Yandra Dias amassou o bilhete que acabara de receber entre seus dedos e foi até a varanda, oferecendo o rosto à brisa suave e à delicada luminosidade da enorme lua cheia de cor avermelhada que subia ao céu quase sem estrelas alguma, já acima da copa das diversas árvores centenárias e recém nascidas. A tênues nuvens e seus véus cinzentos pareciam flutuar entre o céu e a terra nesse dia complexo, estranho. As nuvens brancas, cinzas e muitas vezes escuras tinham um cálido tom rosado agora, o fim do sol e a chegada da noite com a sua magnífica lua já lhe dizia tudo. Não havia palavras para descrever o nascer da exuberante lua cheia de sangue. Era incrível. Ao lembrar que há mais de um ano estava no Continente Rivian, ela acabou estremecendo.
Naquela noite, o espetacular nascer da lua lhe trazia algo de febril, misterioso, como se quisesse combinar com a raiva que a consumia por dentro. O bilhete veio do clã Beckembauer, seu anfitrião no continente e dizia:
"Sincler Beckembauer chegou Yandra. Parece melhor do que todos esperavam na verdade. Venha jantar conosco. Assim poderemos combinar a nossa reunião. Ou prefere continuar se isolando do resto da matilha?".
Impaciente, irritada, Yandra passou uma das mãos pelos fartos cabelos e os grandes olhos acinzentados soltaram faíscas a cada palavra lida. Gostava muito do ancião Latam, que trabalhou por tantos anos com seu pai Aiden — até a hora da morte dele — e que agora trabalhava com ela. Mas o filho dele era outra história, da qual Yandra não fazia parte, uma vez que Sincler saíra do continente antes que ela viesse correndo do mundo humano, quando a saúde de seu pai começara a declinar. Portanto, não tinha tido o prazer, ou o desgosto, de conhecer Sincler Beckembauer. Sabia dele apenas as poucas coisas que o pai lhe contava quando ainda era apenas uma criança. O restante fora recolhendo por observação e pondo em seus lugares. Montar um quebra cabeça nunca é fácil quando não há peças disponíveis. Mas todos os boatos que ouviu aqui e ali, ao perambular pelas redondezas, lhe deu uma boa visão do que estava por vir. Pelo menos era o que ela imaginava.
Latam, um dos mais respeitados líderes do clã dos Presa de Prata, esperava que o filho lhe seguisse os passos. Em vez disso, Sincler Beckembauer foi para lugares desconhecidos, viajou o mundo e deixou a sua marca nele, dizendo que lá fora era que havia futuro de verdade para todos de seu clã. Agora, pelo jeito, Sincler tinha voltado para se refazer, depois de as feras do clã das Fúrias Negras quase terem acabado com ele. E claro que esperava que Latam lhe desse a mão e cuidasse dele até ficar bom.
E quando todos precisaram dele?
Continuará se aprofundando dentro dos outros clãs, milhares de quilômetros distante. No ano anterior Latam quase morrera, atingido por um tiro de um caçador ilegal humanos que invadirá a região, mas nem assim Sincler voltara. Quanto ao caçador teve o que mereceu, passou pelo julgamento dos Presas de Prata.
Iago, o seu guardião e treinador, parou perto da varanda e abriu o luminoso sorriso.
— O jipe está pronto, encrenca. Quer que eu dirija?
Iago era um Lycan que sempre treinou os mais jovens dentro do clã para o pai de Yandra. Estava apaixonado por um dos Filhos de Gaia, de todos os Lycans, os Filhos de Gaia eram aqueles que se encontram em maior harmonia com a vontade coletiva do planeta. A bonita guerreira de Latam, Amara, e ele aproveitava todas as chances de ir vê-la. Yandra fez que não com a cabeça.
— Desta vez não, Iago. Quero ir sozinha...
"E pôr os meus pensamentos em ordem", continuou para si mesma, enquanto descia os degraus. Detestava Sincler Beckembauer pelo sofrimento que causara ao seu pai, ao seu líder Latam Beckembauer, além de todos do clã e pouco lhe importava se ele era o sucessor do clã. Sincler não merecia ser o próximo líder da matilha. E não seria fácil mostrar-se amável com ele!
Duas propriedades dominavam aquela região da Patagônia: a Presa de Prata — que ficava no centro mesmo — e, a uns oito quilômetros ao sul, a propriedade de seu pai: uma reserva particular com várias espécies de animais, organizada pelo seu há mais de vinte anos. era usada tanto para preservação, treinamento e caça, só assim para manter os jovens longes das cidades humanas.
