O som das rodas da maca ecoava pelos corredores como um alerta: emergência em curso. Eram quase sete da manhã, e o plantão mal tinha começado.
Isadora apertou o passo ao lado de outros dois residentes, os olhos atentos ao corpo estendido. Um rapaz, vinte e poucos anos, com sangue escorrendo pela lateral do tórax, coberto por um lençol encharcado que se estendia até o abdômen.
— Trauma torácico, motociclista. Suspeita de perfuração do pulmão esquerdo, hemotórax massivo, sinais de choque hipovolêmico — relatava a enfermeira enquanto ajustava os monitores.
O coração de Isadora acelerou, mas suas mãos se mantiveram firmes. Calçou as luvas, prendeu os cabelos e assumiu a posição com uma calma que contrastava com o caos que os cercava. O paciente gemia baixo, e a saturação se despencava nos monitores digitais.
— Torniquete posicionado, sonda em acesso periférico, pressão sistólica em 80... — informou o residente ao lado, claramente tenso.
Estudando o tórax do paciente, Isadora decidiu:
— Ele precisa de uma drenagem torácica agora. Ou o risco de morte se torna maior.
Com rapidez e precisão, ela solicitou os instrumentos necessários. Enquanto suas mãos se moviam com a coreografia dos protocolos aprendidos, sua mente revisava cada passo: incisão no quinto espaço intercostal, na linha média axilar, afastamento cuidadoso dos músculos, posicionamento exato do tubo.
— Pressão despencou para 70! — soou uma voz ansiosa.
— Quase lá — murmurou Isadora, imersa na concentração.
— Ausência de murmúrio vesicular à esquerda — completou o colega.
Determinada, ela finalizou a manobra enquanto o líquido escuro escorria pelo dreno, aliviando a pressão sobre o pulmão colapsado. Pouco depois, uma voz firme e cortante emergiu atrás dela.
— Isso é o que vocês chamam de drenagem?
Todos os olhares se voltaram para a porta. Ele estava ali.
Leonardo V. Santoro.
O lendário chefe da cirurgia geral e, para muitos, o terror dos corredores do hospital.
Com seu jaleco branco aberto, revelando uma camisa cinza por baixo, mangas dobradas e os braços cruzados, Leonardo V. Santoro observava a cena com a precisão de um cirurgião experiente. Um silêncio instantâneo se instaurou.
Isadora engoliu em seco.
Leonardo aproximou-se do leito sem desviar o olhar e, com gestos precisos, conferiu o dreno, reposicionou-o com movimentos meticulosos e verificou os sinais vitais do paciente, trocando algumas palavras sussurradas com o anestesista que logo chegava.
— Na próxima vez, avisem antes de arriscarem a vida de um paciente com decisões precipitadas — comentou, de modo tão impessoal quanto se tratasse de uma falha de equipamento.
Com as luvas ainda manchadas de sangue, Isadora respirou fundo e respondeu com a mesma clareza de seus procedimentos.
— Eu segui o protocolo, Dr. Santoro. Os sinais clínicos indicavam a necessidade imediata do procedimento. Se esperássemos, ele poderia ter entrado em parada.
Leonardo virou seu olhar frio e intenso para ela, encontrando-a pela primeira vez. Seus olhos, cinzentos e impassíveis, pareciam analisar cada detalhe, como se pudessem separar a competência da vulnerabilidade.
— Protocolos não servem de escudo para erros técnicos, residente.
— E frieza não garante precisão — rebateu, mantendo a compostura e a firmeza.
Por um breve instante, o único som na sala foi o bip dos monitores. O anestesista tossiu levemente, como se desejasse retomar a normalidade, enquanto os outros residentes desviavam o olhar. Leonardo, então, recuou do leito.
— Você teve sorte de ele estar vivo hoje. Não confie somente na sorte.
Sem mais uma palavra, ele saiu da sala, dissipando a tensão com sua ausência.
Na pia do vestiário, Isadora lavava as mãos, seu reflexo no espelho revelando não o cansaço, mas uma chama de fúria contida e uma curiosidade inquieta. A cena a marcara — ela via naquele homem, além da frieza e da exigência, um brilho singular que, mesmo que oculto, despertava algo nela.
Enquanto os colegas trocavam comentários na sala dos residentes:
— Você encarou o Leonardo V. Santoro! Está maluca, né? — brincou Beatriz.
— Foi corajosa, mas ele é do tipo que não esquece nada — acrescentou Miguel.
Sozinha, Isadora anotava mentalmente cada detalhe. Prometeu a si mesma: um dia, ele verá que emoção e precisão podem andar juntas sem jamais comprometer a qualidade do atendimento.
Mal sabia ela que, naquele mesmo instante, Leonardo V. Santoro revia a cena enquanto repousava sozinho em seu escritório. Pela primeira vez em muito tempo, ele se perguntava sobre a jovem residente que, com ousadia e técnica, desafiava não só o protocolo, mas também despertava uma faísca que ele há muito não sentia.
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Atualizado até capítulo 52
Comments
Ana Maria Rodrigues
faísca do amor ❤️ a profissão e a vida ❣️
2025-06-13
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