A Casa
A mansão parecia suspirar ao receber a família. As portas de madeira, pesadas e escuras, rangiam como se fossem abrir à contragosto, revelando um interior cuidadosamente mobiliado, mas envolto por uma atmosfera gélida, quase hostil.
No térreo, a sala de estar exibia móveis planejados, sofás claros e uma lareira apagada, coberta por uma fina camada de poeira. O cheiro de madeira envelhecida misturava-se ao odor discreto de umidade, como se a casa, apesar de limpa, estivesse dormente havia tempo demais.
A cozinha, ampla e moderna, exibia uma ilha central com fogão embutido e banquetas altas. Armários alinhados de ponta a ponta esperavam para serem abertos, mas o primeiro impacto trouxe frustração: estavam todos vazios.
— Não temos nada para cozinhar… — disse Rachel, revirando portas e gavetas. — Patrick, você viu algum mercado no caminho?
O pai desceu até a cozinha, balançando a cabeça.
— Nada. Estrada deserta, floresta e lago, só isso. Talvez na cidade vizinha.
O silêncio que se seguiu foi interrompido por batidas na porta dos fundos. Três golpes firmes, secos, que ecoaram pela cozinha como se a madeira tivesse vibrado. Amélia foi a primeira a reagir.
Ela se aproximou, hesitante, e abriu a porta.
Do lado de fora, um jovem homem aguardava. Estava de pé, vestido de forma simples, mas impecável. Seus cabelos eram negros como a água do lago à noite, e seus olhos… Amélia não soube definir. Pareciam escuros demais, mas refletiam uma luz própria, como brasas apagadas prestes a reacender.
— Boa tarde. — Sua voz era grave, mas melódica, ressoando no peito da garota como se tivesse sido feita para ser ouvida de perto.
Patrick deu um passo à frente, educado.
— Boa tarde, rapaz. Entre, por favor.
Amélia estremeceu. Algo em seu corpo protestou contra aquele convite, mas já era tarde. O homem atravessou o batente, e o ar pareceu mudar. A cozinha ficou mais quente, quase sufocante, e Amélia percebeu os olhos dele deslizarem por seu corpo. Não era um olhar qualquer; era um toque invisível, queimando sua pele.
Ela desviou rapidamente, tentando parecer indiferente. Mas, por dentro, sentia uma inquietação nova, algo que não sabia se era medo ou desejo.
— Me chamo Lion. Moro no chalé do outro lado do lago. Sou… o caseiro da propriedade. — O sorriso dele parecia ensaiado, polido demais para ser genuíno.
Teresa franziu a testa.
— Do outro lado? Mas não vimos barcos ou trilhas…
— Há caminhos que só quem vive aqui conhece. — respondeu Lion, com naturalidade desconcertante.
Patrick, alheio à tensão crescente, parecia satisfeito em encontrar alguém que conhecesse a região.
— Que sorte termos você por perto. Há algum mercado nas redondezas?
— Não tão perto. — Lion inclinou levemente a cabeça, e seus olhos recaíram novamente sobre Amélia. — Mas posso indicar o caminho até a cidade vizinha. Uma hora de viagem, talvez mais.
Rachel suspirou, já calculando o transtorno. Patrick tomou a decisão sem hesitar:
— Então é isso. Eu, você e mamãe vamos até lá comprar mantimentos. As crianças ficam.
Amélia arregalou os olhos.
— O quê? Pai, eu não preciso de babá! Eu sei cuidar dos meus irmãos.
— Mesmo assim, alguém que conhece o lugar deve ficar. — Patrick cortou o protesto com firmeza. — É apenas precaução.
Lion sorriu, discreto, mas Amélia percebeu. E o arrepio voltou a percorrer-lhe a espinha.
Os adultos começaram a se organizar para a saída. Anne e Andrew, exaustos pela viagem, subiram correndo as escadas para explorar os quartos. Teresa, antes de partir, acariciou a mão da neta.
— Confio em você, minha menina.
Mas, quando a porta se fechou atrás dos pais e da avó, Amélia percebeu que a confiança não era suficiente.
Ela estava sozinha. Com ele.
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Atualizado até capítulo 66
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