Um lírio conversa com um jardineiro

Lin Wei:

Depois de ter tomado banho de noite, com a ajuda das empregadas do meu senhor, pois não estava conseguindo nem me movimentar, para falar a verdade, eu voltei a dormir e dormi quase a manhã toda. Quando acordo, já são doze horas, sou avisado por Maria, uma criada estrangeira.

Ela é bastante gentil ao ponto de não falar nada sobre o meu mau comportamento na mesa, já que não estou conseguindo me sentar direito.

— Você pode sentar no sofá, jovem Lin Wei, se estiver desconfortável… — ela ainda diz. — Você mal comeu do mingau e dos biscoitos que a cozinheira preparou…

— Estou sem fome — digo, e realmente não quero comer nada agora. — Mas estavam ótimos mesmo assim.

— Ah, sim… — ela sussurra.

De repente, um silêncio aterrorizador se forma na sala de estar e só consigo ouvir o barulho do ar-condicionado.

— Cadê meu senhor? — pergunto de repente.

— Ele está no trabalho, jovem Lin Wei.

— Não precisa ser tão formal assim… Só Lin Wei está bom — digo, desanimado. — Afinal, vou passar bastante tempo aqui. — “Ou até ter um filho dele e abortar”, penso, com mágoa.

Nunca pensei que sentiria tanta vontade de abortar meu futuro filho como agora, depois de ontem à noite… Uma vida feita como ontem…realmente vale a pena nascer?

— Está bem, Lin Wei — a voz da Maria é gentil, o que me agrada. A voz daquele jardineiro também era suave, mesmo que grave…

— Eu quero conhecer o jardim daqui — digo, me lembrando da rosa despedaçada pelas minhas mãos.

— Receio que você não está em condições de sair agora, mocinho. Ainda está muito fraco.

— Por favor — peço, juntando as mãos em direção à sua voz doce. — Por favor, Maria, me leve até o jardim!

— Você é mesmo muito fofo quando faz essa carinha… Vamos, mas se se sentir mal, vamos voltar.

— Ok! — digo, forçando um sorriso.

— Vamos, arrume esse cabelo primeiro, está muito bagunçado assim… — e ela faz um coque que prende os meus cabelos no alto, deixando apenas a minha franja na testa. — Seus cuidadores não te ensinaram a arrumar os cabelos ao se levantar?

— Me ensinaram, mas hoje não tive vontade para fazer nada… — sussurro.

— Oh, entendi… — ela muda de assunto: — Acho que você vai gostar do jardim. Tian Cheng é excelente no que faz, deve estar plantando lírios agora…

— Lírios? — esse nome me causa náusea, porque também somos chamados assim…

— Sim, lírios cor-de-rosa, vermelhos, brancos… Ah, me desculpe. Estou falando de cor aqui e…

— Não tem problema — digo simplesmente, tentando ser gentil. — Você não é a primeira a se confundir. Então, não faz mal.

— Você é um rapazinho muito educado — ela diz, apertando de leve a minha bochecha. — Aposto que era o mais mimado do Centro de criação.

— Você não está totalmente errada — sorrio tristemente, me lembrando dos abraços que recebia dos meus amigos e dos cuidadores.

Hao Ming e eu sempre fomos muito apegados também, não no sentido romântico. Nunca sequer pensei em Hao Ming me beijando… Mesmo assim, ele era uma pessoa com quem eu podia desabafar todos os meus sentimentos. Agora, eu não tenho ninguém assim…

— Ah, jovem Tian Cheng! Olá, querido! — diz Maria de repente, ainda me guiando pelo braço. — Posso confiar esse mocinho a você por um tempo? Eu preciso cuidar de umas coisas na cozinha para a reunião que o chefe vai ter com os seus assessores aqui em casa…

Um silêncio se faz nessa hora, e me sinto constrangido de repente, como se me minha presença fosse um fardo para todos os criados desse lugar. 

—  Se não quiser me mostrar as flores, não preci…

— Eu mostro — ouço a voz grave de Tian Cheng de novo. Por algum motivo, a sua voz me alivia, ao contrário da voz autoritária do meu dono. — Você…tem alguma preferência por flores?

Abro a minha boca de repente e rapidamente a fecho. É a primeira vez que alguém fora do centro me pergunta sobre meus gostos pessoais.

— Gosto de…flores cheirosas — sussurro por fim.

— Então, deve gostar de alisso, não?

— Sim, são minhas preferidas! — digo, mais entusiasmado do que deveria.

— Então, vou te mostrar um canteiro cheio deles… Mas onde está sua bengala?

