Bassam Shadid.

Aceitar aquele jantar para conhecer a minha possível noiva não foi um ato de cortesia ou vontade de socializar, foi uma decisão estratégica, cuidadosamente calculada e alinhada com o único propósito que movia minha existência: manter meu império intacto e expandir meu controle. O mundo em que me movo é um tabuleiro de xadrez onde cada movimento deve ser feito com precisão cirúrgica, e esse jantar era uma jogada necessária para garantir que ninguém tivesse a audácia de se aproximar do meu território sem pagar um preço alto demais.

A noite começou com o ritual do preparo. O terno escuro, alinhado à minha pele como uma armadura invisível, não era apenas roupa — era uma declaração silenciosa de poder. O relógio de pulso, pesado, brilhava sob a luz fria do quarto, marcando cada segundo que me aproximava do jogo. Cada detalhe importava, desde o corte perfeito da camisa até o perfume amadeirado que deixava um rastro sutil, uma marca olfativa que dizia mais do que qualquer palavra poderia.

Ao sair da mansão, não estava sozinho. Um pelotão de homens experientes, treinados para a guerra e para a morte, me acompanhava. Atiradores de elite com olhares tão afiados quanto as balas que carregavam. Especialistas em combate corpo a corpo, silenciosos como sombras, prontos para rasgar qualquer ameaça com mãos que não tremem. Eles não eram apenas minha proteção; eram a extensão do meu comando, o braço armado do meu império, os olhos que nunca dormem.

Entramos no carro preto, um veículo blindado que parecia engolir a escuridão ao nosso redor. O motor ronronava baixo, o som do poder contido, enquanto nos deslocávamos pelas ruas iluminadas e cheias de olhares curiosos e temerosos. Cada curva, cada semáforo, cada reflexo nos vidros eram monitorados pelos meus homens, e eu sentia o peso da responsabilidade como um manto que não podia ser descartado.

Chegar ao local do jantar não era apenas atravessar uma porta — era entrar em um campo minado onde sorrisos falsos escondiam facas afiadas. Meus homens me deixaram no limite da entrada, desaparecendo nas sombras para garantir que nenhuma ameaça surgisse por trás. Eu caminhava com passos firmes, cabeça erguida, olhar que examinava tudo e todos, um predador na selva social.

O salão estava repleto de rostos conhecidos e outros mascarados pela hipocrisia do poder. Luzes suaves e música discreta não diminuíam a tensão no ar. Cada palavra dita era uma arma, cada gesto um teste. E eu estava ali para jogar, não para perder.

Aceitei aquele convite porque entendi que, para manter o controle, não basta ser temido no silêncio das sombras — é preciso também se mostrar entre as luzes, ser visto e, principalmente, ser compreendido. Aquela aliança, aquela troca de promessas e aparências, seria a cortina que esconderia o verdadeiro jogo. O que ninguém sabia, o que eu já sabia, era que naquela noite um novo elemento entraria no tabuleiro — uma presença muda e forte, que iria desafiar minha lógica de homem feito para governar pelo medo.

Eu não estava ali para celebrar. Estava ali para dominar, para cercar, para decifrar. E para mostrar que, mesmo rodeado por homens de aço e fogo, a verdadeira força que eu carregava era a mente — fria, calculista e implacável.

O jantar começava, mas para mim, a noite já tinha se transformado em um duelo silencioso onde eu seria o último a sorrir.

O som abafado das vozes cessou por um instante quando meus passos ecoaram pelo mármore polido do salão. Eu podia sentir — o respeito, o medo, a curiosidade. A combinação exata que mantinha a ordem nos meus círculos. Homens erguiam os olhos ao me ver passar, mas poucos sustentavam o olhar. Mulheres cochichavam entre si, algumas disfarçadamente desviando a atenção dos próprios acompanhantes. Aquela não era uma recepção calorosa, era um território neutro contaminado por tensão e obrigações políticas.

A decoração era luxuosa, mas sem alma. Tudo ali era calculado para impressionar: as colunas iluminadas, os arranjos florais caros, a música instrumental tocada ao vivo. Nada disso me afetava. Aquilo era pano de fundo para os verdadeiros jogos que se desenrolariam em conversas truncadas e olhares trocados.

