Capítulo 4 — Primeiro jantar, primeira guerra
A residência dos Cavendish era tudo o que os boatos prometiam — impressionante, silenciosa e quase desconfortavelmente impecável.
Quando Eloise desceu da carruagem, seu olhar percorreu as colunas de mármore, as estátuas nos jardins e a fileira simétrica de janelas com cortinas perfeitamente alinhadas. Era como se cada centímetro da propriedade gritasse: “aqui nada fora do lugar é tolerado.”
— Um lugar encantador — comentou ela ao lacaio que lhe abriu a porta. — Parece o tipo de casa onde os livros têm medo de cair da estante.
O criado não soube se deveria rir, então apenas tossiu e se curvou com discrição.
Na sala de entrada, um mordomo de expressão imperturbável a recebeu com um leve aceno de cabeça.
— Lady Eloise Montrose. Sua chegada era aguardada.
— E receio que a decepção seja inevitável — murmurou ela com um sorrisinho antes de adentrar o saguão.
Ela sabia que aquele jantar não era apenas uma formalidade. Era um teste. Alexander a convidara para jantar a sós, sem a presença das mães ou das irmãs. Um jantar entre noivos — e também, entre duas forças teimosas se preparando para coexistir sob o mesmo teto.
O mordomo a conduziu até uma ante-sala onde Alexander a aguardava. Ele estava impecavelmente vestido, como sempre, com um terno cinza escuro e uma gravata de veludo azul-marinho.
Ao vê-la, levantou-se. Um gesto educado, frio e calculado — como tudo nele.
— Lady Eloise — disse, inclinando a cabeça. — Seja bem-vinda.
— Vossa Graça. Que honra estar aqui — ela respondeu, o sorriso nos lábios não chegando aos olhos.
— Espero que o jantar seja do seu agrado.
— Estou curiosa. Costuma envenenar pretendentes ou deixa isso para depois do casamento?
Alexander a encarou por um segundo mais longo, e então respondeu:
— Apenas se insistirem em reorganizar minha biblioteca.
Ela riu, sentando-se na cadeira que lhe foi oferecida. Um criado aproximou-se com taças de vinho branco, e outro anunciou que o jantar seria servido na sala principal.
Alexander ofereceu o braço. Ela aceitou.
Enquanto andavam lado a lado, Eloise teve tempo de admirar os quadros nas paredes — retratos sombrios de ancestrais Cavendish, todos com expressões tão severas quanto a de Alexander. O ambiente era silencioso, formal, quase opressivo. Eloise se perguntou se algum som de riso já ecoara ali sem ser seguido de reprovação.
A sala de jantar era enorme. A mesa longa demais para dois. Alexander havia ordenado que os lugares fossem arrumados lado a lado, e não um em cada ponta, como de costume. Era um gesto pequeno, mas Eloise reconheceu o esforço — ou pelo menos o cálculo.
Ela sentou-se.
— Esperava que me colocasse na outra extremidade da mesa — comentou, servindo-se de água.
— Assim evitaríamos conflitos — ele respondeu. — Mas também impediríamos o diálogo.
— E a guerra silenciosa pode ser mais perigosa que a declarada.
— Concordo.
O primeiro prato chegou: sopa de abóbora com especiarias. Alexander a observava com cuidado — não com desejo, nem com ternura, mas com curiosidade contida. Como se ela fosse um quebra-cabeça, e ele tivesse decidido começar pelas bordas.
— Já visitou a propriedade de Thornewood em Yorkshire? — ele perguntou, cortando o silêncio.
— Ainda não. Mas li que suas terras abrigam espécies raras de samambaias.
— Samambaias?
Ela assentiu, animada.
— E líquens, aparentemente. Um solo úmido e protegido permite o crescimento de colônias inteiras. Fascinante, não acha?
— Prefiro pedras. Elas não crescem, nem se multiplicam inesperadamente.
Ela sorriu.
— Naturalmente.
— E quanto à sua casa? Como é sua rotina?
— Depende. Algumas manhãs estudo botânica. Outras, fico de castigo por contrariar convenções sociais. Uma vida variada.
Alexander não respondeu de imediato. Pegou a taça de vinho, levou-a aos lábios e observou-a por cima da borda.
— Você provoca de propósito — disse, por fim.
— E você evita se comprometer com qualquer emoção visível. Somos um par intrigante.
O segundo prato chegou: pato assado com legumes. O aroma era delicioso, mas o clima entre os dois oscilava entre sarcasmo elegante e tensão sutil.
— Por que realmente me convidou para este jantar, Vossa Graça? — perguntou ela. — Foi sua ideia ou um pedido de sua irmã?
— Minha ideia — ele respondeu, sem hesitar.
— Curioso. Não imaginei que pretendesse iniciar qualquer tipo de convivência antes do casamento.
— Estamos noivos. É razoável que nos conheçamos antes de dividirmos um teto.
— Há quem case sem trocar três palavras.
— E há quem se arrependa amargamente.
Ela o observou com atenção.
— Já conheceu alguém que se arrependeu?
Ele desviou o olhar para o prato.
— Meus pais.
O silêncio que seguiu foi diferente dos anteriores. Menos cortante, mais denso. Eloise recuou um pouco, refletindo antes de falar.
— Lamento por isso.
— Não lamente. Aprendi muito observando-os.
— Como o quê?
— Que uma aliança sem respeito está fadada ao fracasso. E que a frieza pode ser mais mortal do que gritos.
Ela deixou o garfo de lado.
— E acredita que o respeito pode crescer entre nós?
— Acredito que já começou. Pelo menos de minha parte.
Aquilo a surpreendeu. Ele parecia sincero. E mais do que isso, vulnerável.
— Então temos meio caminho andado — disse ela, suavizando o tom. — O resto... bem, veremos com o tempo.
Alexander assentiu, levemente. A sobremesa chegou: torta de peras caramelizadas com chantilly de baunilha.
Ela provou uma colherada e soltou um pequeno suspiro de prazer.
— Meu Deus, isso está divino.
— Foi preparado por mim — disse ele, erguendo a sobrancelha.
Ela parou.
— Mentira.
— Sim. Mas era divertido imaginar sua reação.
Ela riu, dessa vez de verdade. Um som leve, inesperado, que preencheu o salão vazio.
— Essa foi boa, Duque.
— Estou tentando.
— Continue. Pode ser divertido vê-lo falhar com elegância.
Depois do jantar, ele a acompanhou até o saguão novamente. Estavam em pé, lado a lado, como duas peças de xadrez que ainda não decidiram se são adversárias ou aliadas.
— Obrigada pelo jantar, Vossa Graça — disse ela. — Foi mais agradável do que eu esperava.
— Igualmente.
— Você tem talento para manter a tensão no ar.
— E você para disfarçar ironias com charme.
Ela sorriu.
— Vamos nos sair muito bem.
— Ou muito mal.
— O que também pode ser interessante.
Ela se virou para sair, mas antes de alcançar a porta, ele a chamou.
— Lady Eloise.
Ela parou e o encarou por sobre o ombro.
— Sim?
— Gosto da forma como você fala o que pensa.
Ela piscou, surpresa.
— E eu gosto que você ouça mesmo quando não concorda.
E então, pela primeira vez desde que se conheceram, não houve sarcasmo, nem guerra. Apenas um instante de compreensão real.
Eloise entrou na carruagem com o coração inesperadamente leve. Talvez — apenas talvez — o duque não fosse uma fortaleza intransponível.
E talvez ela estivesse mais disposta a escalar suas muralhas do que imaginava.
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Atualizado até capítulo 44
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