Os dias viraram semanas, e o concurso de arquitetura se aproximava. Ana Clara estava imersa em seu projeto, cada linha, cada cor, cada detalhe sendo pensado com carinho e precisão. O centro comunitário não era apenas um desenho; era uma parte de sua alma. Ela passava noites em claro, alimentada por café forte e a paixão que sentia pelo que fazia. O cansaço era real, mas a satisfação de ver sua visão ganhar forma era ainda maior.
O café Aurora continuava sendo seu refúgio, mas as visitas de Gabriel, que antes pareciam quase mágicas em sua raridade, não se repetiram. Ela sentia uma pontada de algo, talvez uma pequena frustração, mas tentava focar. A vida dela era sobre construir, e agora, ela precisava construir sua carreira. A memória dele, porém, era como uma pequena chama, aquecendo os cantos mais frios de sua rotina.
Enquanto isso, Gabriel se via em uma encruzilhada. O mercado financeiro estava em um período de grande instabilidade. Decisões erradas poderiam custar muito, não apenas para ele, mas para a empresa e seus clientes. A pressão era imensa. Ele passava horas em reuniões, analisando dados, prevendo movimentos. Era seu mundo, e ele era bom nele. Mas o peso das responsabilidades, às vezes, era esmagador.
Mesmo com a mente focada no trabalho, a imagem de Ana Clara e seu projeto de centro comunitário persistia. Ele havia pesquisado sobre o concurso, lido os detalhes, e ficado impressionado com a visão dela. Era um tipo de impacto que ele, com todo o seu dinheiro e poder, não conseguia criar. Ele podia mover milhões, mas não podia construir um lugar onde a esperança brotasse do concreto. Essa ideia o incomodava e o intrigava ao mesmo tempo.
Um dia, Gabriel recebeu um convite inusitado. Sua empresa estava patrocinando um evento de jovens talentos em diversas áreas, e uma delas era a arquitetura sustentável. O convite chegou diretamente do setor de Responsabilidade Social da empresa, um departamento com o qual ele raramente se envolvia. Para sua surpresa, o evento seria na mesma galeria de arte onde a etapa final do concurso de Ana Clara seria realizada. Uma pontada de reconhecimento o atingiu. Seria ela?
Ele normalmente recusaria um convite como esse, alegando falta de tempo. Mas algo o fez hesitar. Aquela chama de curiosidade que Ana Clara havia acendido em seu interior. Ele sentiu que essa poderia ser a ponte, a chance de ver de perto o mundo dela. Afinal, era um evento da empresa, podia ser considerado "trabalho". Ele sorriu. Uma desculpa perfeita.
Ana Clara, por sua vez, estava no auge da ansiedade e da excitação. O dia da apresentação final do concurso havia chegado. Ela passou a noite em claro, repassando cada detalhe de seu discurso, revisando sua maquete pela milésima vez. O nervosismo era tanto que ela mal conseguia comer. Mas, por baixo de tudo, havia uma certeza: ela tinha dado o seu melhor.
Quando chegou à galeria de arte, o local estava cheio de gente. Arquitetos, jurados, entusiastas. Eram muitos projetos em exibição, cada um mais criativo que o outro. Ela posicionou sua maquete com cuidado, organizou seus painéis e tentou acalmar o coração. As pessoas passavam, olhavam, faziam comentários. Era um misto de emoções.
Enquanto se preparava para a rodada final de avaliações, ela sentiu um olhar sobre si. Levantou os olhos e o viu. Gabriel. Ele estava parado a alguns metros de distância, impecável em um terno escuro, os olhos azuis fixos nela. Não era um olhar casual, era um olhar de quem procurava por ela.
Ana Clara sentiu o calor subir de novo, mas dessa vez, não era apenas timidez. Era uma mistura de surpresa e uma alegria sutil. Ele estava ali. Por quê? A ideia de que ele se importava, ou estava curioso, a fez sorrir.
Gabriel sentiu o sorriso dela como um raio de sol em seu dia tenso. Ele se aproximou, sentindo uma leve taquicardia que não tinha nada a ver com o mercado financeiro. Era diferente, era bom.
"Ana Clara", ele disse, sua voz calma, mas com um toque de surpresa genuína. "Eu sabia que era você. Que coincidência te encontrar aqui."
Ela riu, um som doce que aliviou a tensão que ela nem sabia que estava sentindo. "Coincidência? De novo? Você está me seguindo, Gabriel?", ela brincou, sentindo-se mais à vontade do que esperava.
Ele sorriu abertamente, um sorriso que raramente mostrava no trabalho. "Talvez o destino esteja tentando nos dizer algo. Mas, falando sério, minha empresa está patrocinando parte do evento. Eu vim dar uma olhada. E seu projeto... é impressionante." Ele olhou para a maquete, seus olhos azuis agora brilhavam com uma admiração que Ana Clara podia sentir.
"Obrigada", ela disse, sentindo-se um pouco orgulhosa. "É um grande passo para mim."
"Eu li sobre ele. Sustentabilidade, impacto social. É algo que realmente faz a diferença", ele comentou, seu tom sério, mas a voz suave. "É muito diferente do meu mundo."
"Mas você está aqui, não está?", Ana Clara apontou, com um brilho nos olhos. "Talvez não seja tão diferente assim. Ou talvez, precisamos um do outro para ver o mundo de outro jeito."
Gabriel pensou nas palavras dela. Elas atingiram algo profundo nele. Sim, ele estava ali. E sim, ele sentia que precisava daquele algo que o mundo dela tinha, algo que faltava no seu. "Talvez você esteja certa", ele respondeu, os olhos presos nos dela. Naquele momento, as formalidades desapareceram, e o barulho da galeria parecia sumir. Havia apenas os dois, e a ponte invisível que se formava entre eles.
A conversa foi interrompida por um dos organizadores chamando os finalistas. "É a minha vez", Ana Clara disse, sentindo um frio na barriga, mas também uma nova confiança. O olhar de Gabriel, a presença dele, a fizeram sentir-se mais forte.
"Vá lá e mostre a eles o que você é capaz, Ana Clara", Gabriel disse, sua voz era um incentivo claro. "Eu estarei aqui, torcendo."
Ela sorriu, um sorriso genuíno e cheio de esperança. "Obrigada, Gabriel." Ela se virou e caminhou em direção ao palco, sentindo que, de alguma forma, ele estava realmente ali com ela.
Gabriel a observou. Via a paixão dela, a luz que ela carregava. Ele pensou nos seus próprios projetos, nos números, nos lucros. A perfeição que ele tanto buscava em seu mundo parecia, de repente, menos importante. O que importava era a conexão, a inspiração. Aquele encontro na galeria não era mais uma coincidência. Era um sinal, uma ponte invisível que estava sendo construída entre dois mundos que, à primeira vista, pareciam tão distantes. E ele estava pronto para atravessá-la.
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Atualizado até capítulo 50
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