Alana manteve a espada erguida, seus olhos fixos em Kael. Ele estava parado entre os destroços da casa dos Redor, o corpo alto e imponente, mas seus olhos transmitiam algo diferente de ameaça. O demônio observava com cautela o rastro de destruição ao redor, como se estivesse analisando cada detalhe. A raiva borbulhava dentro de Alana, mas agora, misturada com uma crescente desconfiança — não sobre Kael, mas sobre a natureza do que estava acontecendo.
— Não me venha com enigmas, demônio, — Alana disse, dando um passo à frente, mantendo a espada firme. — Se realmente não é o responsável por isso, então prove. Fale o que sabe.
Kael a observou por um longo momento, o silêncio preenchendo o espaço entre eles. Havia uma tensão palpável, mas algo mais profundo parecia estar se desenrolando. Ele sabia que Alana era uma caçadora obstinada e que qualquer tentativa de manipulação seria fútil. Se quisesse ganhar tempo — ou a confiança dela, de alguma forma — precisaria ser honesto.
— Eu não sou o que você pensa, — começou ele, sua voz baixa, mas clara. — Não sou como os outros demônios que você caça. Meu povo é antigo, e nem todos somos consumidos pela maldade. Alguns de nós são... diferentes. Há muitos de nós que evitam o conflito com os humanos e preferem viver isolados, longe das sombras que nossa própria espécie gerou.
Alana cerrou os punhos em torno da empunhadura da espada, a mente cheia de perguntas e dúvidas. **Diferente?** A ideia de demônios que não seguiam o caminho da destruição era absurda. Os demônios eram uma força de pura crueldade — disso ela sempre tivera certeza. Mas a voz de Kael não tinha o tom sarcástico e mentiroso que ela esperaria de uma criatura tentando se salvar.
— Isso não explica por que você está aqui. Nem por que devo acreditar em você, — ela replicou, com um tom ainda defensivo, mas com uma pontada de curiosidade, que não conseguia esconder.
Kael suspirou e cruzou os braços, como se estivesse se preparando para um confronto emocional mais do que físico.
— Há uma criatura antiga nesta floresta. Um espírito sombrio que desperta a cada poucos séculos. Ela se alimenta da escuridão que habita no coração dos homens e dos demônios. Eu senti sua presença antes mesmo de você chegar à vila, — explicou ele, sua voz tingida de uma seriedade incomum. — Essa criatura se fortalece com o caos, e os aldeões estão se tornando suas marionetes sem saber. Ela não só os manipula, como está enfraquecendo a barreira entre o nosso mundo e o deles. Se continuar assim, ambos os lados sofrerão.
Alana permaneceu em silêncio, absorvendo as palavras. Ela sentia em seu âmago que algo estava fora do comum. Os ataques, a violência sem testemunhas claras, as sombras que os aldeões alegavam ter visto. **Mas confiar em Kael?** Isso ainda parecia longe de acontecer. Mesmo assim, havia uma lógica perturbadora no que ele dizia. **Se essa criatura estava influenciando humanos e demônios, poderia ser a razão pela qual nenhum deles viu o demônio claramente.**
— Se essa criatura é tão poderosa, por que você não a enfrentou? — Alana finalmente perguntou, mantendo a espada em posição de ataque, ainda relutante em baixar a guarda.
Kael a olhou diretamente, e desta vez, sua expressão parecia carregada de algo mais profundo, quase um fardo que ele carregava.
— Eu tentei, — ele respondeu com franqueza. — Mas ela não pode ser combatida da maneira que você ou eu lutaríamos. Ela se esconde nas mentes, distorce percepções, e manipula as emoções mais sombrias que os seres carregam. Eu posso lutar contra um exército de homens ou demônios, mas não contra algo que existe dentro deles. — Ele fez uma pausa, os olhos escurecendo. — É por isso que estou aqui. Preciso de alguém que possa ver as coisas como elas realmente são... e você é a única humana forte o suficiente para resistir à influência dessa criatura.
Aquelas palavras atingiram Alana como uma onda de choque. **Resistir?** Desde pequena, ela havia treinado para não sucumbir ao medo ou à escuridão. Sua vida era um ciclo de dor e vingança, mas sempre conseguira manter-se firme. No entanto, pensar que havia algo dentro dela, uma força capaz de resistir a um inimigo que habitava nas sombras... isso a deixava desconcertada.
— E o que você espera que eu faça? — perguntou, sem deixar de lado sua cautela. A espada ainda estava em sua mão, mas sua determinação em lutar contra Kael estava agora mais confusa.
— Você sabe tanto quanto eu que a única maneira de derrotar essa criatura é enfrentá-la diretamente. Mas não sozinha. Precisamos das habilidades um do outro, — disse Kael, sem rodeios. — Eu conheço os caminhos desta floresta, as antigas lendas e as fraquezas da criatura. Você tem a força e a resistência para não cair em suas armadilhas. Juntos, podemos selá-la antes que seja tarde demais.
Alana respirou fundo. A ideia de uma aliança com um demônio era insuportável. Ela havia jurado caçar essas criaturas, erradicá-las da face da Terra, e agora, estava sendo sugerido que ela deveria unir forças com uma delas para salvar a vila — e talvez muito mais.
Ela olhou ao redor, o cenário de destruição na casa dos Redor, o sangue derramado que representava inocentes perdidos. **Se o demônio estivesse dizendo a verdade... ela não teria escolha.**
— Eu não confio em você, — Alana disse finalmente, os olhos fixos nos de Kael. — Mas se o que diz é verdade, não temos tempo para hesitações. Vamos descobrir essa criatura e destruí-la. Mas se você me trair, demônio... não haverá lugar onde possa se esconder de mim.
Kael assentiu, aceitando a ameaça sem qualquer contestação.
— Eu espero que não precise, caçadora, — respondeu ele. — Nossa sobrevivência depende disso.
A tensão no ar pareceu diminuir um pouco, mas a desconfiança ainda pairava entre eles como uma sombra espessa. Mesmo com uma possível aliança, a guerra pessoal de Alana contra os demônios estava longe de terminar. Agora, ela estava prestes a caçar uma criatura antiga, com um aliado improvável — e cada passo que desse estaria caminhando na tênue linha entre a desconfiança e a necessidade de sobrevivência.
Ela embainhou a espada lentamente, mas seus olhos permaneceram fixos em Kael. O demônio se virou e começou a caminhar em direção à floresta, indicando o caminho que ambos deveriam seguir. Alana o acompanhou, cada músculo do seu corpo em alerta, sabendo que, em breve, enfrentariam algo muito maior do que qualquer um dos dois poderia prever.
A aliança, embora frágil, estava formada. E o verdadeiro inimigo aguardava.
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Atualizado até capítulo 42
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