O Primeiro Sol de João Pessoa
duvidas no quarto
A Dúvida no Quarto
A porta do meu quarto se fechou atrás de mim, e junto com ela, a forçada naturalidade que eu vestia lá fora. Me joguei na cama, o teto virou meu confidente, a luz da lua que entrava pela janela, antes convidativa, agora parecia zombar da minha inquietação. As palavras do pai sobre "moças interessantes" martelavam na minha cabeça, e com elas, a velha dúvida, uma sombra que me acompanhava há anos.
Por que era tão difícil sentir o que parecia ser tão natural para todo mundo? Meus colegas da faculdade viviam de paqueras, contavam histórias de encontros, e eu, sempre um ouvinte atento, nunca tinha nada parecido para compartilhar. Não era por falta de oportunidade ou porque não houvesse garotas bonitas; eu simplesmente não sentia o mesmo tipo de atração.
"Será que tem algo de errado comigo?", pensei, um nó se formando na minha garganta. Não era só a falta de interesse nas garotas que me perturbava, mas a ausência de qualquer interesse romântico ou sexual significativo. A verdade é que nunca tinha me sentido verdadeiramente atraído por ninguém, independentemente do gênero.
exceto, talvez, por uma memória antiga, quase um sussurro.
A lembrança de Gustavo surgiu, tênue e persistente. Meu colega da escola, dois anos mais novo. A gente passava horas jogando bola no campinho perto de casa, compartilhando segredos em tardes intermináveis. Lembro de um dia, ele caiu e ralou o joelho feio. Eu o ajudei a levantar, e a forma como ele me olhou, meio agradecido, meio envergonhado, ficou marcada. Depois, na casa dele, enquanto a mãe limpava o machucado, a gente ficou rindo de alguma bobagem, e eu senti um calor diferente, uma vontade de que aquele momento nunca acabasse. Não era um calor como o que meus amigos descreviam quando falavam de garotas, mas era algo, e era por ele.
João Francisco
Tá tudo bem com você?
Logo estendi a mão para ele
Gustavo
Não muito, não consigo me levantar, meu joelhinho dói demais.
Logo vi um “bico” se formando em seu rosto prestes a chorar então tive uma ideia.
João Francisco
Vem eu te ajudo.
Peguei ele no colo levando ao um banco de praça para ele se sentar. Logo me ajoelhei vendo seu joelho todo ralado sangrando.
João Francisco
Ta feio mesmo, é melhor eu chamar sua mãe.
Estava prestes a me levantar para chamar a mãe dele quando eu senti alguém puxar um pouco minha blusa.
Gustavo
Bem… obrigado por me pegar no colo e me levar até aqui, você foi muito gentil comigo.
Eu vi seu rosto ficar vermelho e logo senti um beijo em minha bochecha em forma de agradecimento.
Não vou mentir, essa foi a melhor sensação que eu já senti…
Virei de lado, abraçando o travesseiro. Eu sabia que existiam muitas formas de ser e de amar, e que não havia um caminho "certo". Mas a pressão social, mesmo que sutil, estava ali. O desejo do pai por um netinho, as conversas dos amigos sobre relacionamentos, tudo isso me fazia questionar minha própria normalidade.
Aquele sentimento com o Gustavo era tão antigo, tão infantil, que eu sempre o descartei. Uma "amizade profunda", eu dizia para mim mesmo. Mas agora, com a ausência de qualquer outra atração, ele voltava, teimoso. Será que aquele carinho de menino, aquele conforto que eu sentia ao lado dele, podia ter sido mais do que eu imaginava? Será que eu poderia, afinal, gostar de garotos?
Será que Gustavo, ou a memória dele, tinha a chave para esse enigma?
Comments
Halcyon
Vou seguir com interesse.
2025-06-11
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