Enquanto se arrumava para o trabalho, se olhava no espelho, terminava de abotoar sua camisa branca de corte impecável, em seus olhos, observava uma tristeza que somente ela sabia, pois para as pessoas à sua volta, era indestrutível e inabalável, fama essa, que ela mesma havia feito questão de endossar ao longo dos anos, porém, dentro de seu quarto, no seu “esconderijo”, sabia que tudo não passava de um mecanismo de defesa, havia construído uma muralha em torno de seu coração, pelo menos para relacionamentos amorosos, pois era insegura, e não estava disposta a se magoar mais do que sua mãe já a magoava, seu trabalho ocupava seu tempo quase que totalmente e não tinha tempo para se relacionar.
Melissa termina de se arrumar, coloca seu sapato de salto, pega sua bolsa, e sai de seu quarto. Ela então liga seu Ford Maverick GT 1974 preto e sai, por onde passava, os olhares eram atraídos para ela e seu carro, o barulho do motor ecoava a quarteirões de distância, e a atenção que recebia, a fazia se sentir cada vez mais envaidecida, pois também sentia orgulho de dirigir o carro que era de seu amado avô, era uma relíquia que ela cuidava com muito carinho, e sempre que entrava nele, se lembrava dos passeios animados que fazia com ele aos domingos de manhã. Melissa para em uma famosa cafeteria, e pede seu costumeiro café forte sem açúcar, e segue para o trabalho.
Assim que entra em seu escritório, já tinha plena consciência dos compromissos daquele dia, pois sempre estava preparada para absolutamente tudo, ou quase tudo, encontra sua secretária mexendo em sua gaveta, e em cima da mesa, dezenas de papéis estavam espalhados, ela para na porta, cruza os braços, e fica observando por um tempo, pois a moça não havia se dado conta que ela tinha entrado.
- Posso ajudar em alguma coisa, Laura? – Pergunta de surpresa.
- Hã? E-eu...Me desculpe senhora Melissa, eu não vi que estava aí.
- O que está procurando?
- Estou procurando pelo contrato do senhor Jonas.
- Ah, sim! Eu havia me esquecido que ele virá hoje buscar, e eu achando que sabia exatamente o que tinha em minha agenda hoje!
- Não quero parecer intrometida, eu sei que sou apenas sua secretária, mas já tem algum tempo que sinto você meio desanimada, acho que desde que eu entrei aqui, não vejo você feliz.
- Você sabe muito bem que você não é apenas minha secretária, inúmeras vezes desabafei com você, sem contar que você já teve o “prazer” de conhecer minha mãe, sabe muito bem o que houve com minha irmã, e está a par sobre meu irmão, ou seja, você sabe tudo a meu respeito, não é?
- Acho que sim! – Responde sem jeito.
- Laura, você trabalha ao meu lado há um bom tempo, e eu sei muito bem de seu empenho e eficiência, até aqui estou muito satisfeita com seu trabalho, mas você sabe muito bem, que não gosto de trabalhar em algo que não me motiva, já comentei que queria muito fazer outra faculdade e começar uma carreira de estilista, mas você sabe também que minha mãe não aprova nada disso!
- E quem disse que sua mãe tem que permitir alguma coisa? Você carrega sua mãe nas costas, você é maior de idade, independente, não precisa da aprovação de ninguém, se eu fosse você, faria faculdade de moda, e ela não precisa saber, aliás, sua mãe não está nem aí para você, o único que se importa é seu irmão e sua avó, aliás, acho que já passou da hora de pedir ajuda para ele, Cássio não negará ajuda!
- Infelizmente é verdade, se não fosse minha avó e meu irmão, acho que eu já teria desistido de tudo, mesmo meu irmão morando em outro país, sempre conversamos e ele me apoia. Você acha mesmo que daria certo? Afinal, quando eu terminar a faculdade já estarei com 30 anos. Eu me sinto tão insegura, não sei se dou conta!
- Eu acho que você se subestima demais, já tive a oportunidade de ver seus desenhos, e você é incrível, sem contar que 30 anos hoje em dia não representa absolutamente nada, conheço jovens de 18 que já estão mortos por dentro, e idosos de 80 que ainda se sentem muito dispostos, idade são apenas números, o que importa é como nos portarmos diante das situações.
- Você tem toda razão...mas, você sabe que eu não estou nos padrões...quer dizer...hoje em dia uma mulher que vista 46 já é mal vista, nos rotulam como desleixadas, imagina então, no ramo da moda onde muitas modelos chegam a vestir 34. Sei que nesse meio as pessoas iam fazer muitas piadinhas, pois desde criança ouço comentários maldosos a respeito do meu corpo, já basta minha mãe me pressionando o tempo todo para me adequar ao padrão que ela quer, mesmo minha saúde estando ótima ela vê somente a aparência.
