...O ORFANATO ...
Eu ainda consigo me lembrar de cada rua feita da terra marrom por onde eu corria segurando a alça de um balde branco, dentro dele haviam três litros de leite. Naquela época eu estava com nove anos e já era bem prestativo nos negócios da família, eramos fazendeiros e vendiamos os nossos produtos em uma vila perto a nossa fazenda. Era tudo bem organizado, os pequenos comércios, os vendedores ambulantes e as moradias, a maioria feita de madeira. Eu já entregava os produtos a um bom tempo então não corria o risco de me perder e nem de errar os endereços. Eram quase sempre os mesmos, a senhora Almeida, esta sempre estava sorrindo e na maioria das vezes me dava um de seus deliciosos doces de coco.
Will, este era um dos poucos comerciantes e estava sempre de mal humor. As irmas Grimes, eram gêmeas e moravam sozinhas em um pequeno bangalô, na época eu não entendia o por que tantos homens entravam e saiam daquele lugar. Após entregar tudo eu sempre ouvia a mesma coisa "Obrigado, Ethan da fazenda", recolhia o dinheiro e voltava da mesma maneira que havia ido, correndo. Uma vez ou outra minha boina caía devido a minha pressa mas eu nunca a perdia, meu avô havia me dado antes de se mudar para longe. Caminhava sempre seguindo uma trilha de terra no meio de um grande pasto verde até chegar em minha casa, na porta avistei minha mae segurando meu pequeno irmão no colo, seu nome era Nolan e ele tinha uma fome insaciável por leite.
— Que bom que já voltou, tem queijo em cima a mesa mas não coma tudo.
— Mãe, as irmãs Grimes, por que tantos homens as visitam? Elas são curandeiras?
Não entendi o motivo que levou minha mãe a rir de uma pergunta tão inocente, ela apenas me respondeu fazendo um gesto para que eu adentrasse na casa. Após comer um pedaço daquele queijo caseiro fui cuidar das ovelhas e dos porcos enquanto meu pai ainda estava fora. Sempre que era possível ele nos levava até a grande árvore que ficava a alguns metros no pasto atrás da casa e nos contava suas histórias. Dizia que aquela arvore estava no centro do planeta, ele a chamava de a arvore no centro de tudo.Naquela mesma tarde nos reunimos perto a ela, minha mãe cobriu a grama onde estávamos com um lençol azulado e ficamos ali apenas observando o horizonte. Estávamos em cinco, eu, meu irmão mais velho, meus pais e o bebê que sempre estava a mamar. Meu pai falava sobre as batalhas da vida e como minha mãe havia sido essencial em suas conquistas, foi ai que se beijaram, aquele beijo, aquele ultimo beijo que eu veria das pessoas que eu amava. Me levantei e me aproximei da arvore para arrancar uma de suas lascas, eu sempre fazia aquilo.
...*** ...
Ethan ficou em silencio encarando Elizabeth, não havia reparado como o contorno de seu rosto era tão bem feito, mas não foi isso que o fez parar de falar e sim as lembranças começando a se tornar ruins em sua mente. Se debruçou sobre Elizabeth e arrumou seu travesseiro, em seguida seus lençóis. Um pouco da luz do sol tocava seu rosto mas ele decidiu não fechar a janela, era como se sentisse que ela pedisse isso "Não feche, deixe aberta, o dia esta incrível". Voltou a se sentar e seu olhar ficou perdido no meio do nada por alguns segundos.
— Essa é a parte que dá sequência a todos os outros acontecimentos da minha vida e você será a terceira pessoa para quem eu conto isso. Uma delas foi o tenente Edgar, e olha que nos odiavamos, mas ainda não chegou a hora de falar dele.
...*** ...
Quando toquei aquela grande árvore senti uma dor insuportável nas costas, algo atravessou meu corpo e bateu contra a madeira solida da arvore a minha frente. "Mamãe" foram minhas ultimas palavras antes de tudo ficar escuro e meu corpo cair sobre a grama.
...*** ...
Ethan foi interrompido por duas enfermeiras que adentraram no quarto.
— Você é? — perguntou uma delas enquanto a outra rodeava a cama indo checar os aparelhos.
— Ethan, sou responsável pela limpeza deste quarto e como já terminei tudo estou apenas contando uma de minhas histórias para Elizabeth.
— A conhecia?
— Sim... Bom, na verdade não.
— E por que está contando sua vida a ela?
— Não quero que os últimos meses dela sejam monótonos, ela me escuta?
— Alguns estudos sobre pacientes assim indicam que sim, eles escutam mas não possuem a capacidade de processar e se lembrar de tudo que ouviram enquanto estavam nesse estado. Terei que pedir para dar licença e fechar a porta, temos que cuidar dela.
