Capítulo 2 – Laura e o sonho da fuga

...LAURA NARRANDO......

...↢❯────「↢ ❦ ↣」────❮↣...

Acordei com o som do funk vindo da casa do lado. Era umas oito da manhã e o MC já tava gritando sobre arma, mulher e poder, como se fosse normal.

Como se isso fosse a meta da vida. Suspirei fundo e levantei da cama improvisada no colchão velho. Minha mãe já tava na cozinha, mexendo o café com aquele ar cansado de quem carrega o peso do mundo nas costas.

— Dormiu bem, filha? — ela perguntou, sem nem me olhar.

— Mais ou menos... — murmurei, coçando a cabeça. — Ainda tô com a cena de ontem na cabeça.

— Esquece isso. Aquilo ali é o dia a dia, Laura. A gente aprende a sobreviver.

Mas eu não queria sobreviver, eu queria viver, entende?

Peguei uma caneca e sentei à mesa. Minha mãe passou a mão no meu cabelo com carinho. Os dedos dela tinham calos de tanto lavar roupa pros outros.

— Mãe... se eu falasse que queria sair daqui... você ia me apoiar?

Ela parou. Olhou pra mim como se eu tivesse dito que ia voar.

— Sair daqui? Pra onde, Laura?

— Pra qualquer lugar onde não tenha tiro, não tenha medo. Eu queria estudar, fazer faculdade... arrumar um trampo decente. Sei lá, começar de novo.

Ela mordeu o lábio, pensativa.

— Esse lugar suga a gente... Mas se é isso mesmo que você quer, filha, eu apoio. Só não quero que se machuque tentando.

Levantei, dei um beijo na testa dela e saí com um sorriso discreto. Mas o coração tava pulando dentro do peito.

Desci as escadas apressada e fui direto pro ponto de encontro com a Rebeca, minha melhor amiga desde que a gente aprendeu a amarrar o cadarço.

Ela já tava lá, sentada no batente da vendinha do Tico, com a mochila rasgada no colo e a cara de quem tinha varado a noite nos stories da galera.

— E aí, Laurita? Tá com cara de quem viu o Caio sem camisa — ela zoou, rindo.

— Ah, para com isso, menina. Nem conheço o cara.

— Agora conhece. Tu viu ele ontem, né? A favela inteira sabe que o homem voltou. Saiu do sistema com moral. Disseram que ele pegou três anos e já voltou como dono do morro.

— Dono?

— É. O Hugo passou o comando pra ele antes de sumir. Agora é ele quem manda nessa porra toda.

Arregalei os olhos. Meu estômago deu um nó estranho.

— Eu achei que ele era só mais um.

— Não, amiga. O Caio é o cara. E se prepara que ele é frio, calculista... dizem que nem pisca quando dá tiro.

Me arrepiei inteira. A imagem dele ajudando o moleque ontem passou na minha cabeça. Mas tinha alguma coisa ali que não batia. Um cara que manda no morro não se abaixa por ninguém. Mas ele ajudou. Me ajudou.

— Ei, Laurinha, tu tá viajando?

— Tô nada. Tava pensando... na vida.

— Vai dizer que não ficou mexida com o boy?

— Rebeca, para! Não é sobre ele. É sobre mim. Eu não aguento mais isso aqui. Acordar com tiro, dormir com medo. Eu quero sair desse lugar, Beca.

Ela me olhou, séria pela primeira vez.

— Tu fala isso desde os quinze. Mas nunca fez nada.

— E agora eu vou. Já tô vendo uns cursos técnicos, tem um projeto social lá no asfalto que ajuda com bolsa. Só preciso dar um jeito de ir até lá e fazer a inscrição.

— Tu tem coragem, mulher?

— Tenho medo. Mas tenho mais medo ainda de ficar presa aqui pra sempre.

Rebeca respirou fundo.

— Tu é braba mesmo, Laurinha.

— Não sou não. Só tô cansada.

Ficamos ali em silêncio por um tempo, observando os moleques jogando bola com chinelo como trave e as meninas mais novas dançando TikTok. No alto da laje, alguns olheiros já estavam de toca, vigiando o movimento.

Foi quando vi ele de novo. Caio. Parado na porta da barbearia do Léo, cercado por dois caras armados, mas tranquilo, com a mão no bolso e a outra mexendo no celular. Ele levantou o olhar, como se tivesse sentido que eu tava encarando.

Nossos olhos se cruzaram.

Por um segundo, só existia a gente. E aí ele deu um leve sorriso. Um canto de boca que mais parecia provocação.

— Laurinha... ele tá olhando pra tu — sussurrou a Rebeca, arregalada.

— Finge que não viu.

— Difícil fingir quando o homem parece um pecado em forma de problema.

Dei uma risada nervosa e levantei.

— Vambora, Beca. Antes que eu me enrosque com coisa que não faz parte dos meus planos.

***Esta obra está sob contrato com a NovelToon, e a pirataria, como a reimpressão sem permissão, é estritamente proibida.***

***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***