Capítulo 4 - Crise
O tempo corria imparável, porém lento aos olhos de Merissa.
A aula já acontecia há certo tempo, e Merissa estava de cabeça baixa. Seu rosto tocando a mesa fria e o caderno aberto.
Florence
Os outros deveriam...
Nashy
Professor, poderia explicar novamente?
Thereza
Vish... Não era você o inteligente?
Thereza
Eu entendi primeiro!
Andrei
Sinceramente não entender seria preocupante...
Andrei
O conceito de estratificação social é tão simples que uma criança entenderia.
Nas fileiras do meio, Mari copiava o texto presente no quadro.
Viu que Merissa estava com o rosto contra a mesa, silenciosa. Os cabelos roxos chamativos a fizerem parar de escrever.
Mari
Tem bastante coisa no quadro, é melhor fazer isso logo.
Merissa levantou vagarosamente, erguendo o caderno para mostrar para Mari.
Mari
Já copiou e respondeu tudo...
Mari
Nossa, você é rápida nessa matéria!
Merissa
Eu só quero que isso tudo acabe logo.
Sua expressão era de uma angústia visível, e isso fez Mari ficar um pouco mais séria.
Merissa
Eu pelo menos queria poder usar meu celular pra ouvir música e ignorar essa gente falando...
Os 32 alunos daquela sala, quase ninguém estava calado. Andrei permanecia a dar sua aula sem tentar chamar a atenção de ninguém. Apenas os mais interessados mantinham o foco em suas falas.
Merissa abaixou a cabeça novamente, usando seu caderno para apoiar a cabeça.
Merissa
"Tá muito barulhento..."
Merissa
"Quero voltar pra casa."
As mãos foram de encontro aos ouvidos, tentando tapar para ouvir um pouco menos daquilo tudo.
Com o decorrer dos minutos, Merissa sentiu o coração acelerar e uma sensação ruim surgir, um nó na garganta.
O som das vozes, os gritos a angustiavam. Sua respiração ficou acelerada, desesperada.
Um dos gritos veio, veio parecendo muito mais alto do que verdadeiramente era. Como um áudio estourado em um fone de ouvido.
Merissa pressionou os ouvidos ainda mais forte, tentando evitar ao máximo o barulho.
Mesmo repetindo sua tentativa de não ouvir, um grito agudo veio, forte. Sentiu dor ao ouvir aquele som, como se estivesse extremamente alto.
Mari levantou e se aproximou ao perceber a agitação dela. Abaixou-se ao lado da mesa e percebeu que ela estava chorando.
Mari
Espera só mais um pouquinho...
Colocou a mão delicadamente sobre a cabeça dela, tentando a confortar.
Mari
Vai ficar tudo bem...
Mari voltou para sua cadeira e não continuou copiando. Todo seu foco voltou-se para Merissa.
Não queria mais fazer qualquer outra coisa naquele momento além de entender a situação e ajudar.
Aguardava o término daquela aula, o intervalo de sua classe viria logo depois.
Andrei
Hora do intervalo... ou recreio, chamem como preferirem.
Andrei
Lembrem que as provas estão chegando.
Andrei
É bom que prestem atenção.
Andrei
Sociologia é uma matéria fácil, mas é melhor não esquecerem as coisas.
Andrei
O professor de química está doente, então já podem ir pra casa agora se quiserem.
Andrei deixou a sala de aula a passos rápidos, tinha mais coisas para fazer e resolver.
Thereza
Acabou a sofrência!
Nashy
Até segunda-feira... O sofrimento volta nesse dia.
Florence
Vocês gostam de falar, né?!
Aos poucos os alunos foram deixando a sala, e o silêncio gradualmente veio.
A calmaria alcançou o ambiente tal como as mãos de Mari alcançaram a mão direita de de Merissa. Ela segurou com calma, sentindo a garota de cabelos roxos trêmula. Seu corpo não parava e a respiração continuava agitada, como se quase hiperventilando.
Mari
Ei, ei... eu tô aqui.
Mari
Já foram embora, vai ficar tudo bem.
Merissa
Eu odeio esse lugar...
Merissa
Odeio essas pessoas...
Merissa
Queria que todos sumissem pra sempre...
Sua voz deixava clara a vontade de chorar. Lágrimas escorriam pelo rosto, caindo no caderno e manchando algumas páginas.
Merissa
Quero ir pra casa...
Mari
Vai ficar tudo bem, mas por favor... Quero que me diga uma coisa.
Mari
O que acabou de acontecer?
Mari
Consegue me explicar?
Merissa afastou as mãos de Mari e se levantou, pegando sua bolsa rapidamente.
Sua cabeça doía, doía terrivelmente. A sensação era de que algo apertava por dentro.
Antes que Mari pudesse fazer qualquer coisa, Merissa começou a correr pela porta da sala. Seus passos eram realmente velozes, como se estivesse tentando fugir a todo custo.
Merissa
"Preciso voltar, agora, agora, agora!"
Desceu os andares em menos de um minuto, correndo tão rápido que seus pés doíam. Não estava pensando em mais nada, só queria sair de lá.
Sentia verdadeiramente que morreria se não fizesse isso. Era o sentimento cravado em sua cabeça.
Acabou esbarrando em alguém.
Ela caiu e bateu com os braços no chão, tentando se preservar por reflexo.
Agatha
Não consegue olhar pra frente não?!
A garota loira se levantou rapidamente e segurou Merissa, ainda caída, pelo cachecol. Encarou nos olhos assustados dela e gritou.
Agatha
NÃO VAI ME PEDIR DESCULPAS NÃO?
As pessoas ao redor começaram a se reunir, olhando de perto, curiosos pelo que estava prestes a acontecer.
Merissa não conseguia dizer nada, apenas olhava par a loira sem piscar, tremendo.
Irritada pela falta de respostas, Agatha a puxou pelo cachecol mais forte, até que...
Agatha
Quer que eu solte então me faz soltar.
Mari sorriu e fechou a mão com firmeza.
Agatha tomou um soco forte no braço e soltou na hora.
Mari
Fica longe dela, praga.
Mari segurou Merissa pela mão novamente.
Mari ajudou ela a levantar e a olhou nos olhos.
Mari
Vamos embora juntas, tá?
Merissa apenas assentiu, aceitando que fariam aquilo.
Agatha
Vão me ignorar agora?
Agatha
Qual o problema de vocês?
Mari disse com uma agressividade na voz que Merissa nem era capaz de imaginar. Por um momento não pareceu a pessoa alegre e leve que conheceu pela manhã.
Mari segurou a mão de Merissa, que aceitou o gesto sem relutar, apenas apertando levemente a mão dela em resposta.
Pelo portão da escola, passaram e foram até o ponto de ônibus.
Sentaram lá juntas, ainda de mãos dadas.
Merissa não falou mais nada por um bom tempo.
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