A madrugada trazia consigo um silêncio inquietante. No horizonte, a escuridão se dissolvia lentamente, mas o sol ainda não havia nascido. Era a hora exata em que a mina prendia a respiração, como se até ela aguardasse o inesperado. Zé da Mata e Rosa Morena estavam prontos. No barraco improvisado que dividiam com outros trabalhadores, a atmosfera era tensa, mas cheia de obstinação.
— É agora ou nunca, Rosa — murmurou Zé, ajustando o pedaço de corda que improvisara como cinto.
Rosa não respondeu de imediato. Em vez disso, fitava a pequena sacola que havia preparado na noite anterior. Carregava pouco: um punhado de raízes para comer, um tecido fino para proteger os ombros e uma faca de lâmina curta que conseguira esconder dos capatazes. O essencial para sobreviver, mas nada que pesasse mais do que sua esperança.
— Já passou da hora de sermos donos de nós mesmos — respondeu, finalmente, conforme seu olhar encontrava o dele.
Zé segurou sua mão por um instante. Não precisavam de palavras; o pacto já havia sido feito, selado não apenas pelo sangue, mas pelos sonhos que compartilhavam.
Eles saíram do barraco com passos calculados, como sombras se esgueirando pelas frestas de um pesadelo. O ar estava denso, carregado do cheiro de suor, minério e medo. Cada som, por menor que fosse — o estalar de uma folha, o farfalhar de um tecido — parecia um trovão nos ouvidos de Zé.
Quando chegaram ao limite dos montes, Zé fez um sinal para Rosa parar. Ele agachou-se, analisando os movimentos do vigia mais próximo. Havia dois homens circulando a área, armados com facões e chicotes. Os olhos dos capatazes brilhavam na penumbra, como predadores em busca de presa.
— Ali — sussurrou ele, apontando para um trecho mais adiante, onde o mato era alto o bastante para escondê-los.
Rosa assentiu. Sabia que não havia espaço para hesitação. Em uma fuga como aquela, o menor erro poderia custar-lhes a vida.
Eles se moveram como duas onças no rastro da liberdade. Cada passo era medido, cada respiração controlada. Quando finalmente alcançaram o matagal, Zé parou novamente, olhando para trás. O vigia estava a poucos metros, mas parecia distraído, coçando a barba rala e murmurando algo que não conseguiam ouvir.
Rosa tocou o ombro de Zé, e ele entendeu o recado. Era hora de seguir em frente.
A trilha que Zé mencionara não era uma promessa de segurança, mas era tudo o que tinham. Enfiaram-se na mata densa, onde galhos e cipós pareciam garras tentando agarrá-los de volta. O chão estava úmido, e o cheiro forte da vegetação preenchia o ar, misturando-se ao aroma de terra molhada.
Rosa liderava agora, usando a faca curta para abrir caminho. Cada golpe contra os galhos era uma pequena vitória, uma fresta na muralha verde que parecia infinita.
— Tá vendo? A floresta já tá nos ajudando, Rosa — disse Zé, tentando aliviar a tensão com um sorriso.
Ela olhou para ele por cima do ombro, o rosto coberto de suor, mas com um brilho de determinação nos olhos.
— Então vamos fazer por merecer, Zé.
Não demorou muito para que os alarmes começassem a soar na mina. Um grito ecoou ao longe, carregado pelo vento como um aviso sombrio.
— Fugitivos! Fugitivos!
O coração de Zé disparou. Ele olhou para Rosa, e ambos sabiam o que aquilo significava. Os capatazes haviam descoberto sua ausência, e a caçada estava prestes a começar.
— Eles não vão desistir fácil, Rosa — disse Zé, apertando o passo.
— E nem nós — respondeu ela, com uma firmeza que o fez se lembrar de por que a amava tanto.
Eles ouviram o som dos cães primeiro. Latidos ferozes cortavam o silêncio da mata, acompanhados pelo ruído de botas esmagando folhas secas. O chão parecia vibrar com a aproximação dos guardas.
