verdades que queimam

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Capítulo 3

Verdades que Queimam

Na sala, Marina e Aurora se sentaram no sofá, ainda em silêncio. O tempo parecia suspenso entre elas. Do corredor, atrás da porta entreaberta, Sophia e Adriana espiavam discretamente — uma curiosa e nervosa, a outra em silêncio, como quem já esperava que algo intenso viesse à tona.

— Eu escrevi pra você. Durante anos. — disse Marina, baixinho. — Toda semana, às vezes duas vezes.

Aurora assentiu, os olhos marejados.

— Eu também. Mas todas as minhas cartas voltavam. Fechadas. Com um carimbo frio e cruel: “destinatária ausente”. Só que eu sabia que você estava lá… eu sentia.

Marina apertou os olhos, a dor ressurgindo como se tudo tivesse acontecido ontem.

— Ele... o seu pai.

— Ele fez de tudo pra nos separar. — Aurora disse com a voz falhando. — Confiscou minhas cartas, mudou meu colégio, trocou meus contatos. Me vigiava. Me punia. Dizia que eu estava doente. Que você era um erro.

Marina levou a mão à boca, tentando conter um soluço. Sophia, do outro lado da parede, arregalou os olhos. Aquilo era mais do que ela imaginava.

— Eu pensei que você tivesse me esquecido. Que tivesse seguido em frente… com raiva de mim.

— Eu pensei o mesmo de você. — Aurora respondeu. — E por muito tempo, eu quis apagar você da minha memória… mas não consegui. Você era a cicatriz que doía mais nos dias de chuva.

Adriana segurou a mão de Sophia com delicadeza, como quem diz: “a verdade dói, mas liberta”.

Na sala, Marina limpava os olhos com as costas da mão.

— E agora? Por que você tá me contando tudo isso?

Aurora respirou fundo, como se estivesse prestes a saltar de um penhasco.

— Porque você merece a verdade. Toda ela. E… porque tem algo mais.

Marina levantou o olhar, confusa.

— Tem um menino. O nome dele é Caio.

Marina piscou, sem entender.

— Ele é… seu filho?

— Sim. — Aurora disse com firmeza. — Ele tem cinco anos. É meu filho… e também tem um pai. Eu sou casada.

O silêncio explodiu como uma bomba invisível.

Sophia sentiu o coração dar um pulo. Ela olhou para Adriana, que fechou os olhos como quem já suspeitava, mas não queria acreditar.

Marina, imóvel no sofá, parecia lutar contra um turbilhão interno.

— Você… casou com um homem?

— Foi depois. Muito depois. — Aurora explicou rapidamente. — Eu tava quebrada. Queria ter uma família, construir algo... me convencer de que o passado era passado. Mas, Marina… nada disso apagou você de mim.

— E ele sabe? Sobre a gente?

— Ele desconfia. Mas nunca entendeu. Nunca me conheceu inteira.

Marina se levantou devagar. Estava pálida, o olhar perdido.

— Isso muda tudo.

— Não, Marina. — Aurora disse, levantando-se também. — Isso só mostra o quanto eu tentei viver uma vida sem você. E falhei. Eu não tô aqui pra te pedir nada. Só quero que você saiba que, mesmo com tudo que vivi, você continua sendo o amor que ficou.

Marina não respondeu. O silêncio entre elas agora era outro — não de incerteza, mas de choque, de peso.

Do corredor, Sophia recuou um passo, o coração apertado.

— Ela tem um filho… — murmurou para Adriana, baixinho.

— Sim. E uma história cheia de dor. — Adriana respondeu. — Mas isso não apaga o que ela e sua mãe viveram.

Sophia ficou quieta por um momento, então sussurrou:

— Eu ainda quero ajudar… mas agora nem sei como.

Adriana passou o braço ao redor da menina.

— Às vezes, ajudar é só ouvir. E esperar. O amor sempre encontra um jeito. Mesmo entre ruínas.

E dentro da sala, duas mulheres estavam finalmente frente a frente com tudo que nunca puderam dizer — e agora, tinham muito a decidir.

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Marina sentiu as pernas fraquejarem. Os olhos ardiam, e não era apenas pelas lágrimas — era pelo peso de tudo que Aurora havia dito. Anos de silêncio, dor, escolhas forçadas, um casamento, um filho… e, mesmo assim, aquele amor ainda pulsava entre elas, confuso, vivo, machucado.

Ela virou o rosto, limpando as lágrimas com pressa. Mas elas não paravam.

— Eu… eu não posso — disse, com a voz embargada. — Me desculpa, Aurora. Eu preciso ir.

Aurora tentou se aproximar, mas Marina deu um passo atrás, levantando a mão, como se não conseguisse mais respirar naquele espaço.

— Sofia! — chamou, com a voz tremida.

Do corredor, Sophia se afastou rapidamente da porta, fingindo ter vindo da cozinha. Respirou fundo antes de aparecer na sala.

— Oi, mãe.

Marina forçou um sorriso, mas os olhos ainda estavam cheios.

— Vamos. Eu… preciso de um tempo.

Sophia apenas assentiu, com uma calma que surpreendeu até a própria mãe.

— Tá bom.

As duas saíram da casa em silêncio. Quando passaram por Adriana, Sophia trocou um olhar com ela. Um pedido mudo. E então, discretamente, tocou o braço da amiga da mãe e sussurrou, quando Marina já estava alguns passos à frente:

— Por favor, não conta pra ela que eu ouvi tudo.

Adriana franziu levemente o cenho, surpresa com a maturidade na voz da menina.

— Por quê?

— Porque… ela precisa confiar em mim no tempo dela. Eu quero que ela conte porque quer, não porque sabe que eu já sei.

Adriana sorriu, com os olhos marejados.

— Você é muito mais forte do que parece, sabia?

Sophia deu de ombros, com um sorrisinho triste.

— Ela me ensinou a ser.

Adriana apertou a mão da menina de leve, como quem sela um pacto silencioso. E viu as duas se afastarem — mãe e filha — em meio ao entardecer, unidas por laços invisíveis, mas firmes. Laços de amor, de dor e de paciência.

E no fundo, Adriana sabia: aquela história ainda estava longe de acabar. Mas, de algum jeito… estava finalmente começando a ser contada.

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