Capítulo 3 — Floresta dos Ancestrais

A floresta sussurrava em volta deles, uma melodia antiga tocada pelo vento entre as árvores. Depois de horas fugindo por trilhas sinuosas e cruzando riachos gelados, Zé da Mata e Rosa Morena encontraram um pequeno refúgio: uma clareira coberta por uma copa densa de galhos que bloqueava a luz do sol, deixando o lugar em um crepúsculo eterno.

Desgastados, eles se jogaram no chão coberto de folhas secas. O corpo de Zé tremia de cansaço, mas ele não podia permitir que a exaustão o vencesse. Seu olhar se voltou para Rosa, que respirava com dificuldade, apoiada em uma árvore retorcida. Mesmo naquele estado, havia uma força nela que Zé não conseguia explicar, algo que parecia maior do que sua carne e osso.

— Aqui tá bom por enquanto, Rosa — disse ele, a voz rouca. — A floresta vai esconder a gente.

Ela apenas assentiu, sem forças para responder.

À medida que o silêncio se instalava, Zé começou a perceber os sons da mata. O canto dos pássaros misturava-se ao zumbido dos insetos, conforme folhas balançavam ao ritmo e sabor do vento. Era como se a floresta tivesse vida própria, uma respiração que se unia à deles, compassada e firme.

— Rosa, cê sente isso? — perguntou ele, olhando em volta.

Ela abriu os olhos, ainda ofegante.

— Sinto o quê?

— É como se a floresta... como se ela tivesse viva, Rosa. Mais viva do que a gente consegue ver.

Rosa fechou os olhos novamente, mas agora com um sorriso sutil nos lábios.

— Sempre esteve, Zé. A gente só esqueceu como ouvir.

Aquelas palavras ficaram pairando no ar, e Zé percebeu que ela estava certa. A floresta não era apenas um refúgio; era um santuário. Cada folha, cada raiz, parecia estar ali para protegê-los. Ele sentiu uma paz que não sentia há anos, como se tivesse voltado para casa.

Rosa adormeceu primeiro, rendida pelo cansaço. Zé permaneceu acordado, mantendo vigia conforme o céu escurecia, conforme as sombras da noite se tornavam mais densas. Sabia que os perseguidores ainda estavam atrás deles, mas algo dentro dele dizia que, naquele momento, estavam seguros.

Conforme Rosa dormia, algo começou a mudar ao seu redor. A luz da lua, que conseguia penetrar timidamente pela copa das árvores, parecia pulsar, ficando mais brilhante e depois mais suave, como o bater de um coração.

De repente, Rosa começou a murmurar em seu sono. Palavras desconexas escapavam de seus lábios, mas Zé intuia que não eram apenas sonhos. Havia algo espiritual acontecendo.

De repente, ela abriu os olhos, mas eles não estavam focados em Zé nem na floresta ao redor. Estavam fixos em algo distante, algo que só ela podia ver.

— Rosa? Tá tudo bem? — perguntou ele, inclinando-se para tocá-la.

— Eles tão aqui, Zé — respondeu ela, quase em um sussurro.

— Eles quem?

— Nossos ancestrais.

Nisso, Rosa levantou-se devagar, como se fosse puxada por uma força oculta. Seus pés descalços moviam-se silenciosamente sobre as folhas, e Zé a seguiu de perto, com o coração acelerado.

Pelos espíritos... A clareira parecia maior agora, e as sombras das árvores projetavam formas que dançavam como figuras humanas. Rosa parou no centro do espaço, seus olhos fixos no vazio, conforme um vento suave começou a soprar em volta deles.

— Rosa, o que tá acontecendo? — insistiu Zé, mas ela apenas ergueu uma mão, pedindo silêncio.

Foi então que Zé ouviu. No começo, eram apenas murmúrios, como o farfalhar das folhas. Mas logo as vozes ficaram mais claras, e ele notou que não estavam sozinhos.

— Vocês não são os primeiros a buscar liberdade nesta terra... — uma voz feminina ecoou, profunda e grave, mas cheia de ternura.

Zé sentiu um arrepio percorrer sua espinha. Olhou ao redor, tentando encontrar a origem da voz, mas tudo o que viu foram os contornos das árvores, imóveis na escuridão.

Rosa, no entanto, parecia saber exatamente o que fazer. Ela ajoelhou-se no chão, pousando as mãos sobre a terra.

— Somos filhos da terra e do sangue — respondeu ela, com uma voz que não parecia sua. — E buscamos a força dos que vieram antes de nós.

Zé observava, sem saber o que dizer. A floresta parecia pulsar ao redor deles, a atmosfera carregada de uma energia que ele não conseguia explicar.

Foi então que Rosa começou a falar de novo, mas desta vez, parecia estar repetindo palavras que ouvia em sua mente.

— Os que vieram antes de nós lutaram e resistiram. A terra é sagrada, e seus filhos são fortes. Vocês carregam em suas veias o mesmo sangue, a mesma força.

Zé sentiu como se cada palavra estivesse sendo direcionada a ele. Era uma força que ele nunca havia experimentado antes, mas que, de alguma forma, sempre soubera que estava lá.

Rosa abriu os olhos, e Zé notou que eles brilhavam à luz da lua.

— Zé... eles dizem que a gente não tá sozinho. Que a floresta vai proteger a gente, mas que a gente também precisa proteger ela.

Ele assentiu, sentindo o peso das palavras.

— A gente sempre protegeu, Rosa. Mas agora, com eles do nosso lado, a gente vai ficar ainda mais forte.

Quando o vento finalmente parou e a clareira voltou ao silêncio, Rosa parecia outra pessoa. O cansaço ainda estava lá, mas algo em sua postura havia mudado.

— Eu vi eles, Zé. Minha avó, minha mãe... e outros que eu nem conhecia. Eles tavam ali, dançando, cantando. E todos diziam a mesma coisa: que a gente vai vencer, mas que precisa ser juntos.

Zé segurou as mãos dela, sentindo a força que agora emanava de sua companheira.

— A gente vai vencer, Rosa. Não tem outra escolha.

Ela sorriu, um sorriso que parecia iluminar a escuridão em volta deles.

— Então bora fazer valer, Zé. Por eles, por nós, e por quem vier depois da gente.

Zé e Rosa decidiram permanecer na clareira por mais algumas horas, recuperando as forças para continuar. Agora, sentiam que não estavam apenas fugindo; estavam traçando um novo caminho.

Enquanto Rosa dormia novamente, Zé olhou para o céu, através das frestas entre as folhas. Ah, as estrelas pareciam mais brilhantes agora, como se também estivessem torcendo por eles.

Ele sussurrou, como se os ancestrais ainda estivessem ouvindo:

— Vou proteger ela. Vou proteger essa terra. Não importa o que aconteça.

E ali, sob a proteção da floresta e das estrelas, Zé sentiu, pela primeira vez, que tinham uma chance real.

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Comments

Noorphans.

Noorphans.

Surpreendente! 👏

2024-11-19

1

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