Haydar, o patriarca da família Jalal, aproximou-se assim que me viu. O homem andava com a pressa artificial de quem queria parecer informal, mas estava suando sob o próprio terno. Quando me estendeu a mão, a apertei com firmeza suficiente para lembrar que favores não criavam igualdade.

— Shadid. Seja muito bem-vindo. — Sua voz tremia discretamente. — É uma alegria imensa recebê-lo.

— Não precisa parecer tão feliz. Ainda não comecei a falar. — Eu disse, sem mudar o tom, mas o olhar dele vacilou.

Ele forçou uma risada, e logo fez um gesto para que eu o acompanhasse até a área principal. A mesa de honra estava montada com todo o luxo esperado: cristais reluzentes, talheres de prata, pratos importados. E ali, no centro, como um prêmio cuidadosamente embalado, estava ela.

Yasmin Jalal.

O vestido vermelho-sangue contrastava com sua pele clara. Os cabelos longos e escuros caíam sobre os ombros como uma cortina de veludo, e o batom escuro parecia escolhido a dedo para chamar atenção para a boca e não para os olhos — o que fazia sentido. Os olhos estavam mortos. Não havia alma ali, apenas estratégia e obediência.

Ela se levantou quando me aproximei, e sua postura foi exata: nem submissa, nem arrogante. Estava treinada.

— Senhor Shadid — disse com um sorriso que não tocava os olhos. — É uma honra finalmente conhecê-lo.

Observei-a por um longo segundo, em silêncio.

— Espero que saiba o que essa frase significa.

Ela não respondeu de imediato. Desconforto sutil no fundo do olhar. Depois, curvou levemente a cabeça, como se fosse parte de uma coreografia.

— Significa que entendo meu lugar.

— Veremos. — murmurei, tomando meu lugar ao lado dela.

Os convidados voltaram a respirar assim que me sentei. Haydar se posicionou à frente, fazendo um discurso vazio sobre alianças, tradição, força familiar e promessas de união. Palavras decoradas que atravessavam meus ouvidos sem encontrar resistência. Eu não precisava das promessas dele. Precisei apenas de sua rendição silenciosa, da aceitação de que seu império familiar dependia da minha sombra para continuar existindo.

Yasmin manteve o papel com perfeição. Sorria quando devia, desviava o olhar nos momentos certos, mantinha-se firme e correta. Mas eu via além disso. Ela não era fraca. Era ambiciosa. Só não era estúpida o suficiente para tentar jogar comigo. Ainda.

Durante o jantar, as conversas circulavam ao redor como serpentes enfeitadas de joias. Velhos aliados vinham cumprimentar, bajular. Jovens herdeiros me observavam com um misto de reverência e inveja. Eu comia pouco, bebia menos ainda. Meus olhos estavam atentos ao que importava: aos movimentos nos cantos da sala, aos rostos ausentes, aos sorrisos exagerados.

Foi quando reparei na ausência. Uma cadeira vazia, posicionada ao lado da madrasta de Yasmin, uma mulher fria como porcelana e duas vezes mais frágil. Ninguém comentou sobre a cadeira. Ninguém parecia se importar. Mas eu, que fui treinado para ver o que os outros ignoram, senti o silêncio em torno daquela ausência como uma corrente de ar frio em meio à sofisticação ensaiada.

Yasmin percebeu que meus olhos pararam ali e tentou preencher o silêncio:

— Minha madrasta está esperando por uma... familiar. Ela deve chegar a qualquer momento.

Familiar. A palavra ficou suspensa no ar, ambígua.

— Espero que ela não seja como o restante da mesa. — Respondi com calma.

Ela arqueou uma sobrancelha, surpresa pela franqueza. E talvez, por um instante, tenha compreendido que não era a única sendo observada.

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Comments

Carla Santos

Carla Santos

Gostei dessa tensão dessa desconforto dessa ausência do silêncio que mata e ao mesmo tempo da vida

2025-08-06

0

Erlete Rodrigues

Erlete Rodrigues

e vive em constante estado de tensão não tem um momento de descontração

2025-08-05

0

Ver todos

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