— Eu não tenho bengala… — murmuro, colocando as mãos nos bolsos do casaco.

— Como assim? Como que pensa que vai andar por aí sem uma bengala? — ele pergunta e posso imaginar que está franzindo a testa nesse exato momento.

— Eles…me tiraram a bengala quando fui leiloado… — respondo, embaraçado. Aposto que ele não sabe o peso dessas palavras. Afinal, ele não é cego e não sabe como é chato depender de todos o tempo todo…

— Será que o meu chefe é tão mesquinho que não consegue nem dar uma bengala para você?

— Ele me disse que… não preciso de bengala.

— E você não sabe dizer que precisa? — a voz de Tian Cheng é afiada. — Fala sério, você não precisa ser tão submisso assim…

Mordo os lábios quando ele disse isso.

— Então, fique no meu lugar — sussurro de volta.

— Como? O que está dizendo agora?

— Se acha que é fácil pedir alguma coisa para ele… fique no meu lugar então! — respondo, os olhos já ficando úmidos de mágoa. — Ninguém nessa casa deve imaginar o quanto isso dói… — e paro de falar de súbito, me sentindo um idiota por estar desabafando com um total estranho.

— Me desculpe — diz Tian Cheng de repente. Sua voz é sincera. — Acho que o chefe não foi gentil com você ontem… Eu realmente sinto muito.

— A culpa não é sua mesmo… — suspiro, tocando meu braço coberto. — Eu só estou caçando alguma coisa para me distrair… enquanto ele não volta.

— Ainda quer ver os alissos?

— Sim! — digo, enxugando as lágrimas que poderiam surgir.

— Estenda o seu braço.

E o estendo rapidamente. Sinto passos se aproximando de mim e um braço forte e musculoso envolve o meu. Seu cheiro é de grama cortada e de várias flores misturadas, um cheiro fresco e agradável.

— Nossa, você é pequeno mesmo — ele diz de repente, ainda segurando o meu braço e me guiando pela pequena estrada de ladrilhos. — Mal chega nos meus ombros…

— Tenho um metro e sessenta e cinco! Fui o mais alto dos meus colegas de classe — retruco.

— Então, os seus colegas eram todos anões?

— Não fale mal dos meus amigos… — resmungo.

Ouço uma leve risada vindo de Tian Cheng, mas ela não parece zombeteira.

— Então, pretende que eu seja sua bengala para sempre? — ele pergunta.

— Posso pegar um pedaço de pau se não estiver com vontade de me guiar… — respondo, de mau humor. — Não estou te obrigando a fazer isso.

— Hmm… E se eu te deixasse sozinho aqui, nesse exato momento? — Tian Cheng está me testando. Odeio isso. — Você saberia voltar para a mansão sozinho?

Não.

— Sim — respondo, firme.

— Ah, é mesmo? — aposto que ele está sorrindo, esse jardineiro desgraçado! Retiro tudo o que pensei sobre ele ser gentil na primeira vez! — Então, vou te deixar sozinho aqui. Você acha o canteiro de alisso por conta própria e volta para a mansão depois, apenas tateando os canteiros.

— Es-está bem… — sussurro.

Ouço mais uma risada vindo dele.

— Eu não sou um total babaca assim. Sei que você ainda mal conhece a mansão. Não vou te deixar sozinho no meio do nada, não fique assustado.

— Nunca fiquei assustado — retruco.

— Então tá…

Que cara chato, penso. Queria que ele fosse cego também nesse momento. Bem, pelo menos ele não tentou fazer nada comigo… Nem sequer me pressionou…

— O que foi? — Pergunta Tian Cheng de repente. — Por que seus olhos estão vermelhos?

— Não é nada… — e tento ficar calmo.

— Ah, entendi... — ele fala com voz suave. — Me perdoe pelas brincadeiras. Eu só estava pensando em…fazer você se sentir mais relaxado.

— Sério isso?

— Eu também não sou a favor da escravização de pessoas, ok? — ele sussurra no meu ouvido. — Mas ninguém pode saber, senão perco meu emprego.

— É difícil acreditar nisso quando você trabalha para alguém que compra pessoas — retruco, tocando os alissos perto de mim.

— Realmente, é difícil… Mas os libertos também fazem sacrifícios por outras pessoas.

— O que quer dizer?

— Nada, não… — Tian Cheng afasta seu braço do meu de repente. — Vou te soltar um pouco. Dá para ver que você quer ficar sozinho. Eu volto daqui uns 10 minutos, certo?

— Sim… — e me ajoelho para tocar nos alissos e cheirá-los. — Não precisa ter pressa.

