VENDIDA
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O som estridente do despertador preencheu o silêncio do pequeno apartamento. Era um alarme antigo, cujos botões já não respondiam tão bem ao toque, mas era tudo o que Tiana podia se permitir. Ela o desligou antes mesmo que tocasse por completo, como fazia todas as manhãs. Seus olhos estavam abertos há muito tempo, encarando o teto encardido, enquanto sua mente vagava por memórias antigas.
A fotografia na prateleira oposta capturava uma época que parecia pertencer a outra vida. Ela mostrava uma garota sorridente, de cabelos presos em duas tranças, com os braços ao redor de sua mãe. Ao lado, um homem robusto exibia um sorriso largo, com olhos cheios de orgulho. Essa era a família Souza de anos atrás, antes que tudo desmoronasse.
Tiana suspirou e afastou as cobertas. O chão frio contra seus pés descalços a trouxe de volta ao presente. Fazia tempo que ela havia aprendido a engolir a dor e seguir em frente, mas certas lembranças eram impossíveis de ignorar. Especialmente aquelas ligadas à mãe. A doença veio rápido, como uma tempestade inesperada, e levou embora a única pessoa que realmente acreditava nela. Após sua morte, o pai, antes um homem trabalhador e dedicado, tornou-se uma sombra do que fora.
Ele se entregou às bebidas e ao jogo, e com o tempo, perdeu não apenas o emprego, mas também o respeito de Tiana. Ela tentou, com todas as forças, ajudá-lo a se reerguer, mas ele parecia determinado a afundar ainda mais. No fim, ela aceitou que não podia salvá-lo.
Na cozinha minúscula, ela esquentou o resto do café da noite anterior, enquanto observava as contas espalhadas sobre a mesa. Luz, água, aluguel. Nada de novo, apenas a mesma pilha de cobranças que parecia crescer a cada semana. Quando perdeu a mãe, Tiana abandonou a adolescência cedo demais. Com 17 anos, começou a trabalhar em qualquer lugar que a aceitasse, enquanto tentava terminar o ensino médio. Agora, com 24 anos, ela ainda se equilibrava entre dois empregos e um curso noturno de administração. Era exaustivo, mas ela tinha planos. Um dia, sairia daquele apartamento apertado e deixaria para trás tudo o que a prendia ao passado.
Porém, naquela manhã, algo diferente aguardava por ela. Ao abrir a porta para sair, Tiana encontrou um envelope preso na maçaneta. O papel era grosso, de qualidade cara, o que contrastava com o resto do prédio decadente. Ela franziu o cenho, pegando o envelope e analisando-o por alguns instantes antes de abrir.
As palavras no papel eram simples, mas carregavam um peso que a fez sentir o chão sumir sob seus pés:
“Pagamento devido: R$ 50.000. Prazo: 7 dias.”
A assinatura no final fez seu coração disparar: Jack Blake.
Ela não precisava ser uma especialista para saber quem ele era. O nome Jack Blake era praticamente uma lenda urbana. Um empresário poderoso, dono de cassinos luxuosos, mas cujo verdadeiro império estava escondido sob a fachada de legalidade. Ele era conhecido por muitos nomes, mas o mais temido de todos era "o Diabo". As pessoas sussurravam histórias sobre ele, sobre como suas mãos estavam manchadas de sangue e como ninguém que lhe devia dinheiro escapava impune.
Tiana sentiu as mãos tremerem ao segurar o bilhete. Ela sabia que seu pai estava envolvido com apostas, mas nunca imaginou que as coisas haviam chegado a esse ponto. Cinquenta mil reais? Era um valor absurdo, uma dívida que seu pai jamais poderia pagar.
Ela pegou o celular e discou o número do pai, o coração martelando no peito. Ele atendeu depois do quinto toque, com a voz arrastada e rouca de quem provavelmente passara a noite bebendo.
— Pai, o que você fez? — Tiana perguntou, sem rodeios.
— O quê? Do que você está falando? — ele respondeu, fingindo ignorância.
— Jack Blake, pai! Você sabe quem ele é? Ele deixou um aviso na minha porta! — A voz dela estava mais alta do que pretendia, e ela percebeu que estava à beira de um ataque de pânico.
Do outro lado da linha, seu pai ficou em silêncio por alguns instantes, antes de finalmente murmurar:
— Eu... eu não tinha escolha, filha.
— Não tinha escolha? Você tem ideia de com quem está lidando? Esse homem não perdoa ninguém! — Ela quase gritou, sentindo a raiva e o medo lutarem por espaço dentro dela.
— Ele não vai fazer nada com você — tentou tranquilizá-la, mas sua voz soava insegura. — Eu vou dar um jeito.
— Você não entende, pai. Eles vieram até a minha porta! Essa dívida não é minha, mas eles estão vindo atrás de mim!
Tiana desligou o telefone antes que ele pudesse responder. Seu corpo inteiro tremia, e ela tentou se acalmar, respirando fundo. Isso não podia estar acontecendo. Ela tinha sua própria vida para cuidar, e agora estava sendo arrastada para o inferno por causa dos erros do pai.
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No final do expediente do seu trabalho, enquanto voltava para casa, Tiana sentiu que estava sendo observada. Era apenas uma sensação, mas o suficiente para deixá-la em alerta. Na esquina antes de chegar ao prédio, dois homens de ternos pretos surgiram de repente, bloqueando seu caminho.
— Tiana Souza? — perguntou um deles, em um tom que era mais uma afirmação do que uma pergunta.
Ela tentou disfarçar o medo, erguendo o queixo.
— Quem está perguntando?
— O Sr. Blake gostaria de falar com você. Agora.
Antes que ela pudesse responder, um carro preto se aproximou e parou ao lado deles. O homem abriu a porta de trás e, sem pedir permissão, segurou o braço de Tiana, forçando-a a entrar.
— Eu não vou a lugar nenhum! — Ela resistiu, tentando se soltar, mas o outro homem foi mais rápido e a empurrou para dentro do carro.
O veículo acelerou pelas ruas da cidade, e o coração de Tiana batia tão rápido que parecia que iria explodir. Ela não sabia o que a aguardava, mas uma coisa era certa: sua vida acabara de mudar para sempre.
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Atualizado até capítulo 39
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