Yandra dirigiu o jipe pela estrada de terra, admirando a paisagem ao redor. Era um país abençoado pela Deusa Gaia: de uma beleza e riqueza naturais incomparáveis. Cerca de meio milhão de animais movimentavam- se pela propriedade, entre moitas de capim, arbustos espinhentos e árvores avermelhadas, que se erguiam no horizonte. A leste, o monte Fenris erguia seu pico nevado para o céu, lembrando que nem tudo nessa região eram enormes extensões planas cheias de arbustos.
Diminuiu a marcha para observar uma linda espécie de pantera, depois continuou. Adorava animais. Entendia por que o seu pai se estabelecera ali e por que a chamara quando percebera que as forças o abandonavam. Como ele, ela era uma competente defensora do direito e da preservação dos animais, eles eram cuidados, protegidos afinal. Mesmo que alguns fossem usados para saciar a fome e sede de seu clã. E era algo tão natural como o pulsar de seu coração. Por muita insistência de seu pai ela saiu para buscar conhecimento humano, realmente foi uma parte complicada de sua existência. Eles precisariam de uma médica veterinária e isso fazia muita falta naquele imenso território. Ele pagara seus estudos na faculdade de veterinária, e Yandra tinha impressão de que ele sabia o que iria acontecer. Era como se a tivesse preparado para o papel que, sabia, iria desempenhar futuramente. Ela cuidaria de seu clã em seu lugar, mesmo que de um jeito diferente. Pois ela não era uma guerreira como ele um dia fora.
No mundo humano fez questão de trabalhar profissionalmente com grandes animais como cavalos, vacas, bois e principalmente lobos. Mas os animais daqui eram um verdadeiro desafio. Sorriu ao imaginar seus irmãos Lycans em seu consultório. Haviam-na conquistado de vários modos, desde o menorzinho, o macaco, até o maior, o elefante. Eram muito vulneráveis diante dos seres humanos, principalmente dos caçadores ilegais, que os matavam indiscriminadamente, exterminando os donos verdadeiros daquelas terras, os Lycans Presas de Prata.
A magia que a Deusa Gaia havia jogando sobre a região os deixavam invisíveis nos olhos do resto da humanidade. Isso era vantajoso, além disso, ali sim parecia um paraíso pela quantidade diversificada de plantas, flores, frutos e animais. Ela amava dirigir na escuridão da noite com os faróis desligados, sua visão noturna de lupina lhe dava um deslumbre magnífico de tudo à sua volta.
Chegou à propriedade dos Presas de Prata e parou o jipe, esperando que o guarda-Lycan abrisse o portão. Se alguém quisesse ter um jardim florido, tinha que rodeá-lo com uma cerca; sem essa proteção, os animais destruiriam tudo, esmagando ou comendo as plantas. Esses eram os pequenos que por incrível que pareça pareciam gostar de fazer travessuras por onde passavam.
Acenou para o alto e elegante Lycan permitiu a sua passagem sem muitos problemas, depois dirigiu o jipe pela alameda que ia dar até o casarão, uma estrutura maciça, enorme, de madeira e pedras escuras. A casa de Latam Beckembauer era também elegante, mas as dos demais eram apenas sólidas e funcionais.
Ativou a sua visão para enxergar melhor a varanda de entrada, mas não viu ninguém por perto. Toda a oportunidade era necessária para o seu aprimoramento. Na propriedade Presas de Prata, todas as refeições eram realizadas na varanda. Na verdade tudo era comemorado com uma grandiosa festa, todos se sentavam em volta de uma grande fogueira e conversavam até o sol nascer.
Chegando mais perto, pôde ver que na mesa central onde os mais se reuniam nada havia além de uma pasta e alguns papéis. Talvez os ferimentos de Sincler não permitissem que ele se movimentasse muito... Chegou à porta e ergueu a mão para bater, mas parou ao ouvir vozes zangadas.
— Eu já falei que não estou a fim de conhecer ninguém! Disse uma voz profunda, irritada. Seu rosnado era bem intimidador.
— E eu já falei que vai ser bom para você. Retrucou a voz de Latam, alterada. — Além disso, Yandra Dias não é estranha. É como da nossa família... A única família que me restou depois que você foi embora. É como se fosse uma filha e de uma capacidade impressionante. Diabos! Ela conseguiria fazer um lobo comer-lhe na mão, se quisesse. Não preciso explicar a você o que isso significa. Ela veio para cá quando Aiden Dias precisou de ajuda e saiu-se muitíssimo bem.
— É uma fêmea... Respondeu Sincler Beckembauer.
