Pela visão Dele.

A consciência lentamente retorna em mim. A pressão sobre o meu corpo é quente, quente o bastante para me fazer suar. O calafrio que antes sentia agora se torna repulsa, pois o cheiro que me atinge revela quem é causador deste calor.

Abro meus olhos. Sobre meus pés antes congelados está um casaco puramente de pele, e abaixo do meu pescoço dois braços aquecem-me. Na minha orelha ouço uma respiração lenta e calma, quase parando.

— Largue-me...- resmungo sentindo queimação ao respirar. Só então noto as minhas mãos e pés amarrados. Como ousam...!

— Querida.- paro de me mexer ouvindo uma voz desconhecida.- Astamir...- a mulher atrás de mim se mexe. Então este é seu nome. Astamir... que desconcertante, parece que já-

– Tô indo... vovó.- Astamir lentamente me solta, me sentando contra a parede. Seus olhos grogues ficam fechados enquanto a sua mão pousa na minha testa.- Sem febre... vovó! O remédio deu certo...- remédio?!

Vejo a mestiça se por de pé. Hoje observando melhor noto a sua figura por inteira. Não é como os mestiços descritos nas histórias. Não é um monstro cheio de dentes e garras afiadas, não possui a morte nos olhos e não cheira a fumaça e enxofre. Há falta de tatuagens de maldição pelo corpo ou cicatrizes feitas por suas vítimas mortas.

Simplesmente parece uma mulher da raça dos tigres brancos Sagrados. O que é raro... tigres brancos são quase extintos. Mas este nome... Astamir, onde o conheci?

— Tá me encarando por que?- ela fala ainda de olhos fechados. Como está-me vendo?!

— Solte-me antes que eu... argh!- fecho a boca ao sentir a bile subir pela garganta misturado com sangue.

– Bem que eu queria saco de pulgas. Primeiro tenho que cuidar destas feridas. Depois da um jeito de você não abrir sua boca pra ninguém.- ela fala se virando e sumindo pela cortina de fios e bolinhas pretas que tilintam ao baterem umas contra as outras.

As vozes no outro cômodo começam. Aproveito a deixa para tentar me soltar. Estas cordas não são grossas, então por que parecem tão resitentes?!

Com os meus caninos trato de roer os fios. Tem um sabor amargo e os fios parecem ferir minha gengiva a cada mordida. Maldição!

— Uma bruxa.- resmungo.- Estas duas devem ser...

— ... Irei para o templo no seu lugar, porém os espíritos sentirão a sua falta, Astamir.- espíritos?

— Queria ter outra solução... eu... não posso deixar sair neste estado. Irá morrer ou pelo frio, ou pelo veneno no seu sistema.- então estou envenenado.- E além, solta-lo... ele pode entregar a minha localização e vender meu sangue, ou pior! Pode querer consumir meu sangue e-

– Chega criança. Pare de se torturar pelo passado...- a velha fala com carinho retendo a ponta de tristeza na voz.- Este jovem não é quem imagina. Tome cuidado. Ele será ruína. E você a salvação dele.- o quê? O que está velha está falando?!

– Meu destino, faço eu vovó.- Astamir retorna a sala e olha-me com espanto.- Tava roendo as cordas? Imbecil, quer ficar sem a língua?!

— Me solte aberração.- falo com fúria observando o seu sorriso soberbo na cara.

– Claro que não. Para você morrer congelado? Ou envenenado? Ou por algum Tigre?!- ela tagarela indo até uma mesa que está ao lado de uma lareira acesa, e de dentro ela tira um alumínio enrolado em algo que fumega entre os seus dedos.- Isso seria um cúmulo! Ainda mais nas terras que eu cuido! O senhor é um arrogante se pensa que...

— Não queima?- falo.

— ... Sobreviver... ah? Isso? Ah! Não. Talvez queime, mas eu não sinto.- ela fala com tamanha naturalidade sem se importar com as feridas que este fogo vai deixar.- Me diga onde dói exatamente?

– Por que eu deveria te ouvir? Uma aberração...- minha fala parece não atingi-la, pois ao desenrolar o alumínio fumegante, a mestiça pega uma lâmina de prata.

– Acho que vai servir.- fala se aproximando de mim.

– O que pensa que vai fazer com isso?! Tire essa lâmina de perto...!- as cordas são cortadas.

Os fios atingem o chão como uma pedra pesada de concreto. Subitamente sinto um alívio nas dores abdominais, até mesmo a minha respiração naturaliza.

— De nada.- Astamir sorri superior se afastando. Aquelas cordas estavam... sugando o veneno do meu corpo?- Qual o seu nome?- ela pergunta se virando novamente com outro aparelho nas mãos.

— Mestiça, você não é digna de saber quem eu sou.- falo e ela revira os olhos.

— Então, gosta de agulhas?

Os próximos dias passam como um borrão. Mal acompanho o processo inteiro. Sinto-me uma cobaia nas mãos destas duas criaturas que me prendem aqui.

Até que um dia, estou bem o bastante para andar sozinho...

O frio aqui fora é esmagador, se não fosse pelas vestimentas que recebi, nem a minha forma de lobo resistiria.

– Oh, parece que você nasceu pra coisa Astamir!- ouço vozes vindo da lateral da casa.- Parece que ele vai sobreviver!

Tomado pela curiosidade sigo o som. Detenho logo meus passos ao ver a mestiça sentada sobre uma parte do gramado totalmente sem gelo e cercada por uma mine cerca de arames. Seu sorriso é... doce, mas o que assombra é o ser deitado em seus braços.

– Você pode dizer se ele é um lobo humano ou só um lobo, vovó?- a idosa nega.- Então... de qualquer jeito vou cuidar dele.- Astamir acaricia o pelo cinza daquele lobinho com uma mão e com a outra termina de alimenta-lo com uma mamadeira.

— Que nome vai dar a ele?- a velha pergunta vendo a mestiça por o bebê sobre o relvado verde.

– Eu não sei... talvez quando ele abrir os olhos e andar, a gente possa decidir.- então diante meus olhos vejo a grama crescer severamente, cobrindo todo o corpo desvanecido daquele pequeno.

– Bem, então vamos. Temos que...- a velha me olha.- Você já está andando?

– O que faz aqui?!- Astamir me olha assombrada.- Fique longe!- fala se pondo a frente do gramado.- Sei que você é um Alfa, então fique longe do lobinho!!

Então, é por isso. Lobos realmente são territorialista, quando outro alfa surge a ameaça começa, levando a conflitos. Tola... este território ainda não é meu. Ainda.

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Comments

Fabiana Dantas

Fabiana Dantas

parabéns ⚘

2023-04-08

1

Ravena Santos

Ravena Santos

está de parabéns

2022-12-30

1

Ver todos

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