O luto se instalou na casa como uma nuvem densa. Durante semanas, Renato mal saía do quarto, e quando saía, era para garantir que Isadora tivesse tudo de que precisava. Ele não suportava ver a filha chorar, e fazia de tudo para arrancar um sorriso dela, ainda que momentâneo.
Presentes passaram a se acumular no quarto da menina: bonecas importadas, vestidos bordados, livros ilustrados, brinquedos eletrônicos. Mas nada substituía a presença da mãe. Ainda assim, Renato tentava preencher a falta com afeto exagerado e permissividade.
— Não precisa ir à escola hoje se não quiser, minha pequena. Vamos tomar sorvete no café da esquina? — dizia ele, interrompendo a rotina com escapadas improvisadas.
Isadora aceitava, mas sempre com um olhar distante. Começava a entender que seu pai estava tão perdido quanto ela. Em casa, ele se tornara seu herói silencioso, tentando construir um mundo onde a dor não existisse.
Com o tempo, Renato passou a recusar propostas de viagens a trabalho, delegar funções na empresa e passar mais tempo em casa. Criava um universo onde Isadora fosse o centro de tudo. Mas sem perceber, estava criando uma bolha.
Isadora crescia cercada por cuidados excessivos e poucas regras. O amor do pai era palpável, mas também um escudo que a impedia de conhecer o mundo real. Para Renato, ela era uma flor frágil que precisava ser protegida de todas as formas.
E por um tempo, isso bastava. O vazio deixado por Helena parecia menos dolorido quando pai e filha assistiam filmes juntos, cozinhavam panquecas pela manhã ou liam histórias na varanda enquanto a noite caía.
Mas o tempo não parava. E logo a bolha seria posta à prova.
Na parede do quarto de Isadora, a foto da dança com a mãe permanecia. Ela sorria ao lado de Helena, mas o olhar carregava algo a mais: uma saudade silenciosa, e talvez, uma intuição de que tudo um dia muda mesmo sem o seu consentimento.
– O Peso das Sombras
Dez anos se passaram desde o adeus e do luto.
Isadora agora tinha dezoito anos e chamava atenção por onde passava. Seus traços delicados herdados da mãe contrastavam com a intensidade dos olhos, carregados de vontades e teimosia. Moravam em uma casa ainda mais elegante, resultado dos bons negócios do pai, que depois do luto se dedicara ao trabalho como forma de fugir da solidão e a satisfazer cada desejo da filha única.
A ausência da mãe transformou-se, aos poucos, numa ferida coberta por presentes, permissões e desculpas. O pai fazia o impossível para vê-la sorrir. E Isadora, percebendo isso, aprendeu a usar esse poder a seu favor.
Adolescente, vivia em festas, cercada de amigos superficiais e promessas vazias. Repetia de ano com frequência, trocava de colégio como quem muda de roupa, e acumulava advertências discretas que nunca chegavam a gerar consequências. O pai, influente e determinado a poupá-la de dores, fazia questão de abafar qualquer incidente antes que se tornasse público.
Houve uma vez em que bateu o carro novo numa madrugada, após sair escondida para uma festa. Disse que alguém havia esbarrado no estacionamento. O pai acreditou , ou fingiu acreditar. Pagou o conserto e nunca mais tocou no assunto.
Em outra ocasião, uma funcionária foi demitida por chamar a atenção de Isadora por destratar uma colega na escola. A justificativa oficial foi "reestruturação doméstica". Mas todos sabiam a verdade: ninguém podia contrariar a pequena rainha da casa.
Apesar de tudo, havia algo em Isadora que não se deixava apagar completamente. Um vazio persistente, uma insatisfação constante, como se tudo o que recebia fosse uma tentativa frustrada de preencher o buraco deixado pela mãe. Às vezes, no silêncio da noite, ela ainda segurava a velha boneca de pano ,agora guardada no fundo de uma gaveta , e pensava na mulher que poderia ter lhe ensinado a ser... diferente.
A vida parecia perfeita à primeira vista, mas era uma ilusão sustentada por aparências, dinheiro e segredos. O pai, por sua vez, começava a dar sinais de cansaço. Seus olhos já não escondiam tão bem a culpa por ter transformado o luto em indulgência.
E o destino, silencioso, se preparava para dar o próximo passo.
Porque todo castelo de vidro, mais cedo ou mais tarde, encontra a primeira pedra.
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Atualizado até capítulo 60
Comments
Cristiane F silva
Tá. Rebeldia N adianta de nada as vezes a pessoa amadurece a força e mesmo assim N perde sua essência
2025-05-01
2
Andreia Cristina
ele tentou maquiar a ausência da mãe dela cm presentes caros mais esqueceu o principal o respeito ao próximo
2025-05-03
1
Mclaudia Oliveira
🥺🥺😢😢
2025-05-03
0