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Saí do evento com a minha conta bancária mais recheada e com um sentimento estranho. Algo me dizia que o melhor que eu tinha a fazer era arranjar uma desculpa e não ir ao jantar do chefe June. Mas depois lembrava-me da conversa que tinha tido com a minha velha e uma coisa chamada consciência entrava em acção. Eu não lhe podia falhar.

- Cliente fixa?- perguntou-me o Sebastian quando se aproximou de mim. Estávamos à porta do hotel à espera das nossas boleias.

- Sim. E a tua?

- Também , o marido deve estar a comer alguma loira oxigenada e ela vem sempre sozinha a este tipo de coisas, por isso nessas alturas ela liga e eu venho fazer-lhe companhia, por acaso até paga bem...

Houve um momento de silêncio. Falar da nossa profissão não era propriamente o meu objetivo de vida. Olhei para o meu telemóvel e vi uma mensagem do Neo a dizer que estava prestes a chegar. O silêncio era constrangedor, as convidadas do evento estavam todas a sair e olhavam-nos como se fôssemos uma peça de carne.

- Mulheres desesperadas...- Sebastian disse muito baixo. Olhei para ele confuso. - Olham para nós como se fôssemos uma tábua de salvação das vidas monótonas que levam...

- Algumas só precisam mesmo de ter companhia...- tentei justificar, mas ele atirou a cabeça para trás e riu.

- São poucas...hoje em dia somos o troféu, o amante que elas bancam para depois esfregarem um dia no divórcio ao marido na cara que não era só ele que traía!

- Vê-se que não gostas do que fazes...- comentei. O olhar dele ficou fixo nas pedras da calçada durante instantes.

- O que tenho para gostar? Somos usados, iludem-nos com promessas que nos vão tirar desta vida, dizem que vão deixar tudo por nós , mas na realidade ao primeiro problema descartam-nos...nunca comentas o mesmo erro que eu e penses que vai haver alguma ou algum que te leve a sério ,porque não vai acontecer... nunca te apaixones...Não vale a pena...

Era esse o problema afinal.Olhei para ele sem saber o que lhe dizer, ouvi uma buzina e vi a van do Neo estacionar quase em cima do passeio.

- Queres boleia?- perguntei-lhe, comecei a ter pena dele.

- Não, o meu próximo cliente vem buscar-me. Podes ir à tua vida...- despedi-me dele e entrei na van, Neo nem se lembrou de baixar o vidro do lado do pendura como costumava fazer. Entrei na van e vi o Sebastian a olhar de relance para nós.

- Conheces ele?- Neo perguntou enquanto olhava pelo espelho para ver quando podia seguir a marcha, Sebastian tinha agora acabado de entrar no carro desportivo de um tipo que eu conhecia, já tinha sido meu cliente.

- É o Sebastian, ele também é gigôlo como eu. Conheces ele?- Neo abanou a cabeça e seguiu em silêncio o resto do caminho.

- Quando é que vais deixar esta vida?- ele perguntou quando chegámos a casa. Eu já sabia como ia terminar aquela conversa, mas durante alguns segundos fiquei calado na esperança que ele mudasse de assunto, mas tal não aconteceu.

- Assim que pagar a minha dívida. Já te tinha dito.

- Podes ter um trabalho normal como eu.

- Tão normal que mal ganhas para pagar as contas,tiveste de ter três empregos ao mesmo tempo para conseguires aguentar as pontas e mesmo assim ficámos sem nada.- aquilo saiu da minha boca sem intenção de o magoar, mas o olhar que ele me lançou só mostrou que eu tinha acabado de atingir um ponto sensível.

- Nunca te pedi ajuda!

Fechei as mãos e os olhos, respirei fundo, aquela conversa estava a levar um rumo que eu não estava a gostar.

- O que se passou para estares assim?!

- Nada!- ele quase me rosnou. Não olhava sequer para mim. Puxei ele por um braço e fiz ele olhar para mim.

- Alguém te chateou por minha causa? Fala comigo!!!- sacudi ele, ele olhou para mim com puro ódio no olhar.

- Sabes o que é trabalhar num lugar onde os tipos adoram falar que tenho um irmão que come velhas por dinheiro?! Até quando tenho de aguentar isso?!

Larguei ele. Sim, só podia ser isso e eu tinha sido um idiota em tentar que ele me dissesse o que se passava quando parte de mim já adivinhava o que se passava.

- Mais uns meses, prometo que só mais uns meses, antes do final do ano estou livre disto. Prometo.

Meti as minhas mãos nos ombros dele e encostei a minha testa à dele, ele fechou os olhos e respirou fundo, a respiração era trémula, ele estava a tentar segurar as lágrimas.

- Espero que sim, preciso de ter uma vida normal...- ele abraçou-me finalmente, era um abraço apertado que me conseguiu tranquilizar naquele momento, mas o que ele não sabia era que eu lhe tinha mentido: eu não tinha a mais pequena ideia de quando eu ia largar o meu " trabalho".

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