dele
25 A Feiticeira
26 De Volta Para Casa
27 Não Me Abandone Mais
28 Névoa Da Mentira
29 Metades Perdidas
30 Neutro
31 Estratégia
32 Ecos De Confiança
33 É Ela.
34 Encarando O Monstro
35 Angústia e Decepção
36 Verdades Que Machucam
37 Peso De Uma Escolha
38 Fuga Repentina
39 Impacto Recorrente
40 Mosteiro
41 A Dor da Despedida
42 Quando Ele Retorna
43 Onde O Amor Habita
44 Noites de Surpresas
45 Eu Mudei
46 Lágrimas de Sereia
47 Como Se o Tempo Nunca Tivesse Passado
48 Doença da Terra
49 O Mago Transcende
50 Sussuros de Um Futuro
51 Revelações Invisíveis
52 O Orgulho Entre as Ruínas
53 Como Nos Velhos Tempos
54 O Sussurro das Árvores
55 De Frente Com O Predador
56 Memória, Sangue e Silêncio
57 Desfazendo Laços
58 A Canção da Floresta
59 O Cântico das Irmãs
60 O Coração Que Sangrou
61 Embriagado na Dor
62 Quando o Coração Voltar A Bater
63 Coração Angustiado
64 Ecos De Sangue e Sombra
65 A Metade que Resta
66 A Pedra e o Espelho
67 Silêncio após a tempestade
68 Asas ao Vento
69 Debaixo da Mira do Inferno
70 Sem Misericórdia
71 Céu em Sangue
72 Cativeiro Silencioso
73 Valentia por Amor
74 O Grito em Meio ao Escuro
75 De Sangue e Cinzas
76 Volta Para Mim
77 O Coração que Grita
78 Cinzas, Confissões e Corações Cativos
79 O Grito do Abismo
80 A Última Sombra
81 O Coração
82 A Dor Dela Me Mata
83 Coração de Pedra
84 Não é O Destino Final
85 Epílogo — Onde o Tempo Não Existe
Capítulos

Atualizado até capítulo 85

1
PRÓLOGO — A DAMA DA NOITE
2
A Imagem No Espelho
3
Minha Escolha
4
Primeiro Amor
5
Senhora Belmont
6
Lua De Mel Rumo Ao Declínio
7
Guardiões
8
Alto Sobrevivência
9
Anjos Não Mentem
10
Ecos No Silencio
11
Entre o Corpo e a Razão
12
Amor Onde Você Está
13
Cego Pela Irá
14
Silêncio do Lobo
15
É Apenas Um Pesadelo
16
O Vampiro Que Me têm
17
Dependência
18
Os Caçadores
19
Alfa indefeso
20
Eu, o Lago e a Luz do Luar
21
Vampiro Digno
22
De Frente Com O Inimigo
23
Hannah
24
Meus Olhos E Tudo Dele
25
A Feiticeira
26
De Volta Para Casa
27
Não Me Abandone Mais
28
Névoa Da Mentira
29
Metades Perdidas
30
Neutro
31
Estratégia
32
Ecos De Confiança
33
É Ela.
34
Encarando O Monstro
35
Angústia e Decepção
36
Verdades Que Machucam
37
Peso De Uma Escolha
38
Fuga Repentina
39
Impacto Recorrente
40
Mosteiro
41
A Dor da Despedida
42
Quando Ele Retorna
43
Onde O Amor Habita
44
Noites de Surpresas
45
Eu Mudei
46
Lágrimas de Sereia
47
Como Se o Tempo Nunca Tivesse Passado
48
Doença da Terra
49
O Mago Transcende
50
Sussuros de Um Futuro
51
Revelações Invisíveis
52
O Orgulho Entre as Ruínas
53
Como Nos Velhos Tempos
54
O Sussurro das Árvores
55
De Frente Com O Predador
56
Memória, Sangue e Silêncio
57
Desfazendo Laços
58
A Canção da Floresta
59
O Cântico das Irmãs
60
O Coração Que Sangrou
61
Embriagado na Dor
62
Quando o Coração Voltar A Bater
63
Coração Angustiado
64
Ecos De Sangue e Sombra
65
A Metade que Resta
66
A Pedra e o Espelho
67
Silêncio após a tempestade
68
Asas ao Vento
69
Debaixo da Mira do Inferno
70
Sem Misericórdia
71
Céu em Sangue
72
Cativeiro Silencioso
73
Valentia por Amor
74
O Grito em Meio ao Escuro
75
De Sangue e Cinzas
76
Volta Para Mim
77
O Coração que Grita
78
Cinzas, Confissões e Corações Cativos
79
O Grito do Abismo
80
A Última Sombra
81
O Coração
82
A Dor Dela Me Mata
83
Coração de Pedra
84
Não é O Destino Final
85
Epílogo — Onde o Tempo Não Existe

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