capítulo 2

NARRADO POR VIVIANE

— "Vocês têm que ir comigo, vai ser tudo!" — Bárbara praticamente pulava de empolgação no sofá, o sorriso largo, os olhos brilhando feito quem acabou de ganhar um prêmio.

Eu não estava convencida.

Baile no morro?

Eu sempre evitei esse tipo de rolê. Não gosto de me misturar com gente armada, com traficante se achando dono do mundo. Mas o que a gente não faz por uma amiga, né?

— "Que ótimo, meninas! Vocês vão adorar. E podem dormir na minha casa depois, sem stress." — ela completou, animada.

Priscila, como sempre, manteve a postura dela, toda séria.

— "Desculpa, Vi. Desculpa, Bárbara. Mas tô fora. Não me vejo no morro."

Bárbara revirou os olhos, com aquela típica ironia que só ela sabia fazer.

— "Ah, Priscila, deixa de ser medrosa. É por isso que tu ainda tá encalhada e não arranjou nenhum namorado até hoje."

Revirei os olhos, suspirei fundo e me intrometi antes que virasse briga.

— "Vamos parar com isso, meninas. Não precisamos nos atacar. Tá tudo certo, Pri. A gente entende, de verdade."

Voltei os olhos pra Bárbara, avisando:

— "Mas tô te dizendo logo, tá? Se eu não gostar de lá, venho embora na hora."

— "Fechado!" — ela deu um sorriso travesso. — "Mas te garanto que vai amar. Tô ficando com um gatinho do morro... lindo, gostoso... E olha, esses caras têm uma pegada que vocês nem imaginam."

— "Não quero nem imaginar!" — respondi rindo, balançando a cabeça.

— "Meninas, o papo tá ótimo, mas eu já vou nessa." — Priscila se levantou, pegando a bolsa.

— "Também vou com você, Pri." — Bárbara se despediu.

— "Beijinhos, meninas." — acenei.

Acompanhei as duas até a porta. Quando a fechei, respirei fundo.

O silêncio da casa me abraçou de novo. E com ele, os pensamentos. Será que eu ia me arrepender de ir nesse baile?

Fui direto pro quarto. Tomei um banho demorado, tentando lavar as dúvidas junto com a espuma. Vesti meu pijama macio, um dos poucos que me faziam sentir algum aconchego, e segui para a sala de jantar.

Meus pais já estavam lá.

A mesa arrumada, as taças de vinho à meia altura. O cenário de sempre. Perfeito demais, distante demais.

Meu pai foi o primeiro a falar.

— "Como foi a aula hoje, minha filha?"

— "Foi boa, pai. Obrigada por perguntar."

Fiz uma pausa, criei coragem, e soltei:

— "E... mãe, pai… vou passar o final de semana na casa da Bárbara."

Minha mãe nem levantou o olhar do prato.

— "Ah, então agora você decide sozinha e pronto? Não quer saber se vamos deixar ou não?"

A raiva me subiu seca pela garganta. Mas o que doía mesmo era o tom.

— "Desde quando você se importa, mãe? Você só sabe reclamar e exigir que eu seja a médica perfeita que você sonhou. Você já se perguntou o que EU quero? Alguma vez? Qual foi o último final de semana que vocês passaram comigo sem falar de trabalho? Vocês só vivem pra isso! Eu não pedi luxo, pedi presença. Pedi carinho!"

Minha voz falhou. Senti o nó se formar na garganta.

Meu pai tentou intervir, a voz baixa, culpada:

— "Filha, você sabe que tudo que fazemos é pelo seu bem. A gente trabalha pra te dar uma vida melhor."

— "Mas eu não quero só uma vida melhor, pai. Eu queria vocês. Queria pais de verdade. Queria acordar e ver vocês tomando café comigo, não só jantando às pressas como se estivessem cumprindo tabela. Isso é viver?" — agora eu chorava. — "Pra mim, não é."

Minha mãe largou os talheres com força.

— "Você é muito ingrata, Viviane. Acha que tudo cai do céu? Trabalhamos como loucos e ainda ouvimos desaforo? Olha ao seu redor, menina! Tem tudo do bom e do melhor, e ainda assim reclama? Não vai sair de casa esse final de semana. Acabou."

— "Isso não é justo!" — me levantei bruscamente. — "Você quer me trancar aqui como se eu fosse uma prisioneira só porque falei a verdade? Eu sou maior de idade! Não vou aceitar ser tratada como criança!"

— "Já chega, Viviane!" — ela gritou, furiosa. — "Se eu falei que não vai, é porque NÃO VAI. E se sair, não precisa voltar. Tá avisada. Nós não vamos mais aceitar esse tipo de desrespeito!"

Meu pai tentou acalmar.

— "Sofia, também não é assim..."

— "Não se meta, Daniel. A culpa disso tudo é sua! Vive passando a mão na cabeça dessa menina. Mimada desse jeito por sua causa!"

Não aguentei mais ouvir.

Corri pro meu quarto.

As paredes pareciam encolher ao meu redor. Me joguei na cama, abracei o travesseiro e desabei. Me sentia tão pequena… tão rejeitada… como se eu fosse um fardo.

Por que ela sempre me tratou assim?

Não lembro do último abraço. Do último elogio. Do último "eu te amo".

Pouco depois, meu pai entrou. Silencioso. Sentou ao meu lado na cama e me puxou pra um abraço.

Fiquei ali, encolhida nos braços dele como uma criança ferida.

— "Desculpa, filha… pela nossa ausência. A gente só queria te dar o melhor."

— "Não, pai. Eu não quero o melhor. Eu queria vocês. Queria amor. Queria a mãe que nunca tive. É tão difícil assim?"

Ele me apertou mais forte. A voz dele embargou.

— "Não… não é difícil. Me perdoa. Perdoa a sua mãe. Ela… ela tá sobrecarregada. Cheia de casos, prazos, pressão..."

— "Isso não justifica o jeito dela comigo. Nunca justificou." — funguei, olhando pra ele. — "Por que ela nunca me amou, pai? Por quê?"

Ele suspirou fundo. O olhar cansado, quebrado.

— "Ela ama sim, filha. Só… não sabe demonstrar. É o jeito dela. Ela é dura com todo mundo, até comigo. Mas… lá no fundo, ela te ama. Acredite."

— "Eu não consigo acreditar. Porque eu nunca senti."

Ele não respondeu.

Só me abraçou mais forte. Ficamos assim até eu adormecer, com o coração partido e os olhos ainda molhados, desejando ser vista. Desejando ser amada, de verdade.

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Comments

Mclaudia Oliveira

Mclaudia Oliveira

Dinheiro não é tudo na vida 😞😞

2025-06-03

2

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