Eu não deveria.

Eu a trouxe. Não deveria, era só dar uns socos e a deixar ali, ou deixá-la na rodoviária, mas não consegui.. Não era problema meu. Mas algo na fragilidade dessa moça, nos olhos que imploravam sem saber como, me prendeu.

Estávamos ainda no trânsito da cidade, o barulho distante de carros e buzinas abafando o que acontecia dentro do carro. Meus olhos não desgrudavam dos machucados em seu corpo, roxos, vermelhos, marcas de mãos que não deveriam tocar ninguém. Ela tentava cobrir os braços com o casaco, mas era inútil.

— Quem fez isso com você? — minha voz saiu firme, carregada de raiva contida.

Ela respirou fundo, trêmula, olhando para baixo, como se dissesse que falar já doía demais.

— Luigi… meu marido — murmurou, a voz quase quebrando. — mas não fiz nada, juro.

Meu sangue gelou. Luigi. Um italiano, familiar por razões que não queria revisitar. Peguei o telefone, busquei uma foto e a mostrei para ela. Seus olhos se arregalaram, os lábios entreabertos.

— É ele… — confirmou. A mão dela tremeu. — Você conhece meu marido?

— Não pessoalmente… ainda — respondi, devagar, deixando a ameaça pairar no ar. — Mas vou conhecê-lo em breve, ele tem envolvimento constante com russos né?

— Sim, vivia em viagem entre Itália e Rússia, ah, meu Deus, de que lugar se conhecem?

Não respondi, e ela começou a me contar tudo. Os anos de humilhação, os abusos, as traições descaradas. A cada detalhe, a raiva subia dentro de mim, quente e urgente. Primeiro Sofia e minha filha… agora outra mulher sofrendo. E ela, tão pequena, tão silenciosa, que jamais teve chance de se defender. Meu punho apertou involuntariamente.

O carro subia a estrada que serpenteava pelo alto da montanha, à beira do mar. A casa que eu tinha era isolada, longe de qualquer olho curioso, segura. Mas antes de chegarmos, meu olhar caiu sobre sua mão. A aliança brilhava, esquecida, mas inegável, sem pensar, tirei a aliança do dedo dela. O metal frio escorregou entre meus dedos antes de ser jogado com força na rua caindo no mar. Ela piscou, surpresa, antes de me perguntar completei.

— Tinha rastreador.

Ela soltou um resmungo, misto de frustração e compreensão:

— Faz sentido… por isso você sempre me encontrava.

Fiquei em silêncio por alguns segundos, ouvindo o som do mar ao redor, mas sem sentir nada além da raiva fervendo, da necessidade de proteger aquela mulher que mal conseguia se erguer sozinha, e da determinação de confrontar o maldito italiano que ousou tocar nela.

O carro continuou seu caminho, mas naquele instante, o mundo inteiro se resumia a ela, aos machucados, ao casaco que cobria suas feridas… e à promessa silenciosa de que ninguém mais a faria sofrer enquanto eu pudesse impedir.

Eu a trouxe até a casa no alto da montanha como quem carrega um objeto frágil que não pode quebrar. O vento vindo do mar batia no rosto com gosto de sal, e a iluminação amarela do caminho fazia as pedras brilharem. Parei o carro na frente da porta. Abri e a ajudei a descer, cada movimento dela era lento, marcado por dor e cansaço.

Abri minha porta, ela entrou primeiro, ficou de pé, e antes que pudesse dizer para ela sentar, sua voz ecoou tão baixa que quase não ouvi.

— Qual é o seu nome? — ela perguntou, a voz pequena como um segmento de vidro.

Eu hesitei. Não costumo dar nomes; é melhor não criar laços.

— Não importa — respondi seco. — Não vamos ser amigos.

Ela deu um meio sorriso curto, cansado de tudo.

— Já estou acostumada — disse. — Vou embora ao amanhecer. Meu nome é Nicole. Nunca vou esquecer o que você fez, juro que amanhã vou embora, se quiser vou hoje, acho que tenho que ir hoje, só quero paz.

Aquelas palavras me atravessaram. “Antes queria vir, agora quer ir? Estranhei a reação, a inocência dela e minha impaciência com algo que eu não tinha intenção de encenar, mas fiquei em silêncio a lendo, a olhando fixamente.

Antes que pudesse responder, ela começou a tremer, primeiro um tremor nas mãos, depois pelo corpo todo, tentei me aproximar e, sem aviso, virou e correu para a rua.

O instinto me fez sair num salto. Corri atrás dela, pelo caminho de pedras, com o vento raspando o rosto, pensando que algo pior poderia acontecer. A adrenalina apertava o peito; cada passo ecoava no chão pedregoso.

Alcancei-a na esquina onde o asfalto encontrava o penhasco. Ela estava curvada, ofegante, com as mãos nas pernas, tentando controlar a respiração. Quando a segurei pelo ombro, ela virou o rosto e implorou, a voz quebrando:

— Por favor… não me leve de volta.

A culpa e a fúria vieram, uma memória que eu não sabia que continuava viva explodiram em mim. Tirei os cabelos molhados do rosto dela com cuidado, os fios grudados pela transpiração, e encarei os olhos que derramavam medo.

— Eu não sou um monstro — disse, a voz baixa, mas firme. — Ele vai pagar. Luigi vai pagar.

Aquelas palavras saíram cruas, perigosas, honestas. Eu disse “vai pagar” porque existia algo antigo ali, um nome, uma perda, uma promessa que eu ainda carregava como ferro quente. “Primeiro Sofia”, pensei, e a raiva subiu de novo: como alguém podia destruir outra vida? Como alguém pode machucar alguém tão belo e frágil?

Ela soluçou, e por um instante, mesmo contra minha própria decisão de manter distância, senti uma necessidade primária de protegê-la que não pude ignorar. Segurei-a com força, não para prender, mas para dar um ponto de apoio contra aquele desmoronar. Abraçá-la foi automático; senti o corpo dela tremer contra o meu, e a respiração dela, finalmente, encontrou um compasso mais lento.

Fiquei ali, com as ondas lá embaixo batendo na rocha, segurando-a como se o ato simples de permanecer firme pudesse consertar alguma coisa. Não era solução. Não era redenção. Mas naquele instante, enquanto ela chorava e eu a mantinha perto, parecia o único gesto sensato que eu sabia fazer.

Mais populares

Comments

Elenir Lima

Elenir Lima

Será que foi ele que arrancou a criança, estuprou a mãe e cometeu um ato tão brutal? Merece algo pior que a morte

2025-10-25

2

Irene Saez Lage

Irene Saez Lage

Há muito mistério à descobrir sobre esse Luigi e muitas contas pra pagar ele pode esperar 🤪🤪🤪

2025-10-25

0

bete 💗

bete 💗

muito sofrimento ❤️❤️❤️❤️❤️

2025-10-26

0

Ver todos

Baixar agora

Gostou dessa história? Baixe o APP para manter seu histórico de leitura
Baixar agora

Benefícios

Novos usuários que baixam o APP podem ler 10 capítulos gratuitamente

Receber
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!