Vanessa limpava em silêncio.
A biblioteca da Mansão Thornbird era imensa, com prateleiras que alcançavam o teto, escadas móveis rangendo em corredores esquecidos pelo tempo. Cada livro era uma preciosidade de capa espessa e letras douradas. Ela não sabia ler, mas tocava os volumes com respeito, como quem acaricia feridas antigas.
Passaram-se dias desde o primeiro encontro com o Duque.
E ele não voltou a falar com ela.
Mas a sensação de estar sob vigilância era constante. Como se os próprios olhos da casa a observassem — ou pior, como se os olhos dele estivessem em cada canto, esperando vê-la falhar.
Ela não falhou.
Aprendeu rápido os caminhos da mansão. Suportou o escárnio das criadas, os olhares repulsivos dos nobres, os cochichos dos servos. Liliane a tratava como uma peça de porcelana feia colocada no lugar errado da prateleira: ignorava, mas odiava que estivesse ali.
Naquela tarde, enquanto varria o chão da biblioteca, um som chamou sua atenção.
— Você está fazendo errado — disse uma voz feminina e doce, mas carregada de ironia.
Vanessa ergueu os olhos e viu Liliane de pé na porta, envolta em seda azul-clara, os cabelos loiros soltos como uma moldura celestial.
— O pó deve ser retirado com panos de algodão. Não com essa... vassoura imunda — Liliane avançou, os saltos estalando contra o mármore. — Mas talvez a culpa seja minha. Esperar que uma coisa como você saiba a diferença entre madeira nobre e lama é pedir demais, não é?
Vanessa baixou a cabeça. Manteve o silêncio.
Liliane se aproximou.
— Ouvi dizer que você tem olhos verdes. Deixe-me ver.
A mão fria da Duquesa segurou o queixo de Vanessa com força. Levantou-o. Seus olhos se encontraram.
Liliane não sorriu. Mas seu olhar ardeu de algo que Vanessa reconheceu bem: insegurança disfarçada de desdém.
— Você se acha bonita? — perguntou. — Porque ouvi soldados cochichando. Dizem que você tem uma beleza... incomum.
Vanessa nada respondeu.
Liliane soltou seu rosto com certo nojo.
— Se eu descobrir que alguém nesta casa — alguém — está olhando para você como mulher, e não como objeto, farei questão de arrancar seus olhos e dar de presente ao meu marido. Ele adoraria o gesto.
Saiu, flutuando em sua arrogância.
Vanessa ficou ali, sozinha. O queixo ardendo. Mas ainda assim... firme.
Naquela noite, Raphael a observou da varanda do escritório. Ela caminhava no pátio com um regador velho em mãos, molhando as plantas da estufa.
Sozinha. Sempre sozinha.
Ele notava seus movimentos precisos, como se cada passo seu fosse medido. Como se ela recusasse ser invisível, mas também não quisesse ser notada demais. Um equilíbrio perfeito entre desafio e sobrevivência.
O Duque se virou, frustrado.
— É uma tola... — murmurou para si mesmo.
Mas havia algo nela que o incomodava mais do que qualquer escravo anterior. Ela não implorava. Não chorava. E mesmo submissa, havia algo indomável em seus olhos.
— Meu senhor — disse o mordomo, atrás dele —, a Imperatriz pediu uma resposta sobre a escrava enviada. Dizem que ela espera uma carta de agradecimento.
Raphael ficou em silêncio por longos segundos.
— Diga que ela serve. E que continua viva.
— Só isso?
— Só isso.
Na madrugada, enquanto todos dormiam, Raphael atravessou a mansão em silêncio. Passou pela ala leste, cruzou o corredor da ala dos empregados e desceu ao porão.
Parou diante da porta de ferro. Ficou ali, por longos minutos.
Não bateu.
Não entrou.
Apenas ficou.
Porque algo nele, algo que ele ainda não aceitava, começava a se inquietar com aquela presença silenciosa, com aquele corpo curvado pelo peso de correntes... mas que se recusava a murchar.
Vanessa dormia, abraçada aos próprios joelhos, sem saber que o coração de seu carrasco havia hesitado — pela primeira vez em anos.
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Atualizado até capítulo 40
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