Silêncios Afiados

Na manhã seguinte, Clara entrou no escritório com passos calculados e olhos ligeiramente inquietos. A noite anterior havia sido um desfile de pensamentos embaralhados, diálogos ensaiados e perguntas sem resposta. Dormira pouco e acordara cedo demais.

Na mesa dela, tudo estava igual — impecável. Mas o silêncio que pairava no andar parecia diferente. Denso. Cauteloso. Helena não a havia procurado. Nenhuma mensagem, nenhum chamado. Apenas o som distante de reuniões e telefonemas abafados.

O relógio marcava 10h22 quando Clara se levantou e foi até a copa buscar um café. No caminho, passou pela sala de vidro de Helena e, por instinto, olhou. A empresária estava ao telefone, o olhar duro, mas ao mesmo tempo... cansado.

Clara hesitou, depois virou o rosto. Mas mesmo de costas, sentiu o olhar da chefe acompanhá-la até a esquina do corredor.

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No almoço, Clara comeu sozinha no refeitório. Desde que começara ali, Helena sempre estava ocupada demais para parar, mas hoje a ausência parecia intencional. Como se ambas tivessem voltado dois passos depois de se permitirem avançar um.

Voltando para a mesa, Clara encontrou um bilhete:

"Depois das 18h. Sala de arquivos. Preciso falar com você. — H.V."

Um arrepio involuntário percorreu suas costas.

Por que a sala de arquivos? Era o lugar menos frequentado da empresa. Pequena, com luz fraca e armários altos de ferro. Não exatamente o cenário mais profissional para uma conversa corporativa.

O dia arrastou-se em um turbilhão de pensamentos. Clara tentava se manter ocupada, respondendo e-mails, atualizando planilhas, mas sua cabeça ia parar, sempre, no mesmo ponto: o que aconteceria às 18h?

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18h05.

Clara caminhava pelo corredor com passos lentos, o coração batendo alto demais para o silêncio do ambiente. Quando abriu a porta da sala de arquivos, Helena já estava lá.

De costas, encostada numa estante. Como se não tivesse movido um músculo desde que chegou.

— Feche a porta — disse, sem se virar.

Clara obedeceu.

— Achei que íamos conversar, não nos esconder — tentou brincar, tentando aliviar a tensão.

Helena virou-se devagar, os olhos firmes, mas o rosto... quase vulnerável.

— Você tem ideia do que está fazendo comigo?

Clara engoliu em seco.

— Não. Mas... não é proposital.

— Eu construí uma reputação, Clara. Uma carreira sólida, respeitada. Com base em controle, em distância. E você chegou como um furacão calmo. Sorri, observa, fala baixo... e desarma tudo.

— Eu não quero destruir nada. Só estou sendo eu.

Helena deu um passo à frente.

— Mas é exatamente isso. Você ser você me desmonta. E eu não posso me dar o luxo de ser desmontada.

— Talvez você precise, só um pouco.

Helena sorriu, mas foi um sorriso triste.

— Eu não sei ser metade. Não sei gostar um pouco. Não sei tocar e depois fingir que não encostei.

Clara se aproximou. Parou a menos de um metro.

— Então não finge. Mas também não corre. Se tudo o que você sente precisa ser contido, talvez a gente possa... só respirar no mesmo ritmo. Sem promessas. Só... entender o que é isso.

Helena respirou fundo, os olhos presos aos de Clara. O silêncio entre elas era tão carregado que qualquer palavra pareceria um estrondo.

— Eu me odeio por querer isso — murmurou Helena. — Por desejar alguém que trabalha pra mim. Por perder o controle... logo com você.

Clara levantou a mão, devagar, e encostou levemente na manga da camisa dela. Um toque rápido, como um lembrete de que estavam ali, naquele instante, e ainda não era um erro.

— Então não me veja como uma ameaça. Me veja como alguém que te entende. E que está aqui... mesmo quando você tenta fugir.

Helena fechou os olhos por um segundo. Quando os abriu, estavam marejados. Mas não chorou.

— Vá embora agora, Clara.

Clara hesitou.

— Isso é uma ordem profissional?

— É um pedido humano.

Ela assentiu, recuou devagar e saiu da sala sem dizer mais nada. O coração parecia latejar no peito. Mas mesmo com a incerteza, havia ali algo que nem o silêncio mais cortante podia negar.

Algo havia sido reconhecido.

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