ORLANDO

ORLANDO

Capítulo 1

— VAI EMBORA!

De todos os tapas que levei da minha mãe, esse foi o que mais doeu. Junto com as palavras, claro:

— Eu não aceito ter um filho veado dentro desta casa! — gritou, furiosa. A voz trêmula. — Quero que você vá embora daqui, Orlando. Agora!

— Como assim, eu vou embora?! — Passei a mão na bochecha, onde ardia muito. Senti o meu sangue gelar com a ordem de despejo. — Eu não tenho para onde ir! A gente combinou que eu vou sair daqui só no próximo fim de semana!

Tive que me controlar, pensar rápido, para não entrar em total desespero.

— Não quero saber! Se vira! — ela estava quase chorando e de desgosto. Completou: — Que pensasse duas vezes antes de ter beijado qualquer aberração por aí, na praia. Eu sei de tudo. Toda essa demora de voltar do trabalho pra casa… Ficar o dia inteiro fora no fim de semana… Eu sei de tudo. Tudo! Eu não aceito esse tipo de safadeza aqui.

Ela fez uma pausa para respirar fundo.

— Você tem uma hora para sair daqui com as malas. Uma hora. — Os olhos dela me fuzilavam. — Aproveita essa chance que estou te dando para sair daqui com um pingo de dignidade. Se é que você tem uma. — Ela limpava uma lágrima que escorria. — Você não faz ideia da vergonha que estou sentindo. Pensei que o maior desgosto foi ver você saindo dos caminhos do Senhor, mas virar isso aí… — A expressão de nojo dela estava nítida. — Não admito.

Eu subia as escadas devagar, desolado. O rosto ainda estava ardendo. As palavras reverberando na cabeça. Mas a única coisa que passava pela minha cabeça era a ideia de alguém ter me dedurado para a minha mãe. Alguém me viu na praia, beijando o Guto — o segurança de hotel que ficou me cortejando ontem. Ele tinha 1,94 de altura e porte físico grande, e me fez viver uma aventura perigosa: uma rapidinha no banheiro que foi forjado para ser interditado. O próprio tinha feito isso.

Entrei no quarto e tirei as duas malas grandes que usei uma vez para sair de férias. Comecei a guardar as minhas roupas sem dobrar.

— Você só vai levar as suas roupas e seus pertences — ela apareceu na porta, a voz dura e cortante. — A cama, o guarda-roupa, a mesinha… Vão ficar aqui.

— Não vou precisar levar tudo isso, não — devolvi no mesmo tom, secando uma lágrima solitária. Agora começava a doer por dentro. O que eu mais temia, há muito tempo, aconteceu agora.

— Acho bom — ela disse com o olhar fixo e a voz dura. — Se deixar alguma coisa por aqui, vai pro lixo.

Depois disso, ela saiu.

Tudo o que conseguia pensar era no dia anterior. E como as coisas aconteceram intensamente. Wagner foi embora, deve estar em Lisboa. Ele insistiu em me deixar um dinheiro na conta, em nome do nosso breve envolvimento. E porque ele sabia da minha situação, querendo me ajudar. Só aceitei porque precisava sair daqui e não viver mais uma vida com fingimentos: mentir por estar chegando tarde, por ter passado o dia inteiro fora… Não quero mais isso pra mim. Ele foi generoso comigo.

Eu não pretendia sair de casa desse jeito, mas acabou acontecendo. Se eu pego a criatura fofoqueira que fez isso…

As mentiras azedam qualquer convivência. Minha convivência com a minha mãe já não era das melhores. E mentir foi o caminho inviável — porém necessário — que precisei percorrer.

A conta sempre chega.

DESCI COM DUAS MALAS.

Enquanto pisava em cada degrau, a caminho da sala, as lembranças de quase uma vida inteira começaram a surgir. Nasci e cresci nesta casa. Eu estava de saída, conforme combinado, no final da semana que vem. Eu ainda não consegui encontrar uma casa pra alugar.

Olhei, de esguelha, uma foto minha de quando tinha meus cinco anos de idade. Essa foto sempre estava ali, pendurada na parede quase chegando no primeiro andar da casa. Não dou uma semana para a minha mãe tirar ela dali.

Ela não estava na sala. Notei que a porta estava aberta. Estava esperando que eu saísse de vez.

Meu quarto ficava para trás. Vazio. Se aquelas quatro paredes falassem…

— GUTO?

Estava a caminho, dentro do Uber, com as minhas malas e mochila do meu lado no banco de trás.

— Diga, baby.

— Tá em casa?

— Tô sim. Por quê?

— Posso chegar aí?

— Pode… — a voz dele era a mesma gutural que já conhecia. — Sentiu saudades? Não esperava uma surpresa dessas.

— Obrigado.

Fiz silêncio para engolir o choro. Soltei o ar. Parece que funcionou.

— O que aconteceu? — o tom de voz dele mudou. Ele tinha notado.

Ficou preocupado.

— Quando chegar aí eu te conto — falei.

— Pois venha. Me avisa quando tiver perto.

— Tá bom. — desliguei.

Olhei para a avenida que me distanciava cada vez mais da minha antiga casa.

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Comments

Tania Maria Rufino

Tania Maria Rufino

Estou gostando ☺️

2024-09-07

0

Jefferson DFéP

Jefferson DFéP

Fantástico, a maneira em que o autor declara a história, com detalhes e minúcias, o nível de imersão proposto por Jonathan é tão constante e sólido, que o leitor parece está vivendo a história.

2024-04-11

2

Hilda F.P Marchesin

Hilda F.P Marchesin

Iniciando Leitura
30/11/2023 10:45 AM

2023-11-30

2

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