Melhor Parte

Melhor Parte

Outro Alguém

O som das teclas preenchia o pequeno apartamento. A luz do pôr do sol atravessava a janela, refletindo no piano preto, no rosto dele, nos fios dourados de seu cabelo desgrenhado.

Felipe fechou os olhos enquanto tocava. Cada nota era um refúgio, um lugar onde as palavras não eram necessárias. No mundo dele, a música falava mais alto do que qualquer conversa.

O telefone vibrou na mesa ao lado. Ele parou de tocar por um instante, olhou o nome na tela e hesitou. Era Ana.

Ana: -Oi, Felipe. Tudo bem?

A voz dela era suave.

Ele engoliu seco. Não gostava de telefonemas, das pausas incômodas, da expectativa de responder rápido. Mas Ana sempre tinha paciência com ele.

Felipe: -Oi. Sim. E você?

disse, sem saber se deveria perguntar isso de volta.

Ana: -Estou bem. Eu... ouvi dizer que você tem tocado muito essa música.

Felipe olhou para o piano. Ela sabia. Sempre sabia.

Felipe: -Sim.

Ana: -Você quer falar sobre isso?

Ele fechou os olhos. A música era mais fácil. As palavras, difíceis.

Felipe: -Ele encontrou outra pessoa, né?

murmurou.

Ana ficou em silêncio.

Ana: -Acho que sim ela respondeu, por fim.

Felipe apertou os punhos. Sabia que isso aconteceria. Ele nunca foi bom em entender as pessoas, os sinais, os momentos certos para agir. Ele sentia tudo intensamente, mas demonstrava do jeito errado.

Eu tentei. Tentei dizer que gostava dele. Mas nunca soube como.

Ana: -Você demonstrou à sua maneira, Felipe. Não foi culpa sua.

Ele respirou fundo, mas a dor no peito não diminuía.

Felipe: -Por que parece que sempre estou um passo atrás?

Ana sorriu do outro lado da linha.

Ana: -Porque você sente o mundo de um jeito diferente. Mas isso não significa que você perdeu.

Felipe olhou para as teclas. A música ainda estava ali. Sempre esteve.

A campainha tocou. Ele respirou fundo antes de se levantar. Quando abriu a porta, se deparou com um rosto que não via há tempos.

?: -E aí, Felipe.

Era Rafael. Alto, cabelo castanho bagunçado, um piercing na sobrancelha e um olhar sempre cheio de segredos. A última vez que se viram foi meses atrás, quando Rafael simplesmente sumiu da vida dele.

Felipe não sabia o que dizer. Não gostava de surpresas.

Rafael: -Posso entrar?

Rafael perguntou, apoiando-se no batente da porta.

Felipe deu um passo para o lado, permitindo que ele passasse. Rafael entrou como se nunca tivesse ido embora, jogando a mochila no sofá e olhando ao redor.

Rafael: -Continua o mesmo.

Disse, analisando Felipe.

Rafael: -Ainda toca no escuro?

Felipe franziu a testa.

Felipe: -Eu gosto da iluminação baixa.

Rafael riu.

Rafael: -Você sempre foi um mistério.

Felipe cruzou os braços.

Felipe: -Por que você está aqui, Rafael?

O outro suspirou, sentando-se no braço do sofá.

Felipe: -Ouvi dizer que você se apaixonou por alguém.

Felipe sentiu um nó na garganta. Claro que Rafael saberia. Ele sempre sabia de tudo, como um gato observando sua presa.

Rafael: -E ouvi dizer que você perdeu

Rafael continuou, a voz carregada de algo entre provocação e carinho.

Felipe: -Por que você se importa?

Felipe rebateu, encarando o outro.

Rafael ficou em silêncio por um momento, antes de se levantar e caminhar até o piano.

O piano estava mudo naquela noite. Felipe não tocava. Apenas encarava as teclas, os dedos pousados sobre elas, mas sem coragem de pressioná-las.

Ana estava sentada no sofá, observando-o em silêncio. O relógio na parede marcava quase meia-noite. Desde que Rafael apareceu, Felipe parecia mais distante, mais perdido em pensamentos que nunca.

Ana: -Ele foi embora de novo, não foi?

ela perguntou baixinho.

Felipe fechou os olhos. Sim. Rafael tinha sumido tão rápido quanto apareceu, deixando para trás apenas mais perguntas e um peso no peito de Felipe que ele não sabia como explicar.

Felipe: -Foi

respondeu, seco.

Ana respirou fundo.

Ana: -Você vai continuar esperando?

Felipe não respondeu.

Ana se levantou e caminhou até ele, sentando-se ao seu lado no banco do piano. Ficaram assim por alguns segundos, os ombros quase se tocando.

Ana: -Eu odeio isso

ela murmurou.

Felipe virou o rosto para encará-la.

Felipe: -O quê?

Ela apertou os dedos contra as pernas.

Ana: -O jeito que você se fecha. O jeito que você fica preso em pessoas que não ficam presas em você.

Felipe sentiu um aperto no peito. Ana nunca falava daquele jeito.

Felipe: -Eu só… não sei como deixar ir

admitiu.

Ana riu baixinho, mas era um riso sem alegria.

Ana: -Eu sei

Ela disse.

Ana: -Porque eu também não sei.

Ele franziu a testa.

Felipe: -O que quer dizer?

Ela finalmente olhou nos olhos dele. Havia algo ali que Felipe não conseguia decifrar, algo intenso, algo que fazia seu coração acelerar de um jeito estranho.

Ana: -Eu queria que você olhasse pra mim do jeito que olha pra ele

Confessou, a voz embargada.

Ana: -Mas quando você está comigo, parece que está esperando outra pessoa entrar pela porta.

Felipe piscou, atordoado.

Felipe: -Ana, eu…

Ana: -Tudo bem, Felipe

Ela cortou, levantando-se.

Ana: -Você nunca percebe as coisas, né?

Ele quis responder, mas não sabia o que dizer.

Ana pegou o casaco e caminhou até a porta. Antes de sair, parou por um segundo.

Ana: -Quando você estiver pronto para olhar pra alguém que está bem na sua frente, me avisa.

E então, ela foi embora.

Felipe ficou parado, os dedos ainda sobre as teclas. Agora ele sabia exatamente como tocar a dor que sentia.

Mas, pela primeira vez, ele se perguntou se queria mesmo tocar sozinho.

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