Ouço passos se afastarem de mim lentamente. Colho vários alissos e faço um buquê com eles. Depois faço como uma noiva e o lanço para trás, me lembrando das brincadeiras que eu fazia com os amigos do Centro. Quem casaria com quem…Como se casamento fosse algo com o que a gente pudesse sonhar. Toco na minha barriga de repente. Por que tinham que colocar um útero em mim?

Modificado geneticamente… novo modelo de lírio.

Um homem que engravida, a primeira geração deles.

Cabelos brancos, com marcas de albinismo, olhos rosados… Em bom estado o seu aparelho reprodutor, doutora. Apenas um pouco magro. Necessita comer mais um pouco, pequeno Lin Wei…

Você vai ser vendido por uma fortuna! Imagina os mimos que vai ganhar! Tenho tanta inveja de você, Lin Wei!

Inveja, é? Tudo o que eu queria agora é apagar essas mentiras da minha mente… Por um momento, a sonolência toma conta de mim e acabo me deitando na grama mesmo, com o cheiro doce dos alissos nas minhas narinas…

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Comments

•°•°•Louis•°•°•

•°•°•Louis•°•°•

....
Porque as pessoas são simplesmente maldosas e nunca ficam satisfeitas com nada até que cheguem em um resultado absurdamente ridículo.

2025-11-04

1

Juliana R.M

Juliana R.M

As brincadeiras não foram as melhores, mas as intenções creio que eram boas

2025-10-31

1

Juliana R.M

Juliana R.M

pelos menos tem alguma alma boa dentro daquela casa

2025-10-31

1

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Capítulos
1 O mundo te espera, Lin Wei
2 Primeira impressão
3 A consumação - 1
4 Consumação - parte final
5 Um lírio conversa com um jardineiro
6 O beijo
7 Pensamentos confusos
8 Um lírio cheirando a Jasmin - 1
9 Um lírio cheirando a Jasmin - final
10 Um lírio com pensamentos impuros
11 Chuva molha um lírio deprimido - 1 (+18)
12 Chuva molha um lírio deprimido - final
13 Medo - 1
14 Medo - final
15 Uma dose de esperança - 1
16 Uma dose de esperança - final
17 A decisão - 1
18 A decisão - final
19 Um lírio é polinizado (+18)
20 Um lírio é polinizado - final (+18)
21 Quando os lírios partem - 1 (+18)
22 Quandro os lírios partem - final
23 Quando as pétalas se rasgam - 1
24 Quando as pétalas se rasgam - final
25 Um lírio aprisionado em um lugar sem sol
26 As flores começam a renascer - 1
27 As flores começam a renascer - 2
28 Uma flor começa a renascer - final
29 Crime e Castigo
30 Fuga - 1
31 Fuga - final
32 Um lírio encontra o seu jasmin - 1
33 Um lírio encontra o seu jasmin - final
34 A outra face da máscara - 1
35 A outra face da máscara - 2
36 A outra face da máscara - final
37 Um lírio exalando uma fragrância doce - 1
38 Um lírio exalando uma fragrância doce - 2 (+18)
39 Um lírio exalando uma fragrância doce - 3
40 Um lírio exalando uma fragrância doce - final
41 A máscara cai - 1
42 A máscara cai - 2
43 A máscara cai - 3
44 A máscara cai - final
Capítulos

Atualizado até capítulo 44

1
O mundo te espera, Lin Wei
2
Primeira impressão
3
A consumação - 1
4
Consumação - parte final
5
Um lírio conversa com um jardineiro
6
O beijo
7
Pensamentos confusos
8
Um lírio cheirando a Jasmin - 1
9
Um lírio cheirando a Jasmin - final
10
Um lírio com pensamentos impuros
11
Chuva molha um lírio deprimido - 1 (+18)
12
Chuva molha um lírio deprimido - final
13
Medo - 1
14
Medo - final
15
Uma dose de esperança - 1
16
Uma dose de esperança - final
17
A decisão - 1
18
A decisão - final
19
Um lírio é polinizado (+18)
20
Um lírio é polinizado - final (+18)
21
Quando os lírios partem - 1 (+18)
22
Quandro os lírios partem - final
23
Quando as pétalas se rasgam - 1
24
Quando as pétalas se rasgam - final
25
Um lírio aprisionado em um lugar sem sol
26
As flores começam a renascer - 1
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28
Uma flor começa a renascer - final
29
Crime e Castigo
30
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31
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Um lírio encontra o seu jasmin - final
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A outra face da máscara - 1
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A outra face da máscara - final
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