Yandra percebeu algo como o barulho de um punho fechado batendo na madeira, enquanto a voz de Latam se elevava mais ainda:
— Você estava naquele maldito avião que caiu e quase morreu, mas está vivo e é claro que isso quer dizer alguma coisa. A fêmea que erroneamente escolherá, o grande amor da sua vida deixou você plantado, esperando, na frente do altar sagrado de Gaia. Se acha que essas razões são suficientes para se enfiar nas planícies de seu lar e viver como um Lycan solitário, meu filho... Se é esse o seu plano, pode pegar o primeiro avião que sair daqui! Olhe aqui, confesso que sofri como o diabo quando você foi embora para correr o mundo, mas sobrevivi. Os Beckembauer sempre foram sobreviventes. Depois, soube que você estava fazendo alguma coisa na vida... Se achava que desbravar os mistérios desse planeta e da vida são mais atraente do que percorrer as planícies de seus ancestrais, tudo bem. Mas não espere que eu segure a sua mão enquanto você enfia a cabeça num buraco, como um avestruz idiota, só porque teve um pouco de azar. Azar é não chover durante dois anos, ou um humano investir pela porta dos fundos da sua casa em busca de água, ou ainda quando uma horda de duzentos lobos inimigos resolve passar sobre seu território, sem se importar com o que esteja no caminho! Azar é haver uma revolta lupina dentro do seu próprio clã e você estar no meio, ou caçadores ilegais matarem e mutilam diante dos seus olhos quem mais ama...
Yandra voltou, depressa, para o jipe. Se ligasse o motor, eles ouviriam. Na certa não tinham percebido sua chegada, porque estavam no mais aceso da discussão. Podia buzinar, anunciando sua chegada, e eles jamais saberiam que ela havia ouvido. Mas queria, mesmo, entrar na casa naquele instante? Talvez fosse melhor adiar o desagradável momento de conhecer o príncipe dos Presas de Prata.
Ergueu os pensativos olhos acinzentados e fitou, vendo nitidamente, a águia que volteava lá no alto, no céu ao entardecer. Será que os ferimentos dele eram tão terríveis que ele queria esconder-se? Pelo jeito, esse não era o único motivo de ele ter voltado a sua terra de origem. Havia uma lupina envolvida na história também...
Yandra olhou para o lado da propriedade onde Latam mantinha animais doentes ou machucados, em recintos separados. O exame cuidadoso de cada paciente era uma parte de seu trabalho, e teria que ser feito, cedo ou tarde. Então, por que não naquele momento? Essa seria a melhor solução para ambos naquele instante.
Isso daria tempo aos dois lupinos para resolverem suas diferenças... Se conseguissem. Quando Latam notasse o seu jipe, saberia onde encontrá-la.
Primeiro, examinou o arisco Tigre, depois aproximou-se do imponente Felino, o rei das florestas. Ele agitava nervosamente a sua calda, suas orelhas estremecem, mas Yandra, calma, estava conseguindo examinar o ferimento que havia em seu flanco direito, resultado de flechas humanas.
— Muito bem, garotão... Sussurrou, enfim, dando uns tapinhas leves na juba do animal. — Você está indo muito bem!
O cliente seguinte era um jovem leão, o que exigia um manejo especial. Já estava ficando com uma farta e bonita juba. Os olhos dourados seguiam cada movimento dela. Quando ela se aproximou e estendeu a mão, o leão deitou-se de lado. era incrível como os animais selvagens sabiam que eles eram mais ferozes que imaginavam, muitos ficavam doceis por uma submissa natural. poucos tinham coragem de enfrentar diretamente um Lycan. Ela mais ainda por ser a mistura de duas raças distintas de lupinos, seu pai Aidem Dias era um Presa de Pratas e sua mãe falecida ainda quando era uma criança, era na verdade do clã dos Silenciosos.
Os mais misteriosos dos Lycans, os Silenciosos não mantêm casas permanentes, mas vagueiam de local a local e através dos reinos selvagens, urbanos e espirituais que desejarem. Eles até podem lembrar os Lycans Andarilhos, mas tem suas sutis diferenças. Viajar é sua existência, e poucos conhecem os segredos dos mortais e dos espíritos como eles. Os Silenciosos são lupinos lacônicos, e pouco se sabe sobre eles, a não ser que sempre parecem cientes dos eventos antes que aconteçam.
— Por Gaia! Eu nunca tinha visto isso! Disse a voz profunda atrás dela: — Meu pai disse que você sabia lidar com animais, mas não pensei que fosse tanto assim. Por acaso pertence ao clã dos Silenciosos?
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Atualizado até capítulo 59
Comments
Débora Rodrigues
Parece que o Sincler é meio mimado.
2025-03-09
0
xxaruspice
achei interessante
2024-12-22
1