- Acho que sua mãe conseguiu te desestimular, e você acaba arrumando uma desculpa para cada solução, me desculpe falar assim com você, mas você tem dinheiro e talento, só precisa acreditar mais em si, e sua mãe não vai parar, mas saiba que nem todo mundo é como ela, você precisa entender que seu corpo não determina seus limites, e sim você mesma, se sua saúde está em dia, não tem motivo algum para ouvir o que quer que seja que te digam.
Aquelas palavras entraram no coração de Melissa, pois ela precisava apenas de alguém a incentivando, já que em seu dia a dia, só encontrava o oposto. Laura, sua secretária sai da sala e Melissa a observava de cenho franzido a moça era de confiança, sabia que era muito boa no que fazia, sabia também que se precisasse de ajuda em seu escritório, poderia contar com ela a qualquer momento.
Melissa sai de sua sala minutos depois pisando duro, tinha os passos determinados, seu rosto estava sério, não demonstrava reação alguma, mas em contrapartida, a determinação estava estampada em seus olhos.
Ela se matricula na faculdade de moda momentos depois que saíra de seu escritório, como Laura mesmo havia dito, não precisava prestar contas à sua mãe, faria o que precisasse para fazer tudo no mais completo silêncio, contara a novidade apenas para sua avó, que a apoiava em tudo, e para Laura, pois se não fosse o empurrão que ela havia dado, talvez demorasse ainda um tempo mais para que ela realizasse seu sonho.
*Sábado, seis e vinte e sete da manhã, mais um final de semana chegava, Melissa olha pela janela de seu apartamento e vê que o dia começava, e como de costume, sempre no mesmo horário levantava, tomava um banho, vestia uma roupa confortável, algumas vezes tomava um rápido café, pegava suas coisas e saía para sua caminhada.
Havia seis meses que tinha começado a faculdade, e parecia estar vivendo um sonho, seus colegas de sala eram muito receptivos, e em momento algum se sentia rejeitada pelo seu corpo, aliás, Melissa não era a única mulher gorda da turma, e ali, naquele ambiente de “perfeição” aprendera que o respeito às diferenças, é fundamental*.
*Ela caminhava tranquilamente até um parque próximo onde mora, resolve então se sentar num banco e ficar observando as pessoas caminharem, gostava de olhar o comportamento alheio, sabia que dentro de cada ser humano, haviam dúvidas, traumas, sonhos e desejos jamais expressados, e isso fazia com que se sentisse mais humana, já que havia construído um muro em volta de si, desde o ocorrido anos atrás... Enquanto observava as pessoas, nota um rosto familiar, já tinha visto aquele homem em algum lugar, mas não tinha certeza se tinha sido na faculdade ou no escritório de contabilidade.
Ele a olhava como se tivesse dúvidas se deveria se aproximar ou não, até que depois de certa relutância, ele acaba se aproximando*.
- Oi, eu acho que já nos vimos, você se lembra? – Pergunta o rapaz.
- Para falar a verdade, acho que sim, mas não sei ao certo de onde.
- Você faz faculdade de moda, não faz?
- Sim!
- Então acho que nos conhecemos da faculdade, já te vi por lá, a propósito me chamo Renan.
- Muito prazer em conhece-lo, me chamo Melissa.
- É um nome bonito! Não quero parecer atrevido, mas você aceita sair comigo esta noite? Sei que não nos conhecemos, mas podemos mudar isso, o que acha?
- Bem, eu... por que não? Eu aceito!
- Ótimo! Me passe seu endereço, pois a buscarei para irmos a algum lugar bem descontraído.
Desde aquele dia, Melissa não havia mais desgrudado de Renan, os dois haviam iniciado uma amizade, e com o tempo, havia evoluído para um namoro, e em nenhum momento ele havia demonstrado vergonha dela, muito pelo contrário, Renan a elogiava constantemente, e pela primeira vez, Melissa se sentira em paz. Nem mesmo seu medo e insegurança de se relacionar a atrapalhou, pois Renan parecia mesmo gostar dela.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 49
Comments
Andréa Debossan
já devia saber qu ela comandava a empresa da família, era td enteresse
2024-11-27
0
Maria Medeiros
este preconceito acontece também na vida real isso é um absurdo a própria mãe ser preconceituosa com a filha isto não é uma mãe e uma 🐍
2025-01-04
3
Anatalice Rodrigues
Um interesseiro, isso sim
2024-12-29
0