A neve continuava a cair com leveza, cobrindo os galhos das árvores e as calçadas da cidade. Os passos de Kaien e Aika ecoavam suavemente enquanto eles caminhavam lado a lado, ainda próximos ao parque onde se encontraram.
Kaien mantinha as mãos nos bolsos, o olhar sempre para frente, como se evitasse a qualquer custo encarar Aika por muito tempo.
Ela, por outro lado, olhava curiosa para ele — aquele garoto de olhos tão brilhantes quanto frios, que parecia carregar um mundo inteiro de solidão sobre os ombros.
Aika Morihara
— Você não vai me perguntar por que eu consigo ver os espíritos? — Aika quebrou o silêncio, sorrindo levemente.
Kaien Yuzuki
— Não preciso. — Kaien respondeu, sem emoção. — Talvez você só seja diferente. Como eu.
Aika Morihara
Ela riu.
— Você fala como se fosse uma coisa ruim ser diferente.
Kaien Yuzuki
É. Normalmente é. — Kaien apertou os passos. — As pessoas não gostam daquilo que não conseguem entender.
Aika o alcançou, determinada.
Aika Morihara
— Eu não me importo em entender tudo. Eu só quero... caminhar ao seu lado. Mesmo que seja por um pouco.
Essas palavras atravessaram Kaien como uma flecha.
Ele sabia que deveria afastá-la. Sabia que era perigoso deixá-la ficar perto. Mas… a voz dela era quente. E aquele calor, há muito tempo, ele havia esquecido como era.
Kaien Yuzuki
— E quanto ao Fragmento de Alma? — Kaien perguntou, desviando o assunto. — O que você queria com ele?
Aika olhou para o céu, pensativa.
Aika Morihara
— Era o espírito do meu gato. Ele desapareceu no inverno passado. Eu senti que ele ainda estava preso aqui, sozinho. Eu só queria dizer adeus.
Kaien ficou em silêncio. Ele já havia visto muitos espíritos se desvanecerem sem conseguir se despedir. Mas nunca havia encontrado alguém tão determinada a não deixar isso acontecer.
Kaien Yuzuki
— Eu posso te ajudar a encontrá-lo. — ele disse, para a própria surpresa. — Mas só dessa vez.
Aika Morihara
Aika sorriu, os olhos brilhando.
— E se eu quiser te ver de novo depois disso?
Kaien Yuzuki
Kaien hesitou. O vento frio soprou, bagunçando os cabelos de ambos.
— É melhor que você não queira.
Aika Morihara
— Então é isso que você acha? — Aika parou e ficou na frente dele. — Que pode decidir quem pode ou não se aproximar de você?
Ela se aproximou ainda mais, os olhos azuis claros encarando os dele sem medo, mesmo quando os olhos de Kaien começaram a brilhar em vermelho intenso.
Aika Morihara
— Seus olhos são lindos. — Aika sussurrou.
Kaien Yuzuki
— Eles são uma maldição.
Aika Morihara
— Talvez alguém só precise te mostrar que podem ser uma bênção.
Kaien Yuzuki
Kaien desviou o olhar, sentindo-se pela primeira vez exposto, vulnerável.
— Você é estranha.
Aika Morihara
— E você é teimoso. — Aika riu suavemente, e recomeçou a andar, puxando-o levemente pela manga do casaco. — Vamos, Kaien. Você prometeu me ajudar.
Sem saber o porquê, ele a seguiu.
Talvez porque, no fundo, queria que ela continuasse a puxá-lo. Talvez… ele não quisesse mais caminhar sozinho.
O som de sinos soou novamente, ecoando entre os flocos de neve.
E assim, sem perceber, Kaien começava a ceder.
A maldição, silenciosa, apenas os observava, aguardando o momento certo para despertar.
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