— Vamos pra água — sugeriu Zé, apontando para um riacho próximo.
Correram em direção à correnteza, entrando na água gelada até os joelhos. A sensação era ao mesmo tempo revigorante e desesperadora. Eles sabiam que os cães poderiam perder o rastro ali, mas também que cada segundo era precioso.
Quando saíram do riacho, os latidos pareciam ter ficado mais distantes, mas não desapareceram completamente. O alívio foi breve. Um dos capatazes surgiu de repente entre as árvores, a poucos metros deles.
— Ali estão eles! — gritou, erguendo o facão.
Zé reagiu rápido, colocando-se entre Rosa e o homem. Ele ergueu os punhos, o corpo automaticamente assumindo a ginga da capoeira.
— Voltem agora, ou vão conhecer o gosto do chicote! — ameaçou o capataz, avançando com passos largos.
Zé não respondeu. Em vez disso, esperou o momento certo. Quando o homem se aproximou, desferiu um chute giratório que acertou o facão, derrubando a arma no chão. O som do metal caindo ecoou pela mata, mas Zé não teve tempo para comemorar.
O capataz avançou novamente, tentando agarrá-lo, mas Zé desviou com um movimento rápido, girando o corpo como se fosse parte do vento. Rosa, que até então observava, aproveitou a distração e correu para pegar a faca do chão.
— Agora é a gente que tá no comando — disse ela, segurando a lâmina firme na mão.
O capataz hesitou, percebendo que estava em desvantagem. Aproveitando a oportunidade, Zé desferiu um golpe final, um rabo de arraia que derrubou o homem no chão.
— Bora, Rosa! — gritou Zé, pegando a mão dela e correndo antes que os outros guardas chegassem.
A mata parecia se fechar em volta deles, como se testasse sua determinação. Cada passo era uma luta contra galhos, espinhos e raízes traiçoeiras que ameaçavam fazê-los cair.
O som dos perseguidores ficava mais distante, mas o perigo ainda estava lá. Zé e Rosa sabiam que a floresta era ao mesmo tempo abrigo e armadilha.
— Zé, olha isso — disse Rosa, apontando para uma árvore gigantesca coberta de musgo.
Ele olhou para cima, seguindo o tronco que parecia tocar o céu. Algo naquela árvore parecia diferente, quase sagrado.
— É um refúgio — disse ele, sem saber explicar como sabia.
Subiram na árvore, escondendo-se entre os galhos densos. O coração de ambos batia forte, mas o silêncio ao redor era reconfortante.
Enquanto esperavam, ouviram os passos dos capatazes passarem por eles.
— Diacho! Pra onde eles foram? Não pode ter sumido assim! — resmungou um dos homens.
— Continuem procurando! O patrão não vai perdoar se a gente voltar de mãos abanando.
Os passos diminuíram até desaparecerem, mas Zé e Rosa sabiam que precisariam continuar se movendo.
Quando finalmente desceram da árvore, o céu começava a clarear. A luz do amanhecer trazia uma sensação de esperança, mas também de vulnerabilidade.
— Rosa, a gente conseguiu despistar eles por agora, mas vão continuar atrás da gente.
Zé olhou em volta. Precisavam achar um lugar seguro.
— Bora seguir o rio. Água é vida, Zé. E vida é o que a gente tá buscando.
Eles seguiram em frente, cada passo os levando para mais longe das minas e mais perto da liberdade. O cansaço começava a pesar, mas o fogo da determinação que carregavam nos olhos era mais forte.
A floresta parecia sussurrar ao redor deles, como se estivesse torcendo por sua vitória. Zé sentiu que cada árvore, cada folha e cada pedra estavam ao seu lado. E, ao olhar para Rosa, teve certeza de uma coisa: enquanto estivessem juntos, poderiam encarar qualquer coisa.
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Atualizado até capítulo 23
Comments
ProGaming
Você tem o dom de contar histórias, não consigo esperar pelo próximo capítulo!
2024-11-18
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