Capítulo 02

O alarme tocou às quatro e quarenta e cinco.

Adrian abriu os olhos com dificuldade. A cabeça pesava, e o corpo inteiro parecia clamar por mais algumas horas de descanso, mas ele sabia que não podia se dar a esse luxo. O som estridente do celular ecoava no quarto minúsculo, reverberando nas paredes úmidas, e a primeira batalha do dia era não desligar o despertador e voltar a dormir.

— Vai, levanta… — murmurou para si mesmo, esfregando o rosto cansado.

Sentou-se na beira da cama e ficou alguns segundos olhando para o chão. O tênis surrado estava ali, com os cadarços maltratados e uma mancha de café que nunca saíra. Vestiu-se rápido: camisa social já meio amarelada nas mangas, a mesma calça de sempre e a gravata mal passada. O espelho quebrado na parede só refletia um pedaço do seu rosto, mas foi o suficiente para ele ajeitar os cabelos bagunçados.

Na cozinha improvisada, abriu a geladeira. Nada havia mudado desde a noite anterior: apenas a garrafa d’água. Pegou-a, tomou alguns goles, sentindo o estômago protestar. “Hoje o almoço vai ter que segurar até a noite”, pensou.

Saiu para a rua ainda escura. O ar fresco da madrugada trazia um certo alívio, e a cidade começava a despertar. Alguns ônibus já passavam apinhados, trabalhadores bocejando, rostos cansados mas resignados. Adrian seguiu a pé até o ponto, encolhido no próprio casaco fino, tentando se proteger do frio.

O ônibus demorou. Quando finalmente chegou, estava cheio. Adrian entrou mesmo assim, ficando espremido entre um homem que cochilava encostado na janela e uma senhora que segurava firmemente a sacola de compras. A cada balanço do veículo, precisava se equilibrar como podia, já sentindo o suor frio começar a escorrer pelo corpo.

Enquanto olhava pela janela embaçada, pensava no dia que o aguardava. O supervisor, Bruno, provavelmente encontraria outro motivo para humilhá-lo. Talvez um detalhe qualquer, talvez até inventasse algo. Não importava: Adrian sabia que estava em posição frágil, e reclamar seria assinar sua própria demissão.

Adrian desceu no ponto de ônibus que ficava duas ruas antes da Serrano Tech Holding. O normal seria seguir direto para a empresa, mas seus passos tomaram outra direção.

Caminhou rápido por uma avenida ainda meio adormecida, onde apenas alguns cafés começavam a abrir as portas. O cheiro de pão fresco se espalhava, mas ele não tinha tempo e nem dinheiro para parar. Dobrou a esquina e seguiu até um edifício alto, com muitas janelas de vidro e portas automáticas que se abriam e fechavam quase sem parar com o entra e saí. O cheiro característico já vinha de longe, uma mistura de desinfetante, álcool e café requentado.

Entrou e ficou algumas horas lá dentro. Saiu com o semblante fechado, quase carregando uma sombra de preocupação. Os olhos levemente marejados.

Olhou o relógio. Eram sete e cinquenta e dois.

O coração disparou. Se não corresse, chegaria atrasado.

Apressou o passo pela calçada e, ao atravessar a avenida, um carro surgiu veloz, buzinando alto. O motorista freou bruscamente, e o barulho do pneu arrastando no asfalto fez Adrian congelar por um segundo. O carro parou a poucos centímetros dele.

— Tá maluco, moleque?! — gritou o motorista, a cabeça para fora da janela.

Adrian apenas ergueu a mão em sinal de desculpa e correu até a outra calçada, sentindo as pernas tremerem. O coração batia ainda mais rápido, agora misturado ao susto.

Chegou diante das portas de vidro da Serrano Tech suado, respirando ofegante, e tentou recuperar a postura antes de passar pela catraca. O crachá quase escorregou de suas mãos trêmulas. Enquanto respirava fundo, ajeitando a gravata torta, só pensava em uma coisa: "preciso achar um jeito de ganhar mais..."

Perdido em pensamentos, acabou esbarrando em Bruno que estava parado de costas para a entrada.

— Desculpa, seu Bruno... — apressou-se em se desculpar.

Bruno o encarou com olhar severo e olhou no relógio.

— Ao menos foi pontual... — o homem olhou para Adrian de cima em baixo e franziu o nariz — Sabe garoto, você é inteligente, mas talvez esse não seja o lugar para você.

Adrian não entendeu bem aquilo, mas Bruno continuou:

— Olha o estado em que você chega pra trabalhar… todo suado, camisa amarrotada, gravata torta. Parece que saiu correndo atrás do ônibus, ou pior, que dormiu na rua. — Ele fez uma cara de nojo, como se a simples visão de Adrian fosse uma ofensa pessoal. — Aqui é uma holding, não é barzinho de beira de esquina.

Adrian engoliu em seco, abaixou a cabeça e seguiu até a sua mesa. Ligou o monitor, adaptou os fones, achou um ruído branco, colocou uma playlist e tentou focar no que tinha para fazer, mas tudo o que ele queria era se enrolar nas cobertas e chorar até que suas lágrimas secassem. Por fim, desligou o ruído e a música, ficando com os fones só por ficar.

A manhã se arrastou de forma mais lenta que o normal, talvez por estar com fome, a impressão fosse maior. Finalmente, chegou a hora do almoço e ele saiu para comprar alguma coisa. Como o que ele dispunha para gastar era pouco, nunca ia almoçar com os outros, pois eles iam em restaurantes que embora tivessem opções a preços populares, para Adrian eram caros.

Para a sua sorte, perto da empresa tinha uma pequena lanchonete que servia marmitas boas por um preço melhor. E com dez reais, ele conseguia comer razoavelmente bem e assim, o almoço, se tornava café da manhã, almoço e jantar.

Mara, dona do estacionamento, sempre dava um pedaço de bolo ou pudim além de um copo de suco natural para o rapaz, pois sabia da situação dele e de como cada moeda era importante para ele.

— Adrian — chamou ela enquanto ele se preparava para voltar para o trabalho — pode vir almoçar aqui sempre... com dinheiro ou não. Está bem?

Ele assentiu, meio envergonhado daquilo, agradeceu e voltou para a empresa.

A parte da tarde foi tão exaustiva quanto a da manhã, mas estar com o estômago cheio parecia ter renovado suas energias, então ele deu o seu melhor para fazer suas atividades com excelência.

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Comments

AGS

AGS

Todos os dias é a mesma luta, eu te entendo

2025-09-08

1

Valquíria

Valquíria

misericórdia acho que esse cara ou é apaixonado por Adrian e Adrian não o enxergar ou a mulher dele dormiu de calças talvez o namorado dele não quer pegar ele de jeito só pode para ser arrogante assim

2025-09-23

3

Edivania Gomes

Edivania Gomes

essa história é uma realidade quem humilha é quem tem pouco ajuda 😭

2025-09-29

1

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