Se passar no teste para líder de torcida me fez sorrir, os treinos diários trataram de apagar aquele sorriso rapidinho.
Em menos de uma semana, eu já tinha descoberto duas coisas importantes sobre mim:
Que minha coordenação motora era muito mais teórica do que prática.
Que pompons pesam mais do que parecem.
"Rosana, você tá uma batida atrasada!"— avisou a capitã pela terceira vez naquele treino. Ela dizia isso com um sorrisinho doce, mas o olhar já tinha uma pontinha de desespero.
Eu também estava desesperada. Por ar, principalmente. Aquele sol de meio-dia na quadra coberta era implacável, e eu já tinha perdido as contas de quantas vezes quase levei um pompom na cara.
"Desculpa… eu juro que em casa saiu certinho." — tentei me justificar, ofegante.
Bianca assistia da arquibancada com uma garrafa de água nas mãos e um sorriso debochado nos lábios.
"A dança não é seu forte, amiga. Mas pelo menos o figurino te favorece." — gritou, e eu mostrei o dedo do meio disfarçadamente, o que fez ela rir ainda mais.
A verdade é que eu não sabia se estava ali pra mim… ou pra minha mãe. Talvez uma parte minha quisesse fazer aquilo dar certo. Quisesse ser alguém que ela pudesse admirar com orgulho. Mas tinha outra parte, menor e mais silenciosa, que só queria ser deixada em paz com um livro de romance e um fone de ouvido.
No fim do treino, eu desabei no banco da quadra. A garrafinha de água parecia uma bênção divina.
"Você não parece feliz." — comentou Bianca, sentando ao meu lado.
"Eu não estou infeliz. Só... desastrada."
Ela riu.
"Por que não desiste?"
Eu pensei na minha mãe. Pensei no brilho nos olhos dela quando me viu com o uniforme.
"Porque a minha mãe apostou todo o seu dinheiro em mim, para ela realizar o seu sonho.E talvez... eu só precise de tempo pra descobrir quem eu sou aqui dentro."
Nesse momento, o som das rodas no concreto soou de novo.
Levantei os olhos.
Ele estava lá. O garoto do skate.
Dessa vez, sozinho.
Deslizou pela pista como se o mundo não tivesse peso nenhum. E por um instante, nem o meu parecia ter.
Bianca me cutucou de leve:
"Vai continuar só olhando?"
Sorri, meio sem saber o por quê.
E fiquei ali, entre o suor do treino e o silêncio do que ainda viria, sentindo que talvez… o meu lugar naquele colégio ainda não tivesse sido revelado. Mas eu estava disposta a descobrir.
...ΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩ...
A quadra estava vazia no fim da tarde, só o som dos meus tênis ecoando nos azulejos. Eu decidi ficar depois do treino, tentar repetir os passos sem o olhar crítico da capitã ou as piadinhas das meninas mais experientes.
"Direita, esquerda, giro... braço…"
Era pra ser simples. Mas eu conseguia parecer tudo, menos coordenada. Quando tentei girar pela terceira vez, meu braço voou pra um lado, o outro pro outro, e o pompom quase caiu da minha mão.
Foi aí que ouvi uma risada baixa atrás de mim.
"Você tá mais pra boneco de posto do que pra líder de torcida." — disse uma voz divertida.
Me virei, já preparada pra rebater, mas travei por meio segundo quando vi quem era.
Ele estava lá — o garoto do skate. Agora mais perto, encostado na grade da quadra, segurando o seu skate e com aquele sorriso solto, como se o mundo inteiro fosse um parque de diversões particular.
Era loiro, mas não daquele loiro artificial. Era um tom claro e natural que parecia ainda mais dourado sob o sol de fim de tarde. Os olhos eram castanhos, mas de um jeito diferente. Quase mel, quase âmbar — refletindo a luz como se tivessem sido feitos pra brilhar só naquele horário do dia. E, quando ele sorria, uma covinha aparecia na bochecha esquerda, o que — injustamente — o deixava fofo. Mesmo com aquele jeito convencido.
Mas o que mais chamava atenção era o jeito como ele parecia levar tudo na brincadeira. Como se nada fosse sério demais. Como se a vida fosse um jogo, e ele soubesse todos os atalhos.
"E você parece bem à vontade dando opinião não solicitada." — rebati, tentando não mostrar que tinha reparado em absolutamente tudo.
Ele deu de ombros, com aquele ar despreocupado.
"É que eu gosto de ver gente tentando. E tropeçando. E tentando de novo. Tem algo… divertido nisso."
"Então você é do tipo que assiste vídeo de gente caindo no YouTube?"
"O tempo todo." — ele respondeu com naturalidade, o que me arrancou um riso involuntário: "Mas não me entenda mal. Você é corajosa. Eu teria desistido na primeira humilhação pública."
"Que bom que você não tá no time, então."
Ele sorriu de novo, mais de canto agora.
"Ainda não."
"Ainda?"
"Tô pensando em entrar. Futebol. Ou talvez basquete. Ainda não decidi se quero ser popular ou só meio popular."
Revirei os olhos, mas estava sorrindo. Ele tinha aquele tipo de charme irritante que entrava sorrateiro e ficava ali, cutucando.
"E você?" — ele perguntou, se aproximando um pouco: "Tá aqui por você ou pela sua mãe?"
Fiquei surpresa. Como ele…?
"Chutei. A maioria das meninas que treinam até depois do treino tão tentando provar algo pra alguém."
Suspirei, abaixando os olhos.
"Talvez um pouco dos dois."
Ele assentiu, como se entendesse mais do que dizia.
"Sou Théo, aliás."
"Só Théo?" - fiquei surpresa pelo seu nome ser tão pequeno.
"Eu prefiro assim."
"Okay..." - dei de ombros: " Eu sou Rosana, prefiro assim também, sem apelidos."
"Rosana…"— ele repetiu meu nome como se experimentasse o som: "Não combina com nome de boneco de posto. Mas combina com alguém que vai descobrir que é boa em outras coisas."
"Tipo o quê?"
Ele sorriu e caminhou de volta em direção à saída.
"Tipo fazer um garoto parar o treino de skate só pra ver ela dançar mal."
E saiu.
Fiquei ali, imóvel por um instante. A quadra vazia de novo. Mas com algo diferente no ar. Um tipo de energia que eu ainda não sabia explicar.
Talvez ele tivesse razão.
Talvez eu fosse boa em outras coisas. E talvez… aquela fosse a primeira vez em que alguém via algo em mim antes mesmo que eu soubesse o que era.
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Atualizado até capítulo 34
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