— Sim — ele se retirou e fechou a porta, escorou-se do lado de fora e olhou para o teto branco, agora tinha a certeza de que ela o escutava, não estava contando sua vida para alguem que não o entendesse, talvez não devesse continuar a se lembrar das coisas ruins que o cercaram por toda a vida. Ou talvez simplesmente se abrir para mais uma pessoa o ajudasse a se livrar de todo aquele peso em seu peito. Ethan andou pelos corredores a procura de algo para limpar mas não encontrou nada. Minutos depois as enfermeiras deixaram o quarto e ele as observou descer as escadas rumo ao primeiro andar. Ethan voltou ao quarto e se sentou novamente na cadeira, fitou a janela aberta notando alguns pássaros voando no céu do horizonte, em seguida olhou Elizabeth pelo canto de sua visão.
— Você tem cara de burguesa, sabe, aquelas mulheres bem sucedidas que compram e tem o que desejam. Mas creio que não seja assim, Margareth não me falou muito sobre você, apenas sobre a falta de dinheiro para pagar os custos com seu tratamento. Continuando...
...*** ...
Quando eu abri os olhos minha visão estava embaçada, apenas conseguia ver um borrão branco. Na mesma da hora pude escutar algumas vozes mas não entendia o que estavam dizendo. Meu corpo ficou imóvel enquanto me recordava dos últimos acontecimentos antes de desmaiar, apenas me lembrava de olhar a grande árvore. Não demorou muito para que eu conseguisse enxergar normalmente, o borrão branco que eu via antes agora estava bem nítido, era o teto de algum lugar. Lentamente e com muita dificuldade me levantei e fiquei sentado na cama. Um homem usando roupas brancas aproximou-se de mim.
— Você é mais forte do que pensavamos — Ele se abaixou e direcionou uma pequena lanterna nos meus olhos, como aquilo era irritante.
— consegue seguir a luz?— voltou a repetir alguns gestos com a lanterna — consegue se mexer?
— Onde estão os meus pais?— perguntei olhando em volta, ao mexer meu corpo mais uma vez notei que por baixo da minha blusa havia algumas faixas, mas também pude perceber que aquelas roupas não eram as minhas.
— Você não tem pais.
— Eu tenho.
— Não mais, você foi encontrado sozinho sangrando em uma cidade vizinha, ficou desacordado por duas semanas e já que acordou será levado para um orfanato ao anoitecer. Se lembra de algo?
— Estava com meus pais e meus irmãos, depois tudo ficou escuro.
— Você foi atingido por uma bala, sair vivo foi um milagre, já vi adultos morrerem com aquele ferimento mas você conseguiu se recuperar.
— Meus pais.
— Você não tem mais pais garoto, conforme-se, agora fique ai até a hora deles te buscarem, e calado.
A única coisa que pude fazer após aquele homem deixar o quarto foi chorar, eu queria os meus país, eu precisava deles. Desci da cama com dificuldades e andei até a porta, estava trancada e tive que me afastar ao ver a maçaneta girando. Uma mulher usando um uniforme de enfermeira abriu a porta e ela segurava um prato de alumínio, ou uma tampa, não sei bem. Sobre ela havia arroz e um pedaço de carne.
— Hora de comer — Ela jogou aquilo sobre mim e em seguida fechou a porta, a trancando novamente. Estava com muita fome então peguei a carne que havia caído sobre o chão e comecei a comer.
Não entendi o por que dela ter feito aquilo. Não pude segurar a vontade de chorar outra vez e tempos depois o mesmo homem de antes adentrou novamente no quarto.
— Hora de te apresentar a sua nova família — Ele segurou meu braço e me levou para fora dali, andamos por um longo corredor e aquele lugar não se parecia nada com um hospital, estava tomado por um silêncio muito estranho.
Descemos algumas escadas até chegar em uma ala enorme onde havia varias outras crianças, algumas até mais novas que eu, todas estavam viradas para uma parede de cabeças baixas e usavam uma roupa clara parecida com a minha.
— Aqui está sua nova família — Ele me empurrou para perto de um dos garotos e acabei me esbarrando nele, este se manteve da mesma maneira, virado para a parede de cabeça baixa.
— Eu quero ir pra casa.
Aquele homem me olhou e sorriu, em seguida deixou o lugar e quando tentei sair dali a garoto ao meu lado segurou minha mão me impedindo.
— Nao faça isso, eles vão te torturar.
— Quero minha família.
— Apenas obedeça ou todos nós vamos ser punidos, abaixe a cabeça, está quase na hora do banho.
Ele sussurrou para mim como se estivesse com medo de que mais alguém escutasse, eu simplesmente não entendia nada do que estava acontecendo naquele lugar.
— Eu não quero ir para um orfanato.
— Você já esta em um.
NOTA DO AUTOR:
Sempre que o personagem for contar a sua história, irá aparecer os três pontinhos. (***) usarei isso para separar o passado do presente.
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Atualizado até capítulo 58
Comments
escritora
cadê foto dos protagonistas
2024-03-29
0
nimorango
credo que médico ruin , isso e jeito de falar
2022-10-07
0
nimorango
deixa eu adivinhar morreu por causa da guerra do demônio Hitler
2022-10-07
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